Teresa Paiva e o suspeito de Aguiar da Beira: “Muitos criminosos são pessoas simpáticas”

Teresa Paiva e o suspeito de Aguiar da Beira: “Muitos criminosos são pessoas simpáticas”


Há 30 anos, Teresa Paiva foi uma das médicas que avaliaram o autor do massacre de Osso da Baleia, que fez sete mortos e deixou o país em choque. Agora, a neurologista fala sobre Pedro Dias, o suspeito dos crimes de Aguiar da Beira, e revela o que sentiu quando foi feita refém e teve…


A especialista em sono foi uma das médicas que avaliaram Vítor Jorge, o responsável pelo massacre do Osso da Baleia, há perto de 30 anos.

Na madrugada de 2 de março de 1987 Vítor Jorge matou sete pessoas, cinco amigos, a mulher e uma das filhas. O massacre do Osso da Baleia, a praia no concelho de Pombal onde morreram as primeiras vítimas, foi o primeiro caso de grande violência na história recente do país.

A neurologista Teresa Paiva, mais conhecida pelo estudo e tratamento de distúrbios do sono, era na altura diretora do serviço de electroencefalografia no Hospital de Santa Maria e foi uma das médicas que participaram nas perícias do que viria a ser um julgamento polémico.

As opiniões dividiram-se: seria Vítor Jorge um doente mental grave, inimputável, ou terá sido aquele um ato de violência extrema, que nada pode justificar?

Vítor Jorge foi condenado a 20 anos de prisão. Cumpriu 14 e saiu em liberdade por bom comportamento. Numa altura em que o país está mais uma vez em choque com uma história de violência com contornos difíceis de perceber, Teresa Paiva mantém a convicção: as circunstâncias não atenuam o mal.

 

Há quase 30 anos, foi uma das médicas a avaliar Vítor Jorge. Que memórias tem desses dias em que o país, como agora, estava em choque com um massacre sem precedentes?

Foi o primeiro grande crime deste género no país, uma coisa brutal. O país parou, nunca se tinha visto nada assim. Vi-o no hospital a pedido dos psiquiatras que o estavam a acompanhar para ver se tinha alguma alteração. Fiz-lhe uma punção lombar e o exame neurológico. Foi um contacto breve mas tenho memórias muito negativas daquele dia.

Porquê?

Pela insegurança que senti. Uns tempos antes tinha visto no hospital uns indivíduos das FP25, estava a decorrer o julgamento, e nessa ocasião houve uma segurança tremenda no hospital. Trabalhava no piso 7 e havia polícias de metralhadora desde o rés-do-chão até lá acima e mais uns quantos no laboratório. Tive de mandar toda a gente embora e fiquei só eu e o homem. E repare: eu nem vi o homem, só analisei os exames. Quando foi do caso do Vítor Jorge tinha um polícia à porta do serviço que ia dormitando e mais nada. O psiquiatra que estava a acompanhá-lo tratava-o com uma imensa delicadeza, e aproveitava os intervalos para umas meditações na cama. Quando fazemos este tipo de exames ficamos muito perto da pessoa e senti-me insegura fisicamente. Fez-me impressão a diferença de tratamento perante a barbaridade que tinha acontecido.

Não encontrou nada?

Não posso falar disso mas fiz o relatório que foi apresentado ao tribunal e o julgamento teve o desfecho que conhecemos.

Não é suposto um médico conseguir distanciar-se quando analisa um doente?

Com certeza, mas nunca nos distanciamos totalmente. Temos de os tratar todos da mesma forma e tratei-o perfeitamente bem. Não fui malcriada nem inconveniente, mas outra coisa é sabermos o que fizeram e termos a nossa opinião.

A propósito deste crime em Aguiar da Beira, tem pensado no Vítor Jorge?

Não tinha pensado nisso ainda, vocês é que me vieram fazer lembrar. Naturalmente que tem havido casos nestes últimos anos que nos levam para a mesma questão que foi muito discutida com o Vítor Jorge, que é saber se as pessoas que cometem estes atos de grande violência serão doentes psiquiátricos, pouco responsabilizáveis ou mesmo inimputáveis, ou se pelo contrário estão conscientes do que fazem. Até em crimes de grande dimensão. Quando aquele indivíduo de extrema direita matou 70 pessoas na Noruega, apareceram logo psiquiatras a dizer que ele tinha uma doença psiquiátrica grave e era inimputável.

No caso do Osso da Baleia houve um grande debate, com médicos conceituados a insistir na inimputabilidade.

Julgavam que tinha morto por amor.

Estaria apaixonado por uma das raparigas no grupo que estava na praia, que lhe teria dado falsas esperanças. Não aceitou a tese?

Já agora… Eu acho que não se mata por amor. Quando se mata não se ama.

Mas falamos muitas vezes de crimes passionais.

Mas os crimes passionais podem não ser por amor, são emoções erradas que não são exatamente amor. Matar uma pessoa é de uma violência extrema.

É uma desculpa falar de motivos?

Podem não ser desculpas, podem ser as circunstâncias, mas não são justificação e não atenuam a violência. A questão que se pode colocar é se existia uma doença psiquiátrica ou não e a meu ver tem havido muita tendência de psiquiatrizar o mal, de fazer do mal uma doença psiquiátrica, o que me parece errado.

Mas a fronteira é clara?

É um problema muito complicado quer do ponto de vista filosófico, quer do ponto de vista das neurociências e até social. Não é algo que possamos responder sim ou não. Mas o que vemos é que parece haver sempre uma tentativa da defesa de usar esse argumento. Quando houve aquele crime em Nova Iorque…

Quando o modelo Renato Seabra assassinou Carlos Castro?

Sim. Também se disse que o Renato tinha um quadro psiquiátrico e depois foi condenado. É difícil estabelecer se no momento do crime havia ou não um estado psiquiátrico que retire toda a responsabilidade à pessoa. Isso pode acontecer, mas só em casos muito específicos, numa esquizofrenia talvez.

Isso foi alegado no caso de Vítor Jorge, ele atribuía os atos a outro dentro dele.

Sim, foi. O problema que se põe é saber se, efetivamente, aquilo é uma coisa do cérebro mas, mesmo havendo algo no cérebro, se a pessoa pode ter ou não responsabilidade moral. Sabemos que há regiões do cérebro que funcionam em situações violentas e as pessoas criminosas podem ter alterações, agora isso não as torna necessariamente inimputáveis. Se não, repare: com o crescendo de entidades psiquiátricas nunca ninguém seria julgado. No último Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DMS-5), há uma série de perturbações psiquiátricas que podem ser associadas ao crime: perturbação de conduta, personalidade antissocial, distúrbio de cleptomania, o distúrbio explosivo intermitente, perturbação voyeurista, sadismo sexual e pedofilia. Reconhece-se que isto são alterações psiquiátricas mas isso não significa que as pessoas não sejam capazes de decidir.

E vai-se por vezes demasiado longe?

Sim, mas também porque algumas alterações psiquiátricas e crimes têm factores de risco semelhantes, como o abuso sexual na infância, baixas condições socioeconómicas, ter tido traumas na infância ou ter presenciado agressões graves. De uma forma ou de outra, temos de encarar os factores de risco de uma forma não determinista. Mas não só nesta área da violência. Quando ouvimos dizer que um doente tem uma depressão porque a mãe o abandonou, quantas pessoas foram abandonadas pela mãe e fazem a sua vida? A Oprah Winfrey é um exemplo conhecido, nasce de uma relação fortuita, violada em criança, teve problemas mas conseguiu de alguma forma superá-los.

Na sua opinião por que há esse movimento de excessiva psiquiatrização?

Se metade da população tiver um distúrbio psiquiátrico, há aqui um enorme campo de intervenção.

Os seus amigos psiquiatras não devem achar graça essa sua visão.

Nem toda a gente pensará assim. A nomenclatura psiquiátrica é uma área ainda em grande estudo e a psiquiatria é uma ciência muito difícil, em que continua a não ser muito fácil de medir. Mesmo na neurologia, quando estudamos dores de cabeça ou insónias, se não conseguimos fazer uma medição objetiva de alguma coisa como fazemos na diabetes, do colesterol na tensão e temos de entrar com fatores de vida, do passado e do presente, é mais complicado dar uma resposta.

Sempre foi claro para si que o seu caminho era pela vertente da neurologia e não da psiquiatria?

Sim. Fiz o estágio no Júlio de Matos e sempre me faz um bocado confusão a forma como os doentes eram tratados.

Que imagens a marcaram?

Enfermarias fechadas, tudo com ar de prisão. Os doentes a pedir esmola na Avenida do Brasil. A dificuldade em tratar as pessoas e as estratégias que eram usadas impressionavam-me. Claro que o cenário dos hospitais psiquiátricos onde os doentes ficavam anos institucionalizados era muito pesado mas hoje esta ideia de os tirar dos hospitais e não terem bem para onde ir não é muito melhor, tem um impacto tremendo nas famílias.

Chegam-lhe relatos ao consultório?

Também. Uns vão andando de um lado para outro consoante as famílias conseguem apoiá-los, outros andam por aí ou vão parar à cadeia. Mas para mim o estágio foi um momento de decisão porque percebi que precisava da medida. Com certeza que há coisas transcendentes, o amor não se mede, a amizade não se mede, mas em medicina para temos de ser minimamente objetivos e para mim a psiquiatria não era suficientemente objetiva.

Mas o cérebro não implica sempre alguma incerteza?

Sim, mas enveredei por algo mais mensurável. O sono mede-se. O cérebro de uma pessoa com insónia é diferente de uma pessoa sem insónia, o mesmo na dor crónica, mas existem outros indicadores que nos permitem procurar uma resposta. Mas voltando à questão da psiquiatrização do mal. Temos de nos lembrar que houve grandes alterações das conceções filosóficas no último século, um abandono dos critérios religiosos que veio quebrar o maniqueísmo que existia entre bem e mal. Tentou-se acabar com isso, e com grandes avanços sociais – basta lembrar que depois da II Guerra os homossexuais ainda iam para a cadeia em Inglaterra. Agora tudo isso levou a uma certa relegação para segundo plano da importância da moralidade na condução das nossas vidas.

Com riscos?

Tem-se entrado num extremo em que o risco é não punir, o que pode ter um impacto devastador nas vítimas. Se aceitarmos que um tipo mata a mulher porque teve um distúrbio explosivo intermitente, então desgraçadas das mulheres vítimas de violência, nunca tinham justiça. Idem para a pedofilia. São crimes com consequências terríveis ao longo da vida e que têm de ser punidos. Este Pedro Dias, pelo que tem sido dito, tem um historial de violência.

Num julgamento por violência doméstica terá sido diagnosticado um distúrbio de sociopatia.

E depois ouvimos dizer que recentemente um juiz lhe terá dado a guarda de uma filha de 14 anos. Como é que é possível? As pessoas não podem ser desculpabilizadas desta forma.

Não é estranho que as pessoas digam bem de Pedro Dias, não acreditem que tenha sido ele?

Estranho não é, muitos criminosos são simpáticos.

Com o Vítor Jorge foi a mesma coisa.

Mas o Vítor Jorge não tinha, que se saiba, antecedentes de violência.

Fala de fatores de risco e de escolhas. Mas o sistema de saúde e mesmo a justiça não deviam ser mais proativos?

Com certeza e devia haver mais hipóteses de institucionalização e acompanhamento. Por outro lado as cadeias estão a abarrotar de pessoas e não estão a ser redentoras. Se calhar temos de repensar tudo. Temos de arranjar um sistema prisional que leve as pessoas a melhorar os seus comportamentos no futuro. Mas penso que, em termos mundiais, tem de haver uma reflexão séria se não qualquer dia tudo é uma doença. E sobretudo uma maior atenção às vítimas, que também precisam de apoio e tornam-se pessoas mais vulneráveis. Parece que nunca se analisa a perspetiva da vítima, quando ser vítima é uma coisa terrível. Andar-se anos à espera de justiça, um sofrer e reviver constante do que se passou e ver que a pessoa que lhe fez tanto mal não sofre consequências é uma coisa horrível.

Em 2008, esteve refém no assalto a uma dependência do BES em Lisboa. A perceção do que é ser vítima vem-lhe daí?

Tenho tido vários episódios desagradáveis mas esse foi sem dúvida o mais traumatizante. E é muito curioso: a reação a uma situação de stress agudo, parece ser algo muito semelhante em todas as pessoas. Uns tempos depois falei com uma amiga que também trabalha em sono nos Estados Unidos e que um dia teve uma faca apontada ao pescoço. A reação dela no momento e depois foi exatamente igual à minha, isto com todas as diferenças culturais, de experiências de vida.

Que reações teve?

Primeiro reage-se como se nada fosse, parecia que estava tudo bem, e depois uma pessoa vai abaixo de uma forma impressionante, fica sem forças.

Teve uma arma apontada à cabeça. O que se sente num momento desses?

Pode haver várias soluções. A minha foi pensar que nada daquilo estava a acontecer, tentar afastar-me do problema.

Mas viu o filme da sua vida? Chorou?

Não, nada disso. E não chorei. É uma reação muito primária, tentar pensar que é uma arma de brincadeira. Em situações de stress agudo isto parece ser muito comum. Quando houve aquele acidente no aeroporto de Madrid, uma das crianças que sobreviveu só perguntava quando acabava o filme, para mudarem de canal. As pessoas tendem a viver a tragédia de uma forma irreal, é uma forma de sobrevivência. Não acontece com toda a gente mas aconteceu comigo, embora ao mesmo tempo tenha tido algumas reações mais lógicas, como olhar bem para os assaltantes para os poder identificar. Fiz tudo isso objetivamente mas ao mesmo tempo afastei-me da gravidade do problema.

Chegaram a ameaçá-la?

Sim, insultaram-me.

Neste caso de Aguiar da Beira, Pedro Dias terá ameaçado um dos casais a quem roubou um carro dizendo em voz alta “mato ou não mato” e a mulher amordaçada com uma batata na boca terá conseguido ir mordendo aos poucos para respirar melhor. Como é que numa situação destas se consegue ter este sangue frio?

São as nossas estratégias de sobrevivência. Eu, no meio daquele distanciamento todo, também me lembro de dizer a mim própria ‘tens de fazer o que eles querem’. Se não tinha tido mais chatices, se calhar davam-me um tiro. O cérebro em situações de stress funciona de forma estranha, o das vítimas e o dos agressores. Com o desenrolar da situação no BES, o mais natural era que se tivessem entregue. Mas eram rapazes novos, com aquele dinheiro todo à volta, tinham aquela ideia onírica que iam conseguir safar-se.

O homem que foi morto pela polícia foi o que a agarrou inicialmente. Quando soube do desfecho da operação não sentiu pena, uma certa compaixão pelo agressor?

Não, não tive. Mas também não fiquei com nenhum desejo negativo. O que me ofendeu mais foi o que ficou vivo e esse até foi salvo pelo meu genro.

Como?

É o médico em São José e estava de serviço. E eu fiquei contente com isso, não lhe pus nenhum processo. Agora isso não significa que não tenha achado legítima a intervenção dos snipers. Entre morrer um tipo que foi assaltar o banco ou os reféns, parece-me que a opção era evidente.

Depois do assalto defendeu maior apoio psicológico as vitimas. Continua a ser um apelo?

Sim, as vítimas são muito maltratadas em Portugal, pela morosidade da justiça mas por diferentes aspetos, pela falta de acompanhamento. Eu senti-me muito maltratada mas tenho recursos à minha disposição e tratei-me.

Precisou de ir a um psicólogo ou psiquiatra?

Não, fiz essa transição sozinha. O importante é assegurar que o stress agudo não passa a stress crónico, que não ficam sequelas. E essa aparição em público fez parte do processo. Temos de conseguir retirar algo positivo da experiência. Naquela altura havia muitos assaltos a bancos, todas as semanas, o que era verdadeiramente imoral, uma pouca vergonha mesmo. A empresa era assaltada, o seguro pagava e os funcionários tinham ordem de dar o dinheiro e ficar caladinhos.

Falar sobre o que passou é um primeiro passo?

Sim. Uma pessoa que passa pela situação de ter uma arma apontada à cabeça não pode ficar caladinha, tem de falar sobre isso. O assalto foi numa sexta-feira e eu falei aos jornalistas na terça ou na quarta. Já tinham passado uns dias mas eu, que não sou exatamente uma pessoa frágil, lembro-me que me sentia cansada, suava, tive de parar a meio. Mas ajudou outras pessoas. Recebi muitas mensagens de pessoas que tinham passado por aquilo e nunca tinham falado com ninguém. E teve outro impacto positivo, a segurança no BES, que na altura era pior do que a que eu tinha no consultório, mudou. Diziam que não podiam fazer nada mas alguma coisa fizeram porque os assaltos aos bancos acabaram.

Da sua experiência, quando tenta perceber a história dos doentes, quais são as vítimas mais silenciosas?

Talvez as vítimas de violência sexual. São muitas silenciosas, têm muita dificuldade em dizer aquilo por que passaram. Continua a haver um enorme estigma.

Sentem que podem ter sido culpadas?

Sim, mas também pensar que já não é “pura”, que foi algo feio. Já tive casos de mulheres que vivem a vida inteira e nunca chegam a contar aquilo aos maridos.

E vêm daí as dificuldades no sono, no casamento, na vida sexual?

Por isso é que temos de fazer a história clínica. Mas não tenho tido apenas casos de mulheres. Tive aqui uma vez um homem que pela primeira vez aos 80 anos contou a alguém que tinha sido vítima de abusos em criança e chorava. Nunca o esqueço. Guardou aquilo a vida toda, nunca fez vida com ninguém. Com certeza que os crimes de sangue são muito traumatizantes, mas estes podem ficar escondidos.

Ter passado pelo papel de vítima fez de si uma médica diferente?

Acho que sim e foi essencial. Quando nos acontece alguma coisa má o grande segredo é conseguir transformar isso numa coisa boa. Se o conseguirmos fazer ficamos muito mais resolvidos. Foi isso que eu fiz, aproveitei a experiência. Podemos seguir a lógica que se vê muito nas novelas da vingança, da mentira, do matar, ficar com as coisas a fazerem-nos mal, a remoerem-nos ou então optar por algo bom. O ódio é reverberante.

Consegue identificar o momento da sua vida em que teve essa perceção?

Tive uma situação no início da idade adulta em que percebi claramente que tem de haver uma alternativa boa para sair de qualquer situação. E isto é importante para ensinar os doentes, sejam vítimas ou agressores. Quando se estuda o bullying, por exemplo, percebe-se que os agressores acabam por ter maior risco de agressão, suicídio, uso de drogas do que as vítimas. Quando o mal se vira para dentro de nós, e podemos imaginar isso neste homem de Aguiar da Beira, o efeito é destruidor.

Nestas transmissões televisivas durante esta caça ao homem há quem use a expressão ‘o homem vira bicho’.

Os bichos não matam por nada, matam para sobreviver, para comer.

É a ideia de que só alguém num estado de irracionalidade pode fazer aquilo.

Desculpe, os bichos não são irracionais, prezam altamente a sua sobrevivência. Podem não ser tão sofisticados como nós. O homem pode virar demónio, diabo, mas não insultemos os animais. E se for assim, se tudo o que é mau for irracional, psiquiatrizável, por que se há-de excluir o terrorismo? Ou as pessoas que participaram nos extermínios nos campos nazis?

Estes casos sucessivos são motivo para dormirmos pior?

Certamente. Falámos de Aguiar da Beira mas esta situação no hipermercado no Barreiro ainda foi mais perigosa.

Um dos assaltantes foi morto e questiona-se sempre se a resposta da polícia é proporcional.

Sim, é uma questão que não está nada resolvida. Não sou apologista da violência, mas havendo uma ameaça é preciso responder. É como o caso do polícia que matou o miúdo cigano.

O Hugo Ernano.

O cigano leva o filho numa carrinha para roubar, a criança morre e o polícia é que tem de pagar uma indemnização à família. Para mim é uma história macabra.

Andamos mesmo a dormir pior?

Sim, há mais queixas. Vejo pelo consultório, tenho 15 a 20 marcações.

Vê alguma explicação?

Estamos numa sociedade em que todos os paradigmas estão a mudar demasiado rápido e isso exige uma enorme adaptação das pessoas. Nos últimos dias escrevi no meu site iSleep sobre as escravaturas sorridentes, que é um desses novos paradigmas e ao mesmo tempo também uma forma de violência.

Sorridentes porquê?

Porque as pessoas querem ter um salário que lhes permita ter uma vida relativamente boa e depois no dia-a-dia são tratadas como objetos de usar e deitar fora. Antes trabalhava-se de sol a sol e toda a gente achou bem que isso tenha acabado. Mas agora trabalha-se muito mais do que sol a sol. Há pessoas que passam o dia a receber notificações no computador a dizer que o prazo para esta ou aquele tarefa acabou. Há telefonemas do trabalho a qualquer hora. Há pessoas em caixas de supermercado horas a fio sem poder comer ou fazer xixi. Não é normal.

Depois chegam a casa e não desligam?

Sim, não dormem ou têm muitas dificuldades. Temos de pensar na sociedade que estamos a construir e mudar alguma coisa. Uma pessoa com um curso superior ou mais e ganhar menos que a minha empregada de limpeza, não é uma violência? Eu falo à vontade, pago aos meus funcionários de forma digna, por isso é que não sou rica.

Que erros nos afetam mais o sono?

Isso era conversa para outra hora.

Só umas dicas então.

Ficar a ver televisão até às tantas está fora de questão, não nos devemos deitar depois da uma da manhã. Não nos devemos levantar antes das 6h, não se deve fazer exercício depois das 20h e nem demasiado cedo. É importante horários regulares, comer a horas certas, descansar no fim de semana, não estar com o computador e coisas muito iluminadas na cama. Estes telemóveis têm uma luz azul que é a luz do nascer do sol, não nos vão deixar dormir.