Angústia para o jantar


Os Conselhos Europeus estão a transformar-se em jantares de família onde se ouvem os parentes problemáticos enquanto se contam os minutos que faltam para o fim.


O Conselho Europeu de hoje teve ontem o seu jantar, com um menu indigesto: Rússia, Síria e, numa formulação eufemística, uma intervenção de Theresa May dedicada ao “current state of affairs in the country”. O eufemismo não há de ter aumentado o apetite do primeiro-ministro holandês, empatado nas sondagens com o Partido para a Liberdade de Geert Wilders, cuja plataforma propõe agora não um referendo sobre a permanência na União Europeia, mas vários, à razão de quatro por ano, dirigidos às competências delegadas na UE, aplicando a metodologia da chantagem britânica (nem os Brexiters acreditaram no sucesso da campanha…) e dando-lhe um twist digno da vocação comercial holandesa: se um referendo é bom para os britânicos, quatro referendos por ano serão muito melhores para os holandeses. Estes parecem discordar. A última sondagem aponta para uma diminuição do número dos que querem abandonar a UE, que são agora apenas 40% dos eleitores.

Os referendos são uma doença contagiosa e, por Itália, Renzi decidiu imolar a sua revisão constitucional no altar do descontentamento popular. Marcado para 4 de dezembro, as sondagens apontam para a vitória do não que, a acontecer, se traduzirá na demissão de Renzi. De caminho, a revisão constitucional tem vindo a ficar curta nas mangas, com uma proposta de sistema eleitoral que passa do prémio de maioria para a “taluda” de deputados ofertada ao partido mais votado, sem respeito pelo princípio da proporcionalidade na transformação dos votos em mandatos.

A leste também houve referendos e Viktor Orbán ganhou, com resultados dignos dos bons velhos tempos (98,36%), o seu. Pouco importa que o referendo não tenha tido o número mínimo de votantes para que o seu resultado fosse vinculativo. Em nome da democracia, as revisões constitucionais também podem ser retroativas. E a pergunta à qual os húngaros responderam ficará como exemplo da importância de só fazermos perguntas para as quais conheçamos antecipadamente a resposta: “Quer que a União Europeia possa determinar a colocação na Hungria de cidadãos não húngaros mesmo sem aprovação de tal colocação por parte da Assembleia Nacional?”

Tsipras surgiu mais composto, depois de ser reeleito esta semana líder do Syriza, sem oposição interna e com 93,4% dos votos expressos. Mais um líder europeu que aprecia a democracia com esteroides.

Mariano Rajoy também jantou com pouco apetite, já que o PSOE só no domingo decide (sem ser, para já, por referendo) se irá abster-se e permitir a tomada de posse de um novo governo do PP.

Hollande, um pouco hardcore, como nos tem habituado nos tempos mais recentes, ameaçou os adeptos do Hardbrexit com uma negociação dura. Imagino que a ameaça resulte da possibilidade, verdadeiramente deliciosa, de um presidente francês em fim de primeiro mandato correr o risco de ter de se sujeitar a umas primárias à esquerda para escolha do candidato às eleições de março de 2017…

Consta que a sra. Merkel fez dieta.
A avaliar pelos resultados nas eleições nos diversos Länder e nas sondagens para eleições para o Bundestag em outubro do próximo ano, o eleitorado alemão mostra uma significativa perda de apetite pelo voto na CDU.

O presidente do Conselho Europeu, sempre atento às necessidades dos convivas e da UE, propôs uma alteração dos métodos de trabalho, desde logo o começar mais cedo o dito Conselho.

Ainda acabamos a fazer a crónica do pequeno-almoço já no Conselho de dezembro. E sem referendo.

 

Escreve à sexta-feira


Angústia para o jantar


Os Conselhos Europeus estão a transformar-se em jantares de família onde se ouvem os parentes problemáticos enquanto se contam os minutos que faltam para o fim.


O Conselho Europeu de hoje teve ontem o seu jantar, com um menu indigesto: Rússia, Síria e, numa formulação eufemística, uma intervenção de Theresa May dedicada ao “current state of affairs in the country”. O eufemismo não há de ter aumentado o apetite do primeiro-ministro holandês, empatado nas sondagens com o Partido para a Liberdade de Geert Wilders, cuja plataforma propõe agora não um referendo sobre a permanência na União Europeia, mas vários, à razão de quatro por ano, dirigidos às competências delegadas na UE, aplicando a metodologia da chantagem britânica (nem os Brexiters acreditaram no sucesso da campanha…) e dando-lhe um twist digno da vocação comercial holandesa: se um referendo é bom para os britânicos, quatro referendos por ano serão muito melhores para os holandeses. Estes parecem discordar. A última sondagem aponta para uma diminuição do número dos que querem abandonar a UE, que são agora apenas 40% dos eleitores.

Os referendos são uma doença contagiosa e, por Itália, Renzi decidiu imolar a sua revisão constitucional no altar do descontentamento popular. Marcado para 4 de dezembro, as sondagens apontam para a vitória do não que, a acontecer, se traduzirá na demissão de Renzi. De caminho, a revisão constitucional tem vindo a ficar curta nas mangas, com uma proposta de sistema eleitoral que passa do prémio de maioria para a “taluda” de deputados ofertada ao partido mais votado, sem respeito pelo princípio da proporcionalidade na transformação dos votos em mandatos.

A leste também houve referendos e Viktor Orbán ganhou, com resultados dignos dos bons velhos tempos (98,36%), o seu. Pouco importa que o referendo não tenha tido o número mínimo de votantes para que o seu resultado fosse vinculativo. Em nome da democracia, as revisões constitucionais também podem ser retroativas. E a pergunta à qual os húngaros responderam ficará como exemplo da importância de só fazermos perguntas para as quais conheçamos antecipadamente a resposta: “Quer que a União Europeia possa determinar a colocação na Hungria de cidadãos não húngaros mesmo sem aprovação de tal colocação por parte da Assembleia Nacional?”

Tsipras surgiu mais composto, depois de ser reeleito esta semana líder do Syriza, sem oposição interna e com 93,4% dos votos expressos. Mais um líder europeu que aprecia a democracia com esteroides.

Mariano Rajoy também jantou com pouco apetite, já que o PSOE só no domingo decide (sem ser, para já, por referendo) se irá abster-se e permitir a tomada de posse de um novo governo do PP.

Hollande, um pouco hardcore, como nos tem habituado nos tempos mais recentes, ameaçou os adeptos do Hardbrexit com uma negociação dura. Imagino que a ameaça resulte da possibilidade, verdadeiramente deliciosa, de um presidente francês em fim de primeiro mandato correr o risco de ter de se sujeitar a umas primárias à esquerda para escolha do candidato às eleições de março de 2017…

Consta que a sra. Merkel fez dieta.
A avaliar pelos resultados nas eleições nos diversos Länder e nas sondagens para eleições para o Bundestag em outubro do próximo ano, o eleitorado alemão mostra uma significativa perda de apetite pelo voto na CDU.

O presidente do Conselho Europeu, sempre atento às necessidades dos convivas e da UE, propôs uma alteração dos métodos de trabalho, desde logo o começar mais cedo o dito Conselho.

Ainda acabamos a fazer a crónica do pequeno-almoço já no Conselho de dezembro. E sem referendo.

 

Escreve à sexta-feira