A classe média ainda vota?


A direita que cumpriu tão roboticamente com a austeridade vem agora acusar o governo de “aumento de impostos” e “ataque à classe média”. Percebo os ataques de riso.


Imaginemos. O PSD e o PS sentam-se, cada um à sua mesa, e perguntam-se: os nossos líderes da geração passada chegaram, respetivamente, a Presidente da República e a secretário-geral das Nações Unidas; os nossos líderes de hoje chegarão aí?

Antes de todos à mesa perceberem que era hora de aplaudir, ficaria um silêncio estranho na sala. Ninguém imagina António Costa à frente da ONU e poucos imaginam Pedro Passos Coelho de volta a São Bento, quanto mais em Belém. Esse reduzir de pedigree político, juntando a tendência da União Europeia para massacrar partidos moderados com exigências eleitoralmente suicidas, implodiu o arco de governação e fez disparar a abstenção.

Em 2015, depois de um programa de assistência em austeridade, a abstenção foi a mais alta de sempre. A vitória do PSD beneficiou disso e, essencialmente, de outro ponto: o receio de uma governação PS depois da quase bancarrota de José Sócrates e da campanha quase populista de António Costa. Essa desconfiança fez um mandato tão difícil quanto o de Passos Coelho ganhar uma reeleição que Costa, mesmo assim, invalidou via geringonça.

A outra questão que à direita importa responder é: como volta o PSD ao poder?

Porque se (1) “não há segundo resgate”, e Passos Coelho sabe bem que a Zona Euro desenvolveu desde 2011 mecanismos de defesa que antes não existiam, e se (2) o governo minoritário de Costa continua com índices de aprovação e popularidade crescentes, não há maneira de o PSD voltar a governar tão cedo. É simples. Sem o país ir ao chão e sem ganhar eleições, Passos não sairá da miragem de oposição que tem sido feita. É esse o impasse da direita contemporânea.

O resultado é que, dos 700 mil votos perdidos de 2011 para 2015, a direita, segundo as sondagens, poderá ter perdido até um milhão de eleitores desde o ano passado. Alguns votarão em branco, outros contribuirão para mais um aumento da abstenção e outros votarão no Partido Socialista. Dessas centenas de milhares sobram, com certeza, cidadãos que querem votar, e não à esquerda. Gente que acredite que há direita além da troika porque, evidentemente, 700 mil votos são muitos votos e representam uma oportunidade eleitoral que ninguém parece interessado em colher. Poderia ser um resumo da história nacional: há a janela, mas não há o homem; há o potencial, mas não há o político.

A impopularidade do PSD e a popularidade do PS que conjugam esta situação são compreensíveis a partir do irónico momento em que a direita, que cumpriu tão roboticamente as políticas de austeridade, veio agora acusar o governo de “aumentos de impostos” e “ataque à classe média”. Irónico momento porque, quando a troika exigiu o mesmo, não piaram.

O facto de não terem piado – e em oposição assim prosseguirem – não é apenas grave enquanto capital político do PSD. É grave porque deixa Portugal parado na visão a curto prazo do Partido Socialista, que não tem outra hipótese perante a sua encruzilhada entre Bruxelas e Bloco de Esquerda.

A austeridade só acabará com reforma europeia e não é possível fazê-la com partidos de extrema-esquerda, de extrema–direita ou com partidos que não ganhem eleições. Hoje não temos um partido português capaz dessa reforma. A consequência dessa falta é que os comissários alemães continuarão a vir ao nosso parlamento com ameaças de resgate e a cair no ridículo de culparem Portugal pelo Brexit. A consequência dessa falta é a França não cumprir com o défice e não acontecer nada, mas Portugal ser ameaçado de sanções. E a consequência dessa falta é sermos hoje mais governados por alguém que teve 11% dos votos — o Bloco — do que pelo partido com maior representação na Assembleia, o PSD.


A classe média ainda vota?


A direita que cumpriu tão roboticamente com a austeridade vem agora acusar o governo de “aumento de impostos” e “ataque à classe média”. Percebo os ataques de riso.


Imaginemos. O PSD e o PS sentam-se, cada um à sua mesa, e perguntam-se: os nossos líderes da geração passada chegaram, respetivamente, a Presidente da República e a secretário-geral das Nações Unidas; os nossos líderes de hoje chegarão aí?

Antes de todos à mesa perceberem que era hora de aplaudir, ficaria um silêncio estranho na sala. Ninguém imagina António Costa à frente da ONU e poucos imaginam Pedro Passos Coelho de volta a São Bento, quanto mais em Belém. Esse reduzir de pedigree político, juntando a tendência da União Europeia para massacrar partidos moderados com exigências eleitoralmente suicidas, implodiu o arco de governação e fez disparar a abstenção.

Em 2015, depois de um programa de assistência em austeridade, a abstenção foi a mais alta de sempre. A vitória do PSD beneficiou disso e, essencialmente, de outro ponto: o receio de uma governação PS depois da quase bancarrota de José Sócrates e da campanha quase populista de António Costa. Essa desconfiança fez um mandato tão difícil quanto o de Passos Coelho ganhar uma reeleição que Costa, mesmo assim, invalidou via geringonça.

A outra questão que à direita importa responder é: como volta o PSD ao poder?

Porque se (1) “não há segundo resgate”, e Passos Coelho sabe bem que a Zona Euro desenvolveu desde 2011 mecanismos de defesa que antes não existiam, e se (2) o governo minoritário de Costa continua com índices de aprovação e popularidade crescentes, não há maneira de o PSD voltar a governar tão cedo. É simples. Sem o país ir ao chão e sem ganhar eleições, Passos não sairá da miragem de oposição que tem sido feita. É esse o impasse da direita contemporânea.

O resultado é que, dos 700 mil votos perdidos de 2011 para 2015, a direita, segundo as sondagens, poderá ter perdido até um milhão de eleitores desde o ano passado. Alguns votarão em branco, outros contribuirão para mais um aumento da abstenção e outros votarão no Partido Socialista. Dessas centenas de milhares sobram, com certeza, cidadãos que querem votar, e não à esquerda. Gente que acredite que há direita além da troika porque, evidentemente, 700 mil votos são muitos votos e representam uma oportunidade eleitoral que ninguém parece interessado em colher. Poderia ser um resumo da história nacional: há a janela, mas não há o homem; há o potencial, mas não há o político.

A impopularidade do PSD e a popularidade do PS que conjugam esta situação são compreensíveis a partir do irónico momento em que a direita, que cumpriu tão roboticamente as políticas de austeridade, veio agora acusar o governo de “aumentos de impostos” e “ataque à classe média”. Irónico momento porque, quando a troika exigiu o mesmo, não piaram.

O facto de não terem piado – e em oposição assim prosseguirem – não é apenas grave enquanto capital político do PSD. É grave porque deixa Portugal parado na visão a curto prazo do Partido Socialista, que não tem outra hipótese perante a sua encruzilhada entre Bruxelas e Bloco de Esquerda.

A austeridade só acabará com reforma europeia e não é possível fazê-la com partidos de extrema-esquerda, de extrema–direita ou com partidos que não ganhem eleições. Hoje não temos um partido português capaz dessa reforma. A consequência dessa falta é que os comissários alemães continuarão a vir ao nosso parlamento com ameaças de resgate e a cair no ridículo de culparem Portugal pelo Brexit. A consequência dessa falta é a França não cumprir com o défice e não acontecer nada, mas Portugal ser ameaçado de sanções. E a consequência dessa falta é sermos hoje mais governados por alguém que teve 11% dos votos — o Bloco — do que pelo partido com maior representação na Assembleia, o PSD.