A conversão do PCP e do Bloco de Esquerda a Ortega y Gasset, até às circunstâncias de se resignarem agora com uma solução orçamental que, nas intenções, procura corresponder ao essencial dos compromissos internacionais de Portugal, nomeadamente do Tratado Orçamental, é um avanço político e civilizacional. Nas circunstâncias da partilha do poder e do apoio à solução governativa fica claro que tudo o que não consta da proposta de Orçamento do Estado para 2017 não foi suficiente para justificar qualquer posição diferente do voto favorável. É a segunda vez que acontece em quadro décadas de democracia e consolida a falta de sustentação política para que depois, no plano local, venham defender tudo e mais alguma coisa como se não tivessem consciência dos números, das disponibilidades e das realidades. Tiveram a mão na massa, podiam ter feito diferente, optaram por não o fazer.
A verdade é que, tirando a deriva de fustigar o capital (já nem é o grande capital) numa sociedade em que a ambição parece ser a de nivelar por baixo, penalizar quem quer investir e quem procura ser proativo no desenvolvimento de projetos empresariais, além das startups, as soluções governativas que promoveram a resignação das esquerdas não são muito diferentes de opções políticas de anteriores governos do PS em matéria de rendimentos ou de proteção social. Aliás, é curioso que numa sociedade em que se procura nivelar por baixo se apresente como critério para a nivelação do vencimento dos novos gestores da Caixa Geral de Depósitos a mediana do que é pago aos gestores bancários.
No universo da geometria variável, a direita expressa-se de outra forma. Depois de quatro anos de concretização de uma estratégia de empobrecimento com resultados frágeis ou martelados, como o da “saída limpa” do programa de ajustamento com o lixo bancário todo debaixo do tapete, a direita apresenta-se no debate como se não tivesse sido nada consigo, com propostas e intenções que são o contrário do que fizeram na governação.
O drama é que olhamos para o debate político e até parece que os protagonistas acreditam no que dizem, como se os portugueses fossem burros. O grau de indigência e de falta de exigência é tal que permite que o PSD, depois de desmantelar no governo muitas das respostas estatais de proximidade, dos serviços públicos descentralizados às freguesias, agora tenha apresentado um estatuto dos territórios de baixa densidade. O mesmo se aplica a muita da argumentação utilizada para sustentar a proposta de Orçamento, com meias-verdades, fantasias e mentiras.
O Orçamento foi apresentado como sendo de recuperação dos rendimentos das famílias, de promoção do investimento e do crescimento económico sustentável, de desenvolvimento do Estado social e de aposta no conhecimento e na inovação.
Ninguém se preocupa que os resultados de 2016 sejam conseguidos à conta do adiamento de despesa, do protelar de decisões e de uma forma diferente de desinvestir nas funções do Estado que conta com a anestesia de setores dinâmicos da contestação social.
Ninguém se preocupa que um dos elementos centrais de qualquer estratégia de dinamização da economia – os fundos comunitários – continue, no essencial, com os mesmos bloqueios que sempre impediram a sua execução. Como é possível que não exista uma equipa de missão competente, pragmática e determinada para desbloquear os fundos comunitários do Portugal 2020 quando se assiste a uma situação em que as estruturas de gestão sobrepõem a sua vontade à vontade política do governo? Numa circunstância em que os recursos financeiros são parcos, com o nível de crescimento registado, o Portugal 2020 é a única fonte onde existe dinheiro disponível que não é executado em benefício das pessoas e dos territórios. Já foi um mistério a inabilidade do anterior governo em injetar dinheiro comunitário na economia, mas a incompetência continua. Em bom rigor, não fazendo sentido a hipótese, Bruxelas nem precisa de suspender os fundos porque há três anos que eles estão suspensos.
Ninguém se preocupa com a falta de sustentabilidade de opções políticas perante os níveis de crescimento gerados em 2016 pelo consumo e expectáveis em 2017 pelo investimento e pelas exportações.
Ninguém se preocupa que os sinais que são dados à sociedade sejam de continuar a privilegiar o afago da função pública, deixando sem respostas quem está fora do sistema, não gerar fiabilidade perante os investidores e prosseguir uma deriva fiscal que é um apelo permanente aos esquemas.
Tudo isto até um dia. Como diz o povo, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”. É poucochinho.
Nota final Por mérito próprio, Vasco Cordeiro e o PS/Açores renovaram a maioria absoluta nas Ilhas de Bruma, continuando a ter condições para conjugar memória com futuro, exigência na afirmação da autonomia, determinação na concretização das respostas aos desafios da insularidade e ambição no desenvolvimento da região, sem que ação do homem desvirtue a singularidade da natureza. Foram ridículos muitos dos comentários da noite eleitoral. António Costa não foi à campanha eleitoral, mas ao invés das regionais na Madeira, desta vez falou. A abstenção é preocupante, mas não é diferente da que se regista nas autárquicas, por exemplo, em câmaras ganhas pela CDU (2013–Sesimbra–62,2%). Há voos low-cost; se não conhecem os Açores, antes de comentarem na comunicação social visitem a região.
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira