O Ministério Público brasileiro acusou mais um português no âmbito da Operação Lava Jato. João Mário de Madureira Correia trabalhava para a empresa Exergia Brasil – detida pela Exergia Portugal e por Taiguara dos Santos, sobrinho de Lula da Silva – e terá assinado (enquanto representante) contratos desta sociedade com a empreiteira Odebrecht em negócios feitos em Angola. Para os procuradores brasileiros, tais contratos não passavam, porém, de uma forma de camuflar luvas que teriam como beneficiários finais Lula da Silva e o seu sobrinho. Segundo documentação do Ministério Público Federal a que o i teve acesso, João Correia foi já acusado, mas a investigação à empresa portuguesa vai continuar por existirem muitas outras suspeitas.
Operação Marquês também chegou à Exergia
O cerco à Exergia está a apertar-se dos dois lados do Atlântico. Ao que o i também apurou, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal também descobriu, no âmbito da Operação Marquês, pagamentos suspeitos feitos pelo Grupo Lena à sociedade de projetos de engenharia.
Em agosto foi inclusivamente pedido o levantamento do sigilo bancário para se apurar a origem de tais movimentações – que se acredita estarem ligadas ao desenvolvimento de obras no exterior.
O esquema da Exergia Brasil
A empresa era subcontratada pela Odebrecht – e aparentemente também o terá sido pelo Grupo Lena – para executar trabalhos no âmbito de obras que a empreiteira tinha ganho em Angola. Os investigadores brasileiros acreditam que tal subcontratação de serviços era apenas uma forma de pagar luvas a Lula da Silva, que exercera influência anteriormente para que a Odebrecht ganhasse essas empreitadas no estrangeiro.
“A acusação enfeixa Lula, Taiguara, Marcelo Odebrecht e outros personagens vinculados à Odebrecht e à Exergia Brasil na organização criminosa engendrada para favorecimento aos negócios internacionais da Odebrecht, sobretudo em Angola, e distribuição de benefícios”, refere a equipa que investiga a Lava Jato, garantindo que o esquema se processou em duas fases: uma primeira em que Lula, enquanto presidente da República, pôs em curso um esquema de financiamentos públicos [através do Banco Nacional de Desenvolvimento] para obras a realizar em países africanos e da América do Sul, e em que lucrou com pagamentos recebidos através da Exergia Brasil; e uma segunda em que, já fora do governo, “consolidou o esquema de favorecimento indevido anteriormente erigido em comum acordo com a Odebrecht”.
Lula começa a dar a cara “Nessa segunda fase, o ex-presidente – com a personalidade influente e proeminente que continuava ostentando, no cenário político interno e externo –passou a contar com a vantagem de poder “aparecer” publicamente em quaisquer ambientes (políticos ou empresariais), em atividades diversas, a princípio identificadas com responsabilidades ‘típicas’ de ex-chefes de Estado, sem que pudessem despertar suspeita quanto ao seu real objetivo”, explica a acusação, consultada pelo i.
Além dos benefícios que chegavam via Exergia Brasil, foi criada a empresa LILS (iniciais de Luiz Inácio Lula da Silva), que teria o objetivo de receber luvas, também camufladas, através de um aparente pagamento legal por palestras fora do Brasil. O MP acredita, porém, que tais palestras mais não serviam do que para exercer a sua influência a favor da Odebrecht junto de líderes estrangeiros, nomeadamente de países africanos e da América do Sul.
A chegada dos portugueses
Se um português já foi ‘apanhado’ nesta teia, outros há que ainda estão a ser investigados, asseguram as autoridades brasileiras. E para perceber o que está a ser investigado é preciso recuar um pouco: a chegada dos portugueses ao esquema de influência que visava a entrada da Odebrecht em Angola começou naquela que o MP brasileiro classifica como primeira fase do esquema montado por Lula.
“As investigações iniciadas pelo Ministério Público Federal e aprofundadas pela Polícia Federal […] deixam claro que, entre 2008 e 2010, os denunciados Marcelo Odebrecht, Lula da Silva e Taiguara dos Santos aliaram-se com uma quarta figura ainda não plenamente identificada (representante da empresa Exergia Portugal), com nítida unidade de desígnios, para praticar crimes de corrupção ativa/passiva e lavagem de dinheiro”, refere a investigação.
Assim, entre 2008 e 2009 foram “cooptados para a organização criminosa empresários e funcionários da empresa Exergia Portugal, sob a promessa de recontratações futuras, com o objetivo de que esta concedesse, de maneira praticamente gratuita, uma filial no Brasil a Taiguara, além de bancá-lo até o início das terceirizações [ou seja, subcontratações] feitas pela Odebrecht com base nos financiamentos obtidos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil” – financiamentos para os quais contara com a influência de Lula da Silva.
Exergia Brasil é uma fraude
De acordo com os trabalhos levados a cabo pela equipa de procuradores da Lava Jato, a Exergia Brasil era uma empresa “desnecessária para os negócios da Odebrecht e que só foi criada, como doação da empresa Exergia Portugal, para o fim de lavagem de vantagens, destinadas a Lula da Silva”.
Além disso, nem a filial brasileira nem a Exergia Portugal tinham competências técnicas para desenvolver muitos dos trabalhos contratualizados. E a brasileira nem sequer funcionários tinha, delegando a execução dos mesmos numa terceira entidade criada – a Exergia Angola.
Taiguara dos Santos disse numa comissão parlamentar de inquérito que foi o advogado português João Pinto Germano, administrador único da Exergia Portugal, quem lhe tinha oferecido sociedade – detalhes que o MP daquele país ainda vai ter de explorar, uma vez que está “pendente de aprofundamento a participação, nos fatos, dos representantes da Exergia Portugal, de funcionários do governo de Angola, bem como de agentes públicos brasileiros, responsáveis pela concessão de garantias e empréstimos” por parte de entidades públicas.
O que rendeu o esquema
O esquema montado terá permitido à sociedade do sobrinho de Lula receber vantagens ilegítimas de 20 milhões de reais, correspondentes a contratos celebrados com a empreiteira Odebrecht, e ainda encaixar os cerca de 700 mil reais que foram doados pela empresa-mãe portuguesa.
Lula da Silva e o português João Pinto Germano terão acompanhado o que ia sendo acordado, tendo sido já apreendidas fotografias de ambos em Angola que estavam no computador de Taiguara dos Santos. O i contactou ontem João Pinto Germano por email, mas não recebeu qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.
Exergia omitiu contas em Portugal
Como revelou em maio uma investigação do i e do jornal brasileiro “Estado de São Paulo”, a Exergia Portugal foi também apanhada pelo fisco português por não apresentar contas desde 2010. No mesmo dia em que foram feitas detenções no âmbito da investigação brasileira em São Paulo, a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa decidiu iniciar uma dissolução administrativa, com a justificação de que a Exergia Portugal já não apresentava há vários anos as suas contas anuais. A situação foi entretanto regularizada para evitar o procedimento de dissolução.