A solidão em Edward Hopper


A crítica social de Hopper é essa, ao outro lado das cidades do American Dream e, então, a solidão é o avesso de um sonho. 


Oscar Wilde terá dito que não existia o fog londrino antes de Whistler o ter pintado. Quase que podia dizer o mesmo sobre Edward Hopper (1882-1967), tivesse este pintado outro tema que não a solidão, a melancolia, algo que o comum dos mortais já sentiu. Certo, porém, é que faltaria ao mundo quem as pintasse, sobretudo na América, se Hopper não tivesse existido. 

A personalidade antissocial, o fascínio pelo teatro e pelo cinema seguramente que o qualificaram como perito na observação e como experimentador da sensação retratada. Nos seus quadros com figuras, estas leem, bebem, olham pela janela de um quarto, de um hotel. Muitas vezes é noite e, pela janela, vemos a cidade, vemos o mundo. Os rostos pintados sugerem introspeção. Foram deixados? Deixaram alguém? Não é claro, mas somos convidados a sentir empatia e a imaginar os contornos daquela história pessoal. 

A solidão que sentimos quando vimos um dos seus quadros não resulta apenas daquilo que pintou: pessoas sozinhas ou em grupos, sem comunicar e perspetivadas em posições que insinuam algum desconforto. O seu quadro mais famoso, “Automat”, representa uma mulher numa mesa com uma caneca de café. Uma banalidade do dia-a-dia da América, dirá o leitor. Sim, mas Hopper dá-lhe um tom sombrio, pesado, melancólico; veste-a com muita roupa, coloca-lhe um chapéu para a proteger (do frio, da chuva, dos outros), a cabeça cabisbaixa e o olhar fixo num objeto, isolando-a ainda mais; a mão, que pega na chávena de café, quase que treme. Aquela figura transparece uma solidão resignada, tranquilidade e desespero ao mesmo tempo. 

Mesmo quando há mais do que uma figura, há uma solidão palpável. As cenas urbanas, sobretudo de Nova Iorque, contrapõem-se ao rebuliço e agitação enaltecidos no cinema – a América imaginada – e refletem de forma ímpar a experiência de estar sozinho, o isolamento, o sentimento de exclusão, de separação. Os efeitos alienatórios da vida moderna e urbana? Ou serão retratos de uma América hedonista por onde os solitários também andam, numa luta sem rumo, à deriva, condenados e vítimas de um mundo apático de sonâmbulos, embrulhados num universo próprio, no fluxo da multidão?

A crítica social de Hopper é essa, ao outro lado das cidades do American Dream e, então, a solidão é o avesso de um sonho. Retratados e conhecidos pela sua velocidade, pela paixão pelo progresso e inovação, pela multiplicidade de sensações e de experiências, carregadas de happening, cosmopolitismo e ecletismo, onde os corpos compõem o cenário permanente da cidade, os centros urbanos trouxeram consigo esta praga da solidão que vemos nos quadros de Hopper. Será também esse o retrato da América de Baudrillard, egoísta e alienada. Apesar de falar da Califórnia, o mesmo se aplica a Nova Iorque, a Washington, a Seattle ou a Boston. Ou será esse o retrato da vida pós-moderna e, quem sabe, há um Hopper em todos nós?

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