Rapazes e raparigas sentam-se em salas separadas. É este o cenário de uma nova campanha publicitária da Durex sobre os perigos da cultura de invencibilidade entre os jovens e os preconceitos em torno do sexo que os fazem, muitas vezes, arriscar e ter relações desprotegidas. Levariam para casa uma rapariga que acabassem de conhecer na noite?, pergunta a locutora. “Claro, nem se pergunta”, dizem eles. “Não tem de ser para casa, ou tem?”, diz uma das miúdas da outra divisão. Se conhecerem alguém que vos interesse, lembram-se do preservativo? “Às vezes queres que seja uma viagem tranquila e não queres solavancos na estrada, por isso deixas-te ir”, começa uma rapariga. “Se eu disser alguma coisa agora ele vai achar que eu não sou fixe”, acrescenta outra. E o que acham que os rapazes pensam dos preservativos? “Podem ficar ofendidos se tu pedes para usarem um. Não gostam, vão evitar se puderem”, diz uma rapariga com convicção. “Há o medo de seres rejeitada.” A produção abre as janelas para as deixar ouvir o que eles têm a dizer e a reação de surpresa: afinal estavam enganadas. A opinião deles? “Acho que mostra confiança, é atraente”, responde o primeiro rapaz. “Sinto que ela também me deseja”, diz outro. “Ela sabe que tem um preservativo, mantém-se protegida e isso faz-me pensar: ok, isto é bom, ela é independente.”
O marketing é perito nos bons figurinos, mas por cá fará sentido a preocupação de tornar a pôr o sexo seguro na agenda, que nas últimas semanas, levou o PS a propor a distribuição de mais preservativos nas escolas? Para os peritos ouvidos pelo B.I., a resposta é inequívoca: a adolescência é a idade de todos os riscos e o comboio da prevenção não pode parar, até porque há alguns sinais de alerta.
A sondagem divulgada pela Durex em Setembro, que não envolveu portugueses, concluiu que quatro em cada dez jovens sexualmente ativos, entre os 16 e os 24 anos, admitiram ter tido sexo com mais do que uma pessoa sem proteção, e 61% concordaram que não costumam pensar em preservativos até ao momento em que precisam de usar um. Quase metade disseram achar que contrair o VIH/Sida não é algo que possa acontecer no seu grupo de amigos.
Em Portugal, os últimos dados nacionais não apontam para um cenário tão despreocupado mas sugerem alguns motivos de preocupação.
Arriscar na primeira vez
Os dados mais robustos sobre os comportamentos sexuais dos jovens portugueses são recolhidos a cada quatro anos, no inquérito Comportamentos de Saúde em Jovens em Idade Escolar (HBSC na sigla inglesa, um estudo internacional em que Portugal participa desde 1998). A última edição foi divulgada no ano passado, com base nas respostas de mais de 3000 alunos do 6º, 8.º e 10º ano, dadas em 2014. A equipa responsável pelo estudo na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade (FMH) de Lisboa assinala que, se por um lado parece estar a diminuir a atividade sexual dos jovens e até por isso os jovens em risco são uma minoria, o uso de preservativo entre aqueles que já iniciaram a vida sexual diminuiu nos últimos anos. Em 2010, 29% dos jovens do 10º ano diziam já ter tido relações e a percentagem baixou para 22% em 2014, o que significa, ainda assim, que aos 15 anos um quinto dos jovens já perderam a virgindade. E um em cada dez já não é virgem aos 13. Mas se, em 2010, 93,8% diziam ter usado preservativo na primeira vez, neste último inquérito a percentagem baixou para 70,5%, o que significa que mais de um terço dos jovens começa logo a arriscar na primeira vez. Os rapazes, sobretudo os mais novos, são os que correm mais riscos. Já confrontados a última relação sexual, em 2010, 82,5% diziam ter usado preservativo e mais de metade a pílula. Em 2014, apenas sete em cada dez recorreu ao preservativo e só um terço à pílula. As preocupações suscitadas pelo último estudo não ficam por aqui: há um aumento ligeiro nas relações sexuais sob o efeito de álcool e drogas – um sexto dos jovens (15,9%) que já têm vida sexual admite ter tido sexo sob o efeito de álcool ou drogas.
Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e professora na FMH, coordena o estudo que é um dos trabalhos centrais da equipa Aventura Social, que conta também com a participação de investigadores que estão no terreno: Marta Reis, também psicóloga, e Lúcia Ramiro, professora na escola do 3.º ciclo do ensino básico e secundário Poeta Al Berto, no Pinhal Novo. Apesar de sublinharem que a grande maioria dos jovens tem comportamentos saudáveis, admitem que os dados devem suscitar reflexão e há princípios que deviam estar mais enraizados entre jovens e não funcionarem por modas, o que parece acontecer ainda na contraceção. O último estudo HBSC permite ainda saber o que leva os jovens a não usar preservativo e as respostas falam por si. Quatro em cada dez, o maior grupo, diz que simplesmente não pensou nisso. De seguida, aparecem os que dizem não ter à mão. O argumento de que os preservativos são “muito caros” é a terceira justificação mais frequente e quase um quarto dos jovens reconhece que a proteção falhou porque tinham bebido demais.
Apesar de não ser a resposta mais invocada, um sexto dos jovens dizem não ter usado preservativo por acharem que as infeções sexualmente transmissíveis não os afetam ou que pensavam que não podiam engravidar ou engravidar as parceiras. É aqui que as investigadoras concordam que parece haver a tal ideia de invencibilidade e alguma desvalorização das doenças, que é preciso contrariar. “Já não conseguem imaginar o VIH/Sida ou as outras infeções como um problema ou, como muitos referem, quando eu estiver infetado já vai haver cura. Acreditam mesmo nisso”, sublinha Marta Reis. “Não conseguem pensar a médio e longo prazo e em consequências nefastas para um prazer real e imediato. Talvez seja por aqui que os técnicos, professores, pais e educadores devam ir, explicando, por exemplo, os mecanismos mentais próprios da adolescência e repensar a forma de sensibilizar os jovens para estas questões.”
Além do risco de as relações desprotegidas poderem levar a um aumento dos casos de infeções, as investigadoras não escondem a preocupação com o problema das gravidezes indesejadas, que em Portugal baixaram de forma significativa nos últimos anos, mas podem sempre aumentar. “Se não se continuar a apostar nestas áreas como preocupações de saúde pública, muito rapidamente voltaremos a ter que nos preocupar com os mesmos problemas.” O cenário tem vindo a tornar-se demasiado bom para se arriscar tudo. No ano passado, houve o menor número de partos de mães adolescentes de que há registo no país – um total de 2297 nascimentos nesta faixa etária, o que ainda assim significa que por dia deram à luz seis mães entre os 10 e os 19 anos de idade. Há apenas dez anos, em 2006, o número era mais do dobro: 5500 nascimentos, doze por dia. Nos anos 80 chegou a haver mais de 14 mil gravidezes na adolescência. Os últimos dados da Direção-Geral da Saúde mostram que o aborto entre as jovens também tem estado a diminuir. Apesar de, no ano passado, ter havido 68 interrupções da gravidez antes dos 15 anos de idade, mais nove do que no ano anterior, entre os 15 e os 19 anos houve menos 700 jovens a recorrer ao aborto. Já o balanço da epidemia do VIH/Sida é um pouco menos linear: os novos casos entre os mais jovens, não estando a diminuir, têm estado relativamente estáveis na última década. Em 2014, último ano com dados, houve 31 novos casos entre os 15 e os 18 anos e 112 entre os 20 e os 24. Há uma década, verificaram-se também 31 casos. Mas a nível nacional tem havido mais casos de infeções sexualmente transmissíveis. Este ano já foram notificados 525 casos de sífilis, mais do dobro do que se registava anualmente no início da década. Apesar dos mais jovens não serem os mais afetados, há 74 casos entre os 15 e os 24 anos.
Gravidez no topo das preocupações dos jovens
Quem trabalha com os jovens sente que o cenário é incomparavelmente melhor, mas o sexo continua a mexer muito com os jovens: querem saber cada vez mais e ficam muito ansiosos quando alguma coisa corre mal, por vezes até de forma mais obsessiva do que no passado, nota Paula Pinto, psicóloga e coordenadora do número de apoio Sexualidade em Linha (808 222 003), uma parceria entre a Associação Portuguesa para o Planeamento da Família e o Instituto Português da Juventude e do Desporto.
Por mês recebem cerca de 400 contactos, agora também por email, e a especialista exemplifica que os problemas com a toma da pílula e jovens a quererem saber se podem estar grávidas por não terem respeitado as horas de toma ou terem os comprimidos “demasiado tempo na boca” são habituais, assim como pedidos de informação sobre a pílula do dia seguinte. Paula Pinto diz não sentir uma menor preocupação com as infeções sexuais, mas a preocupação com a gravidez é muito maior e domina mais de metade dos contactos. “Por vezes, ligam em pânico mesmo antes de terem feito um teste, querem saber o que podem fazer.” Acima de tudo, a psicóloga sente que apesar de hoje a informação ser muito mais acessível, os jovens continuam a precisar de apoio para a gerir no dia-a-dia e concorda que os temas surgem muito por modas: “Dantes tínhamos mais chamadas sobre masturbação, sobre sexo tântrico e depois isso foi algo que passou. Apesar de tudo o que têm à disposição, os jovens continuam a precisar de informação consistente durante a sua formação porque mesmo que não lhes diga nada porque não estão a pensar em iniciar a vida sexual, numa fase posterior já saberão o que existe.”
À procura do normal
Eugénia Lemos, professora de Biologia com 40 anos ensino, é especialista na formação para a educação sexual e coordena as atividades de promoção da saúde Escola Secundária de Avelar Brotero, em Coimbra. No início dos anos 2000, foi pioneira na criação de um clube de educação sexual na escola onde iam meia dúzia de alunos e diz que, desde então, muito mudou. “Hoje os diretores escolares apoiam este trabalho e a lei 60/2009, que instituiu a educação sexual nas escolas e veio permitir uma maior organização.” Nos jovens nota poucas diferenças, mas sente sobretudo que são abertos ao tema e querem que os ajudem a perceber, com toda a informação e conversas entre eles, afinal o que é normal. Se é normal terem ou não terem sexo, se é normal começarem mais cedo ou mais tarde, terem mais ou menos parceiros. “Há uma grande preocupação dos jovens com a normalidade, não querem ser diferentes.” O que faz com que outro tema recorrente sejam a orientação sexual. “Perguntam quais são as causas, o que não conseguimos responder porque cada grupo de trabalho tem sugerido a sua resposta. Tentamos sobretudo que respeitem a intimidade de cada um”. Eugénia Lemos também sente que a gravidez é o que mais preocupa os jovens mas mais do que ter a ideia de que desvalorizam o risco de contrair o vírus da sida e outras infeções, a professora admite que acaba por ser o anseio mais natural na fase de vida que atravessam. “Sabem que a sida é uma doença grave mas hoje pode ser crónica. O impacto da gravidez é mais imediato, têm a ideia que a gravidez lhes tira a adolescência.” Eugénia Lemos não nota que seja no sexo que os jovens se sintam mais invencíveis, mas em relação sobretudo ao álcool há um descontrolo maior do que no passado. O problema é que está tudo ligado – o que aumenta a probabilidade de as coisas acabarem mal, o que é uma preocupação no sexo mas também na violência no namoro. “Notamos que testam muito mais os limites no álcool e até algumas drogas, também porque vivemos num clima de maior liberdade e permissividade: os pais controlam menos os filhos, as horas de regressar a casa são mais tardias. O problema é que, quando se tem comportamentos de risco numas áreas, tem-se nas outras.”
Vazio nos horários
Se o diagnóstico de que a adolescência é o tempo de todos os riscos está mais do que feito, e não é exclusivo sequer para a sexualidade, neste momento vive-se um momento de impasse, concorda quem trabalha nesta área. De acordo com a legislação aprovada em 2009, deve haver educação sexual em todos os ciclos de ensino tirando a educação pré-escolar, com uma duração mínima de seis horas por ano no 1º e 2º ciclo e de 12 horas no 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário. Mas se inicialmente havia tempo nos horários dos alunos que podiam ser aproveitados para falar de sexo e contraceção, como as aulas de edução cívica e área de projeto que faziam parte da oferta não curricular das escolas, isso acabou em 2012. “Existe a lei mas como, onde e quando é que é suposto cumprir as horas na lei ninguém sabe. O diretor de turma faz das tripas coração para que os colegas de matemática, português e outras disciplinas disponibilizem as horas para tratarmos estes temas e acaba por ser complicado para todos, para os professores e para os coordenadores que têm de andar a pedir, por favor, umas horinhas para falar de sexo”, lamenta Eugénia Lemos, porque é também o seu dia a dia. Além disso, faltam recursos humanos na maioria das escolas para chegar a todos os alunos, diz a professora. Na sua escola, em Coimbra, com 60 turmas de secundário apenas conseguem cumprir as 12 horas no 10º ano. “Em todas as escolas isto acaba por depender do ambiente, se o ano corre bem ou mal, e é algo que não devia estar tão dependente de fatores completamente imprevisíveis, se não um dia surgem problemas e temos de nos interrogar porque é que aquela turma não foi abrangida.”
A equipa da Faculdade Motricidade Humana tem avaliado o impacto da lei da educação sexual e a conclusão é mais animadora. Em 2014, apenas quatro em cada dez jovens diziam ter tido aulas, sessões ou conferências sobre educação sexual nas escolas e só metade dizia haver um gabinete na escola onde podia falar sobre o assunto. Um terço dos jovens não faz ideia se esse gabinete existe e 9,8% diz que não. Margarida Gaspar de Matos lembra que visitaram escolas por todo o país e encontraram professores cansados e desmotivados. Sentiam que o trabalho era pouco valorizado e que o fim das áreas curriculares não disciplinares levou muitas escolas a tentarem concentrar a matéria, que deve ser estrutural na educação das crianças e jovens, em conferências pontuais. Com o desnorte nas escolas, os perigos são vários. Mais comportamentos de risco que possam também passar despercebidos por um lado mas perder-se a oportunidade para promover saúde mas também respeito pelas questões de identidade de género. “A educação sexual, mais ou menos informal, é levada a cabo por muitos pais em relação aos seus filhos, mas há casos e casos, há pais que sentem que não têm informação, outros não têm à vontade, outros não têm motivação Há pais e pais e é demagógico achar que estão todos inseridos num pensamento único e que estejam todos a agir de boa fé e no melhor interesse dos filhos.”
Mas este não é o único apelo da especialista no que toca a ajudar os jovens a arriscar menos. Mais gabinetes nas escolas ou nos centros de saúde, com pouca burocracia, que pudessem orientar os jovens e não a atual situação em quando essa resposta existe muitos alunos nem sabem, é uma das recomendações. Maior facilidade no acesso a preservativos parece-lhe também o caminho a seguir, seja nas escolas ou com uma distribuição mais simples nos centros de saúde. O facto é que, como mostram os estudos, muitos jovens não compram os preservativos nas farmácias porque os acham caros e têm vergonha. “Esta falta de acesso não os leva necessariamente a não ter relações, pode levá-los a ter relações sexuais desprotegidas”, argumenta. Margarida Gaspar de Matos defende que é preciso ir ao fundo da questão e sem o barulho das “ideologias, crenças, credos e fés” discutir o que é uma questão de saúde pública. Ouvir professores, direções escolares e alunos e definir prioridades. “As coisas vão evoluindo, mas temos de nos lembrar que em 2009 fomos uma vanguarda a nível europeu nestas matérias e esse comboio ficou a meio”, conclui.