Sempre gostei de cor.
Considero-me uma pindérica assumida, talvez com alguma falta de noção, mas sempre com a clara certeza de que preciso de cor na minha vida. Mesmo quando esta miúda andava no liceu (bem sabemos que, nessa altura das nossas vidas, gastamos cinco horas a escolher a roupa para o outro dia de afirmação escolar e cinco minutos a estudar), a preocupação nunca foi seguir as tendências da moda. O que sempre me interessou foi ter cor. As minhas sapatilhas, com 16 anos, tinham borboletas, os meus brincos eram desenhos de flores, o meu cabelo era apanhado com elásticos feitos de penas, os meus cachecóis e gorros eram coloridos e gostava de pintar as unhas de amarelo (nos dias em que acordava mais discreta). Porque o que me interessava era ter cor. Nas roupas, nos cadernos, nas relações, nos dramas, mesmo que isso nunca me tivesse permitido entrar no grupo dos populares porque. para fazeres parte, tens de parecer sempre tão enfadado, sempre tão revoltado, sempre tão cinzento, sempre tão main-stream. Sempre sem cor.
Lembro-me inclusive de, naquela fase da minha adolescência que coincidiu com o meu pós-cancro, em que fui seguida por uma psicóloga (já vos falei da personagem, ela também carregava nos erres como eu, o que fez dela a pessoa mais profissional que já conheci), me ter sido perguntado de que cor pintava a minha vida. Dei-lhe um rosa. A psicóloga desconfiou. Poderia não ser o rosa mais brilhante, mais bonito, mais saudável mas, ainda assim, era um rosa. Não no sentido de que a minha vida era um mar de rosas, porque seria hipocrisia e mentira dizer isso, mas independentemente de tudo, ainda era um rosa. Talvez porque existam tantas tonalidades de rosa. Uns são mais discretos e outros mais vivos, como a variedade dos nossos dias. Talvez por o rosa ser uma cor quente e nunca me ter faltado calor, mesmo quando a minha careca estava fria. Talvez por tudo isto, a minha cor ainda era um rosa.
Ainda hoje, apesar de os meus dias serem um cocktail de cores, uma mistura de emoções, continuo a ser rosa. Apesar de valorizar muito mais o branco, que me sabe a silêncio, e de precisar dele para me sentir em paz; apesar de saber amar o meu preto, que já aprendi que também faz parte de mim; apesar de ser verde em tantos projetos em que me meto; apesar de me transformar num arco-íris inteiro, sempre que estou com o meu sobrinho, ainda hoje me sinto rosa.
E é nesta onda rosa que olho para o mês de outubro e sorrio. Afinal, no mundo inteiro, o mês de outubro é chamado mês rosa. Isso significa que vários locais emblemáticos de diferentes cidades, como a Torre Eiffel em Paris, vestem a cor com o intuito de consciencializar as pessoas para o cancro da mama e são criadas várias campanhas e ações de sensibilização com o mesmo fim: sensibilizar, consciencializar, alertar.
E é tão bom quando dançamos juntos, com tutus cor-de-rosa a condizer – como aquele belo projeto, “The Tutu Project” (em português, “O Projeto Tutu”), feito pelo esforço de um homem que, com a vontade de tornar os dias da mulher mais bonitos depois de esta ter sido diagnosticada com cancro de mama, decidiu, sem inibições, viajar pelo mundo e tirar fotografias em vários locais míticos, apenas com um tutu cor-de-rosa vestido.
Impossível não sorrir ao ver as fotografias, impossível não achar o mundo perfeito quando é um bocadinho mais cor–de-rosa.
P.S. Este texto foi escrito com a companhia de “Linda Rosa” de Maria Gadú.
Não falha nada.
Blogger
Escreve à quinta-feira