“Boi Neon” é sempre mais fácil de se dizer com sotaque, como um boi fluorescente se vê melhor no escuro do que os outros. Na verdade bois neons podemos ser todos, como são Iremar e Galega, de arena em arena sem pasado nem futuro, porque isto é sobre bois, e sobre os cavalos que se sabe que nunca se vai poder ter, só nos sonhos, porque a vida é num camião com a casa e os bois e a felicidade e a tristeza às costas.
Iremar (Juliano Cazarré) é vaqueiro de vaquejada pelo Nordeste brasileiro com o sonho de ser estilista, “trabalhar com fabrico de roupa”, que entre os bois desenha e costura sem que algum dia alguma coisa mude. Galega (Maeve Jinkings) é camionista e mecânica e à noite dança vestida de cavalo, modelo das criações de Iremar, e tem uma filha, Cacá (Aline Santana), empurrada para fora da infância pela vaquejada e pela vida que é o que tem que ser, todos os dias.
É sobretudo isso a que assistimos neste “Boi Neon”. Sem grandes preocupações com a forma, como são por definição os diários de viagem – e isto afinal é um road movie – mas com a brilhante fotografia do mexicano Diego García (“Cemitério do Esplendor” e “Without”) e tudo o que o passado no documentário deu a Mascaro, que tem neste apenas o seu segundo filme de ficção.
Porque apesar de esta ser a primeira vez que Mascaro trabalha com um elenco de atores profissionais, continua a haver um lado documental em “Boi Neon”. Uma sucessão de cenas de um presente que se adivinha igual ao passado e ao futuro, porque esta viagem nunca há de terminar e Iremar será sempre um vaqueiro com um sonho, Galega continuará a conduzir o seu camião, Cacá nunca terá o seu cavalo.
Vencedor do Prémio Especial da secção Horizontes no ano passado em Veneza, “Boi Neon” é a confirmação do que Mascaro já tinha começado a provar com “Ventos de Agosto” (de 2014, nomeado para o Leopardo de Ouro em Locarno, onde foi distinguido com uma menção especial). Road movie pelo Nordeste, com vaquejada, com sertanejo, mas zero espaço para clichés, num universo sexual nem sempre claro, num dos lugares em que mais os imaginávamos. Do princípio ao fim, “Boi Neon” é cor, corpos, humanos e animais, desejo, sexo. Cómico e constrangedor, sensual e triste, perturbador e belo. Sobretudo isso, como é o lugar de onde veio.