Partidos também fazem contas à vida

Partidos também fazem contas à vida


Sem a isenção no IMI e a reposição dos cortes nas subvenções partidárias, os partidos podem ter a vida complicado. O PS está em falência técnica.


A reposição do corte das subvenções dos partidos e a isenção do IMI são assuntos que tem estado na ordem no dia, mas tudo isto são medidas que mexem com a situação financeira dos partidos. Mas tal como António Costa realçou no debate quinzenal “a democracia tem custos” e há partidos como o PS que estão com uma situação financeira no ‘vermelho’. Mas como é possível então um partido financiar-se e sobreviver sem estes ‘benefícios’?

“Qual é a situação de uma família de trabalhadores do Vale do Avo que recebe o salário mínimo nacional? Esse é o problema. É essa a medida perante a qual nos devemos comparar”, defende o deputado bloquista Pedro Soares ao SOL.

O Bloco de Esquerda, que tem sido um defensor da manutenção dos cortes das subvenções e do fim da isenção do IMI aos partidos, vai mesmo apresentar uma iniciativa legislativa, possivelmente antes do Orçamento do Estado para 2017, para eliminar esta isenção do imposto sobre imóveis. “Temos uma profunda convicção há muitos anos – não somos como alguns partidos que se lembraram disso agora – sobre a necessidade de os partidos se integrarem como o resto da sociedade neste esforço fiscal”, explicou o deputado. Para o Bloco, os cortes nas subvenções devem ser “fixados até que haja uma alteração significativa na economia do país” e defendem mesmo um corte de 50% nas subvenções das campanhas eleitorais. “Se temos conseguido viver com este corte de 10% na subvenção pública, achamos que é possível continuar a viver mesmo que isso exija mais contenção nos gastos. Pensamos que isso é razoável tendo em conta o momento económico e social do país”, acrescentou.

O partido liderado por Catarina Martins tem tido resultados consistente ao longo dos anos – apesar do saldo negativo de 2014. No caso de 2015 o BE apresentou um total de fundo de capital de 2.177 milhões de euros, resultando do ativo que ronda os 2.286 milhões e do passivo de quase 109 mil euros, sendo que o saldo das contas de 2015 foi de 180 mil de euros, isto é, recebeu mais do que aquilo que gastou.

Esta situação deve-se, em parte, ao facto do BE não gastar toda a subvenção pública anual: no ano passado, só a subvenção (fora outras receitas como subvenções para as campanhas, quotas e donativos) foi de 961 mil euros e as despesas com fornecimentos, pessoal e outros gastos rondou os 820 mil euros.

Já o PS parece estar na margem oposta, estando em falência técnica, isto é, não tem capacidade para pagar todas as suas dívidas. Em relação a 2015, as contas do partido de António Costa revelam um passivo superior a 21 milhões de euros – valor que aumentou em três milhões em relação a 2014 -, tendo apenas um ativo de cerca de 15 milhões de euros, resultando num total de fundo de capital negativo em seis milhões de euros. Ou seja, mesmo que o partido pudesse desfazer-se dos seus ativos – dos 15 milhões, sete são de imóveis e equipamentos que à partida não são vendáveis -, o PS não conseguiria liquidar todas as suas dívidas, ficando aquém em seis milhões de euros. Um valor que espelha também o mau resultado no ano anterior: só em 2014, o partido já tinha apresentado um saldo negativo de 4.804 milhões de euros – o último ano positivo foi 2013, com cerca de 661 mil euros.

PS rejeita falência

No que toca ao resultado líquido, os socialistas tiveram um saldo negativo de cerca de um milhão de euros, isto é, os gastos em 2015 foram superiores às receitas. Olhando mais pormenorizadamente para as contas vê-se que os gastos com campanhas eleitorais, em fornecimentos e serviços externos e ainda os gastos com o pessoal são superiores às receitas vindas da subvenção pública anual, das subvenções para as campanhas, das quotas e contribuições de filiados e ainda dos donativos. Na questão das quotas e outras contribuições de filiados, por exemplo, o PS declarou cerca de 1.730 milhões, mas, terminado o ano de 215, ficou por receber à volta de 1.043 milhões.

A questão da falência, porém, já foi rejeitada pelos socialistas. “Há uma enorme diferença entre uma situação financeira complexa e uma falência; o PS está a honrar, em plenitude, os seus compromissos financeiros e iniciou mesmo, no ano corrente, um processo de amortização de dívida negociado com as instituições de crédito que permitirá uma redução sustentada do seu endividamento”, lê-se numa nota divulgada no Facebook pela Comissão Permanente do partido, no início do mês, a propósito de uma notícia do Jornal de Notícias que dava conta de que o PS estaria em falência e que até estavam a pedir dinheiro aos seus dirigentes.

Luís Patrão explica ao SOL que a gestão financeira do partido implica “o devido rigor e a solidariedade dos milhares de militantes socialistas e de todos quantos acreditam na capacidade deste grande Partido da Esquerda Democrática para resolver os problemas nacionais”. “Está conseguido o desejável equilíbrio orçamental e foram implementadas, como não podia deixar de ser, medidas de contenção da despesa corrente para permitir libertar meios para a tarefa essencial de uma estrutura partidária – o trabalho político e a apresentação de propostas para resolução das questões que preocupam os portugueses”, acrescenta.

O secretário nacional para a administração do PS esclarece também que a dívida do partido se deve essencialmente a “crédito bancário de médio e longo prazo”. E garante: “Aqui não se empurra dívida para o futuro”.

Luís Patrão realça ainda que os partidos precisam de condições básicas para poderem fazer o seu trabalho. “[Considera-se] mera demagogia pretender que é possível exigir aos Partidos Políticos uma ação séria e consequente a favor do País, razão da sua existência, e depois recusar-lhes as condições materiais básicas para que possam cumprir cabalmente a sua missão”.

Falência ou apenas situação ‘complexa’, a verdade é que a reposição dos cortes na subvenção e a permanência da isenção do IMI para os partidos poderia ser benéfico para as contas dos socialistas. Apesar de inicialmente terem-se mostrado a favor da reposição dos cortes – Luís Patrão falou, no mês passado, em “voltar a dar aquilo que a lei prevê” -, os socialistas afirmaram posteriormente que irão “refletir” sobre o financiamento partidário. No que toca ao IMI, segundo o Diário de Notícias, o PS e o PCP estão contra a isenção no imposto sobre imóveis, argumentando que “todas as outras isenções do mesmo imposto previstas na lei”, entre as quais a Igreja, devem estar envolvidas na discussão sobre o assunto.

O PCP realça que só estão isentos de IMI as instalações “destinadas à atividade política”. “Todo o restante património dos partidos é tributado como se pode confirmar pelos cerca de 29 mil euros pagos de IMI pelo PCP, referentes a 2014 e que estão refletidos nas contas de 2015 entregues no Tribunal Constitucional”, lê-se no documento. E defendem ainda, num outro comunicado, que “não se justifica qualquer reversão do corte de 10% no financiamento público aos partidos”.

Relativamente às contas apresentadas pelo partido, relata-se um total do ativo de cerca de 21 milhões de euros – dos quais 15 milhões são referentes a imóveis, muitos dos quais adquiridos através de doações e heranças deixadas por militantes – e um passivo que ronda os três milhões de euros, somando assim um total de fundo de capital de quase 17.772 milhões. 429 mil euros foi o resultado líquido dos comunistas em 2015. Nota para os cerca de três milhões só em quotas e contribuições de filiados – o dobro do PS -, dos quais só ficaram por receber 168 mil e ainda os 2.727 milhões em angariações de fundos, sendo que as receitas da Festa do Avante! entram para este valor.

Ainda assim, nas Teses do Partido, o PCP refere como “objetivo o aumento das receitas próprias, a redução ou contenção de despesas”. O documento adianta que, entre 2012 e 2015, o resultado financeiro “apresenta um valor médio anual negativo de cerca de 1 milhão e 82 mil euros”. Refere ainda que só recorrendo a receitas extraordinárias, obtidas através de subvenções, gestão de património, entre outros, é que foi possível fazer face ao défice. Entre 2012 e 2015 – e apesar dos resultados negativos em 2012 e 2014 -, o partido teve “um resultado financeiro global nos quatro anos de 1 milhão e 261 mil euros”.

PSD e CDS com situação estável

Os partidos da direita, por sua vez, apresentam contas estáveis. As contas do CDS tem uma particularidade em relação aos restantes partidos: os centristas separam as contas do continente e das ilhas. Focando-nos apenas nas primeiras, o total do capital próprio do CDS em 2015 foi de 215 mil euros, resultante do ativo de cerca de 954 mil euros e do passivo de 738 mil. Ainda assim, o saldo referente ao ano anterior foi negativo em cerca de 115 mil euros.

Já o PSD mostra um ativo de 12 milhões de euros e um passivo de quase nove milhões, o que resulta num total de fundo de capital de cerca de três milhões de euros. Ainda assim, é de notar o prejuízo nas contas de 2015, onde o resultado líquido foi negativo em mais de dois milhões de euros – muito à conta dos gastos com campanhas eleitorais e com fornecimentos e serviços. Graças ao fundo de capital do ano anterior (cinco milhões de euros), o PSD tinha uma margem que permitiu que este saldo negativo não tivesse um maior impacto nas suas contas.

O que não parece estável, no entanto, é a opinião relativamente às subvenções partidárias. Depois de o PSD ter dito ao Público que queria a devolução, já em 2017, do corte de 10%, um comunicado enviado às redações posteriormente volta atrás com a ideia inicial, referindo que os partidos “devem ser os primeiros a reconhecer a realidade e a atuar em função da sociedade em que estão integrados”.

Quem sempre mostrou ter ideias claras sobre estes benefícios foi o CDS. O partido de Assunção Cristas defende que as instituições partidárias “devem dar o exemplo” e não só apresentou um projeto de lei para pôr fim à isenção do IMI como quer tornar permanentes os cortes às subvenções. O centrista Pedro Morais Soares admite ao SOL que, sem estes benefícios, os partidos ficam “com menos dinheiro”, mas há que fazer alterações para se adaptarem a esta realidade. “Vão ter de cobrar mais receitas aos seus militantes em termos de quotizações”, disse o secretário-geral do CDS, realçando que as quotas do CDS (50 cêntimos por mês) são facultativas.