Em silêncio trocámos segredos e abraços// Inscrevemos no espaço um novo alfabeto// Já passaram mil anos sobre o nosso encontro// Mas mil anos são poucos ou nada para a estrela do mar.
“Estrela do Mar” (1984)
Sozinho, ao piano. Sem rede, com voz e instrumento gravados em simultâneo. Foi assim em “Só”, o álbum que gravou e lançou em 1991, e que agora comemora 25 anos. “Bairro do Amor” (1977), “Na Terra dos Sonhos” (1980), “Estrela do Mar” (1984), “Deixa-me Rir” (1985), “Frágil” (1989). Todos lá, numa coletânea da obra de Jorge Palma, que se revelou também uma coletânea do país. “O ‘Só’ ficou marcado na história das pessoas, foi um marco e por isso sinto-me sempre em casa quando o toco”, confessa ao i. A nova roupagem dada a temas antigos valeu a “Só” o título de um dos álbuns do século XX. Agora, 25 anos depois, regressa aos palcos com este álbum para quatro concertos de celebração – Centro Cultural de Belém (28 de novembro); Casa da Música (1 de dezembro); Convento São Francisco de Coimbra (6 de dezembro); e Teatro das Figuras (10 de dezembro). “O palco vai ser meu, por isso vou fazer o que me apetecer. Aliás, sempre fiz. Nestes concertos até uma peça do Beethoven, que comecei a tocar aos dez anos, vou tocar. Vão ser concertos longos, que é uma coisa que os cotas como o Bruce Springsteen, o Neil Young, o Lou Reed, agora gostam de fazer.”
Deixa-me rir// Essa história não e tua// Falas da festa, do sol e do prazer// Mas nunca aceitaste o convite// Tens medo de te dar// E não e teu o que queres vender.
“Deixa-me Rir” (1985)
Em simultâneo, Jorge Palma vai continuar a correr os palcos com Sérgio Godinho, no projeto “Juntos”. Mas os tempos mudaram. E amanhã, 1 de outubro, às 19h, Jorge Palma sobe a um palco improvável para celebrar o Dia Mundial da Música: o Centro Comercial Colombo. “É engraçado, mas já tenho tocado noutros centros comerciais. A primeira vez fiquei muito apreensivo, mas depois aquilo estava cheio e com um alto ambiente”, conta, ao mesmo tempo que adianta que esta será, no entanto, a primeira vez que dará um “concerto de fundo” num shopping. “E este vai mesmo ser um concerto especial porque além do meu repertório vou cantar covers dos Stones, dos Beatles, do Dylan, do Johnny Cash. Gosto muito de fazer covers, sobretudo quando são artistas de quem sempre bebi inspiração, artistas que cantei na rua e que foram uma grande escola para mim. Às vezes até acho que os covers são a minha especialidade.” Convencido disto, e sempre inconveniente, acrescenta que acha que faz uma versão de “Like a Rolling Stone” melhor que o original. “Daqui a uma semana estarei três noites na Califórnia, num festival onde eles tocam, e estou a pensar fazer-me ao bife”, brinca, igual a si próprio.
No bairro do amor a vida é um carrossel// Onde há sempre lugar para mais alguém// O bairro do amor foi feito a lápis de cor// Por gente que sofreu por não ter ninguém.
“Bairro do Amor” (1977)
Jorge Palma tinha apenas seis anos quando começou a estudar piano. Aos 40, quando editou “Só”, tinha muita estrada andada. Mas ainda mais por andar. A rua já não lhe era estranha, mas os palcos também não. Agora, aos 66 anos, ainda menos. Mas sente-se cada vez mais nervoso. “Já toquei no metro, na rua, em esplanadas, em salas de espetáculo, em todo o lado… Nos anos 1960 e 70 corri o país numa Ford Transit. Os concertos aconteciam à hora a que conseguisse chegar. E quando a eletricidade falhava, trocava a guitarra elétrica pela acústica. Adoro o que faço, mas o que é giro é que, com os anos, sinto-me cada vez mais nervoso, cada vez mais num carrossel , num vendaval, antes de subir a um palco”. Cada vez mais frágil.
Acompanha-me a casa// já não aguento mais// deposita na cama// os meus restos mortais// frágil// sinto-me frágil.
“Frágil” (1989)
Foi na estrada e na rua que aprendeu muito do que sabe. Que aprendeu a “ter força, a ser intrépido, a saber que os Deuses protegem os audazes”. Ensinamentos que o ajudaram a enfrentar “recusas, cachets irrisórios, concertos cancelados”, mas também problemas com os excessos. Foi tudo aquilo que os músicos da sua geração devem ser. Mas continua a sê-lo. E os mais jovens sabem-no._E cobram. “Sinto muito a admiração dos mais novos. Mandam-me CDs e pedem-me opinião. Mas não sou pessoa para dar conselhos, posso falar da minha experiência, mas cada um deve construir a sua história.” Mesmo sem ser grande conselheiro, avisa já que, no futuro, conta com esta nova geração. “Sempre houve pessoas com talento e outras sem nada para dizer. Hoje em dia estamos a voltar a ter uma geração de miúdos a tocar e escrever muito bem, gente que vale a pena acompanhar. Conto com eles para me fazerem companhia daqui a 20 anos.”
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal// Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual// Na terra dos sonhos não há pó nas entrelinhas, ninguém se pode enganar// Abre bem os olhos, escuta bem o coração, se é que queres ir para lá morar.
“Na Terra dos Sonhos” (1980)