Uma sala modernamente decorada, agradável, cheia de luz. Num dos lados, algumas pessoas sentadas em confortáveis poltronas, aguardando pela respetiva consulta; no outro, o secretariado, constituído por um pequeno balcão, onde uma dinâmica funcionária atendia quem chegava, ou quem terminara a consulta.
A dada altura, em voz perfeitamente audível em toda a sala, ela explicava a um dos membros de um casal, com alguma idade, como proceder em caso de necessitar de ativar o seguro antirroubo do aparelho auditivo que tinha acabado de adquirir. “Se o perder … ou danificar, deve telefonar-me a dizer que lho roubaram. Depois, deve dirigir-se a uma esquadra da polícia, aí apresentando queixa contra desconhecidos, por roubo.” Com um amplo sorriso, correspondido pelo casal, ela salientou, no mesmo tom de voz, enfatizando: “Por roubo!”
A fraude contra a empresa seguradora poderá nunca se vir a concretizar, e a conversa não ter passado de uma mera teorização de potenciais procedimentos fraudulentos. No entanto, a simplicidade com que a dita senhora instruiu os clientes a adotarem um comportamento associal, sem qualquer pejo de ser ouvida pelas pessoas presentes na sala, deixou entender que o que ela estava a fazer era um comportamento recorrente, e que certamente não estaria consciente de que o que propunha era o perpetrar de uma fraude, na qual ela própria seria conivente.
Gostaria de saber o que responderia a dita senhora se, fora daquele universo em que tão à vontade se movia, lhe perguntassem, sem mais, a sua opinião quanto à aceitabilidade social de comportamentos fraudulentos. Imagino que ela iria afirma ser inequivocamente contra.
Este tende a ser o grande problema no combate aos comportamentos associados à pequena fraude. Eles tendem a tornar-se tão naturais, que o sujeito que os comete, ou que os propõe, deixa de ter consciência de que, na realidade, é um defraudador.