Quem há dez anos olhasse para os partidos socialistas europeus julgaria que as doutrinas marxistas há muito tinham sido arredadas e que a ambição dos socialistas era apenas gerir o capitalismo com mais preocupações sociais. Hoje, porém, os partidos socialistas foram sendo sucessivamente dominados por políticos radicais que recusam o sistema capitalista e voltam a suspirar pela sociedade ideal de Marx. É assim que Corbyn, mesmo depois da sua atuação desastrada no Brexit, acaba de ser reeleito de forma esmagadora, com uma agenda que propõe o regresso às nacionalizações e o desarmamento unilateral. Da mesma forma, em Espanha, Pedro Sánchez recusa qualquer compromisso com Rajoy, preferindo deixar a Espanha sem governo a permitir o governo de um partido de direita, ainda que este tenha ganho duas eleições consecutivas.
É neste ambiente que se enquadra a ascensão de António Costa no PS. Tirou o tapete a António José Seguro depois de este ganhar umas eleições, sabendo-se hoje que já tinha assegurado a sua ascensão ao governo, mesmo sabendo que ia perder nas urnas. Essa ascensão resulta de uma clara afinidade ideológica entre o PS de Costa e o PCP e o BE. Na verdade, o PS de Seguro podia ganhar eleições, mas nunca receberia o apoio desses partidos. Já António Costa pode bem com as derrotas eleitorais do PS, uma vez que os partidos de esquerda radical o veem como um dos seus e nunca deixarão que lhe falte o apoio.
É assim que Costa pode hoje ensinar na Assembleia que a sua sociedade ideal é a sociedade desenhada por Marx, “onde cada um contribui para o bem comum de acordo com as suas capacidades, e cada um recebe de acordo com as suas necessidades”. E o atual PS pode aplaudir estrondosamente Mariana Mortágua quando esta o desafia a encontrar uma alternativa ao capitalismo. A questão é que essa alternativa surgiu há um século, produziu Lenine, Estaline e Mao, e toda a gente julgava que tinha sido enterrada há um quartel, com a queda do Muro de Berlim. Como bem disse Sérgio Sousa Pinto, o PS vive hoje numa “paródia senil” que lhe vai custar cara.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Escreve à terça-feira