Quando a economia mundial dá sinais de abrandamento, há que lançar mão de todas as possibilidades para aumentar as exportações portuguesas. O mercado alemão oferece boas hipóteses para exportação da “geringonça”.
Em setembro de 2013, as eleições para o Bundestag deram 41,5% à sra. Merkel, fizeram desaparecer o seu parceiro de coligação (os liberais do FDP, que ficaram abaixo da cláusula-barreira dos 5%), deram 25,7% ao SPD, 8,6% ao Die Linke (as sobras aggiornate do partido comunista da RDA, agora em operação reunificada) e 8,4% aos Verdes. A matemática tem destas coisas e derrotou à partida uma frente de esquerda que não poderia chegar à maioria. Seguiram-se três meses de negociações entre a CDU/CSU e o SPD, traduzidos numa grande coligação, recuperando o modelo do primeiro governo Merkel, e num programa de governo negociado palavra a palavra e com a extensão da lista telefónica da Grande Lisboa nos anos 80 do século passado.
A fazer fé nas sondagens (e as sondagens alemãs merecem-na, já que os alemães, falhos de imaginação, tendem a fazer aquilo que dizem nos inquéritos de opinião ir fazer), a sra. Merkel foi traída pelo coração generoso em matéria de abertura de fronteiras aos imigrantes e contará com 30% de intenções de voto nas eleições de setembro de 2017. Os votos perdidos beneficiam o agora ressuscitado FDP (6%) e parte dos 15% atribuídos pelas sondagens à Alternative für Deutschland (AfD), o partido nascido para recuperar o marco alemão e que acabou colonizado pelo sentimento xenofóbico adubado pela imigração descontrolada. A soma dos votos na CDU/CSU com os liberais não chega para formar uma maioria. A AfD será, assim se espera, objeto de um cordão sanitário por parte de todos os outros partidos e não contará para a matemática de um futuro governo. O SPD tem atualmente 22,5% nas sondagens (poucochinho, dir-se-ia em Portugal, mas normal depois do abraço de urso da grande coligação). Os Verdes andam pelos 12,5% e Die Linke pelos 10%. Se o voto neste trio de partidos seguir o padrão de dispersão normal, as eleições alemãs de setembro de 2017 poderão dar origem a uma “Jeringonza”. Os Verdes já estiveram no governo com o SPD. Já a conversão do Die Linke à normalidade governativa recomenda o recurso ao talento negocial de António Costa.
Os resultados eleitorais na cidade-estado de Berlim, no passado domingo, demonstraram a possibilidade de exportação da geringonça para o mercado alemão. Ditaram o fim da coligação SPD-CDU e marcaram o início das negociações de uma coligação entre o SPD (21,65%), Die Linke (15,6%) e Verdes (15,2%). A AfD obteve 14,2%; a CDU, 17,6%; e o FDP, 6,7%. Com Willy Brandt, o SPD chegou a ter 61,9% dos votos em Berlim e o SPD teve 30% em anos recentes.
O resultado da AfD em Berlim (2,48 milhões de eleitores) é pior do que noutras eleições a leste, em zonas rurais. Mas é um resultado notável numa cidade aberta e multicultural. E representa a entrada para o 10.o parlamento regional. Até às eleições para o Bundestag, em setembro de 2017, ainda haverá mais duas eleições regionais, sendo provável que a AfD só não esteja representada em dois parlamentos.
“Wir schaffen das” foi a frase de Merkel a propósito das possibilidades de acolhimento e de integração dos imigrantes na Alemanha (e que traduzia o “yes we can” de Obama). Depois das eleições em Berlim foi abandonada pela própria por estar associada ao desagrado do eleitorado para com a sua política de abertura de fronteiras aos imigrantes. Face às sondagens, não espanta o ultimato da CSU a Merkel: ou anuncia a candidatura a chanceler ou não há coligação CDU-CSU.
Merkel pode tentar sair sem ser derrotada (e sem tentar o iv governo, igualando Adenauer e ficando abaixo do v de Kohl). A “Jeringonza” está em marcha.
Escreve à sexta-feira