O mais que a sociedade faz é ano após ano, quase como se tratasse de uma novidade, se indignar, tombada pela incredulidade das chamas a varrerem as florestas, a delapidarem potencial produtivo, a erradicarem os recursos endógenos e a mutilarem a nossa identidade. Os políticos têm sido lestos, forçados pelo clamor popular, a mobilizarem recursos para acções e meios de combate, erguendo um aparelho humano e tecnológico de reacção, mais eficaz, melhor preparado e coordenado – justiça seja feita – mas jamais apto a rivalizar com condições de fogo implacável. Combater o que não podemos controlar tem sido a prioridade. Cuidar do que é possível dominar – como a redução da quantidade de combustível vegetal – tem sido negligenciado.
Importa tratar das questões estruturais, sem as quais entre anúncios e retórica nada de determinante se consegue.
Na minha perspectiva são três:.
1. O abandono das terras.
O princípio é elementar. Ou o proprietário cuida da terra ou faz cuidar. Se abandona reverte para o Estado. É exigente, mas o interesse público não pode sucumbir perante o desinteresse ou impossibilidade dos proprietários. O Estado tem centenas de milhares de hectares nessas condições, as quais não conhece ou faz de conta que não lhe pertencem. Deve dar o exemplo.
2. Emparcelamento
A dimensão das propriedade é um obstáculo intransponível para que as mesmas sejam rentáveis. Sem rentabilidade não há investimento.Todos conhecemos propriedades indivisas, courelas de terreno de dimensão exígua que perfazem um mosaico de escassa utilidade produtiva. Emparcelar é decisivo. Ao Estado cabe promover novas fórmulas de estruturação fundiária. Sem isso, nada feito.
3. A questão fiscal
O IMI rústico é uma receita simbólica para os cofres do Estado. O importante é que a floresta seja pujante e criadora de emprego, assim mais resiliente. Em casos de abandono, devem ser sujeitas a uma tributação que desincentive a passividade do proprietário. Por outro lado, para diversificar a floresta nacional deve ser criado um estatuto favorável à gestão de longo prazo, o qual deve favorecer um uso mais racional e equilibrado das espécies.
Para que seja possível abordar construtivamente cada uma destas dimensões é imperiosa a existência do cadastro. Este é um pressuposto inultrapassável. Sem saber quem é dono do quê e onde, a sua geometria e dimensão, é impossível promover uma visão ordenada da floresta
O nosso complexo florestal é alfobre de riqueza para o país. Os números não mentem. O seu elevado potencial produtivo robustece actividades industriais de base florestal, as quais são motor de exportações de alto valor acrescentado.
No fundo, como em tantos outros casos, uma viragem é matéria de decisão política. Controversa necessariamente, pois carece de ruptura. Incómoda, porque bule com as condições de exercício da propriedade. Todavia, indispensável, se se visa um país mais equilibrado e também mais forte. Tal depende também da sociedade e do valor que a comunidade atribui à floresta. A incredulidade periódica e massificada não chega.