Férias em família


Transformamo-nos num ápice no “Fernandes” que faz as sandes (as mais variadas, e às vezes 14 por dia), no aguadeiro de serviço, distribuidor e levantador da logística 


“Quem quer escolher muitas vezes, escolhe o pior” 

M. Pégnier

O regresso de férias, com a idade a passar e a pesar, cada vez é mais difícil de gerir. Sobretudo para quem vive em famílias mais numerosas e em que a readaptação às rotinas e ao tempo são essenciais para uma vida equilibrada entre todos e para todos. E como resultado disso concorre, de entre outras coisas, o tempo de férias em família. Sobretudo com famílias de três gerações. Em que a logística diária se assemelha muitas vezes a uma espécie de “casas” de dormir, de comer e do tipo “porta-aviões” que, para quase todos, não são mais do que, por um lado, casas de passagem ou para dormir, ou para comer, ou para arrumar, ou para preparar o que se faz e passa por lá. E que, por outro lado, não são mais do que casas de divertimento altamente ruidoso. Imaginemos como funcionará uma família de três gerações que vive o ano todo, segundo as suas rotinas, os seus espaços vitais, os seus horários (para dormir, comer, ler, descontrair), os seus gostos e prioridades pessoais, geracionais, as suas posturas dentro e fora de casa, e que durante algumas semanas se junta, alegremente, para desfrutar, no mesmo tempo e no mesmo espaço, das férias e do pretenso tempo de qualidade, aumentando o convívio, a partilha, o reforço e a entreajuda familiar e geracional. Duas pessoas, mais cinco pessoas, mais quatro pessoas, mais vários amigos e convidados, mais alguns animais de estimação, tudo a tentar ser treinado, de um dia para o outro, para estarem a cumprir os mesmos horários para acordarem e se levantarem às mesmas horas para refeições, as mesmas horas para ir à praia, vir da praia, correr, andar de bicicleta, sair à noite, ir às compras, dividir a televisão, dividir os sofás, conseguir o silêncio retemperador para ler, etc., etc. Não sei se é pedir demais pedir para se imaginar como funcionam estas férias em família que, para além disso, muitas vezes se transformam numa espécie de campeonato entre três gerações. E onde os espaços vários são ocupados, muitas vezes, pela negativa. Porquanto implicam gritos, ordens e manifestações de ordem e de autoridade, muitas vezes confundidas com obsessiva vontade de querer “mandar em tudo e em todos”. Já para não falar da tentativa de federar os egos e as expectativas da pirâmide intergeracional. Só mesmo a forte convicção e vontade de estar em família, elevar os índices de relacionamento, às vezes tempera o cansaço e a ingratidão. Então uma pessoa trabalha o ano todo a sonhar com as férias e depois mete-se na maior das confusões e competições? Querendo muitas vezes quase o impossível. Horários iguais para todos, rituais iguais para todos, prioridades iguais para todos, etc. E transformamo-nos num ápice no “Fernandes” que faz as sandes (as mais variadas, e às vezes 14 por dia), no aguadeiro de serviço, distribuidor e levantador da logística, e no saco de boxe onde todos descarregam (uns mais às claras do que outros) os seus desabafos, as suas frustrações e desilusões. Poderão dizer: é assim. É normal. E é bem feito! Por mim, no meio dos meus defeitos, mesmo assim vale a pena. Mesmo eu, membro da geração do meio (a geração que mais perde a competição familiar em férias), acho que vou (vamos todos sem exceção) ter saudades destes tempos. Da mesma maneira que temos saudades de quando a terceira geração dormia a sesta, estava na alcofa e no berço, estava mais tempo calada do que aos berros, não tinha eletrónica, não mexia na televisão, não se queria deitar tarde, comia sempre o que lhe davam, etc., etc. Afinal, também nesse particular éramos felizes e não sabíamos. Daí que as férias em família, para vários de nós, sejam “tempos” de desconstrução de autoridade e de deslegitimação pessoal e familiar. Ou seja, não deveria ser um tempo de perda de autoridade e de desresponsabilização. Apesar das férias. Porque a seguir temos reflexos dolorosos. Choques entre vários elementos das três gerações em que a geração vencedora é sempre a mais nova, apesar de minoritária, e em que o regresso à normalidade, após as férias, é mais doloroso. Para todos. Sem exceção. É também por tudo isto que começo a perceber melhor quando se diz, para quem pode, que a seguir às férias familiares deveríamos fazer férias sem família. Eu, que já o fiz poucas vezes no passado, com a minha mulher, é isso que gostava que acontecesse. Só os dois. Com o tempo, o espaço e até o silêncio só para os dois.


Férias em família


Transformamo-nos num ápice no “Fernandes” que faz as sandes (as mais variadas, e às vezes 14 por dia), no aguadeiro de serviço, distribuidor e levantador da logística 


“Quem quer escolher muitas vezes, escolhe o pior” 

M. Pégnier

O regresso de férias, com a idade a passar e a pesar, cada vez é mais difícil de gerir. Sobretudo para quem vive em famílias mais numerosas e em que a readaptação às rotinas e ao tempo são essenciais para uma vida equilibrada entre todos e para todos. E como resultado disso concorre, de entre outras coisas, o tempo de férias em família. Sobretudo com famílias de três gerações. Em que a logística diária se assemelha muitas vezes a uma espécie de “casas” de dormir, de comer e do tipo “porta-aviões” que, para quase todos, não são mais do que, por um lado, casas de passagem ou para dormir, ou para comer, ou para arrumar, ou para preparar o que se faz e passa por lá. E que, por outro lado, não são mais do que casas de divertimento altamente ruidoso. Imaginemos como funcionará uma família de três gerações que vive o ano todo, segundo as suas rotinas, os seus espaços vitais, os seus horários (para dormir, comer, ler, descontrair), os seus gostos e prioridades pessoais, geracionais, as suas posturas dentro e fora de casa, e que durante algumas semanas se junta, alegremente, para desfrutar, no mesmo tempo e no mesmo espaço, das férias e do pretenso tempo de qualidade, aumentando o convívio, a partilha, o reforço e a entreajuda familiar e geracional. Duas pessoas, mais cinco pessoas, mais quatro pessoas, mais vários amigos e convidados, mais alguns animais de estimação, tudo a tentar ser treinado, de um dia para o outro, para estarem a cumprir os mesmos horários para acordarem e se levantarem às mesmas horas para refeições, as mesmas horas para ir à praia, vir da praia, correr, andar de bicicleta, sair à noite, ir às compras, dividir a televisão, dividir os sofás, conseguir o silêncio retemperador para ler, etc., etc. Não sei se é pedir demais pedir para se imaginar como funcionam estas férias em família que, para além disso, muitas vezes se transformam numa espécie de campeonato entre três gerações. E onde os espaços vários são ocupados, muitas vezes, pela negativa. Porquanto implicam gritos, ordens e manifestações de ordem e de autoridade, muitas vezes confundidas com obsessiva vontade de querer “mandar em tudo e em todos”. Já para não falar da tentativa de federar os egos e as expectativas da pirâmide intergeracional. Só mesmo a forte convicção e vontade de estar em família, elevar os índices de relacionamento, às vezes tempera o cansaço e a ingratidão. Então uma pessoa trabalha o ano todo a sonhar com as férias e depois mete-se na maior das confusões e competições? Querendo muitas vezes quase o impossível. Horários iguais para todos, rituais iguais para todos, prioridades iguais para todos, etc. E transformamo-nos num ápice no “Fernandes” que faz as sandes (as mais variadas, e às vezes 14 por dia), no aguadeiro de serviço, distribuidor e levantador da logística, e no saco de boxe onde todos descarregam (uns mais às claras do que outros) os seus desabafos, as suas frustrações e desilusões. Poderão dizer: é assim. É normal. E é bem feito! Por mim, no meio dos meus defeitos, mesmo assim vale a pena. Mesmo eu, membro da geração do meio (a geração que mais perde a competição familiar em férias), acho que vou (vamos todos sem exceção) ter saudades destes tempos. Da mesma maneira que temos saudades de quando a terceira geração dormia a sesta, estava na alcofa e no berço, estava mais tempo calada do que aos berros, não tinha eletrónica, não mexia na televisão, não se queria deitar tarde, comia sempre o que lhe davam, etc., etc. Afinal, também nesse particular éramos felizes e não sabíamos. Daí que as férias em família, para vários de nós, sejam “tempos” de desconstrução de autoridade e de deslegitimação pessoal e familiar. Ou seja, não deveria ser um tempo de perda de autoridade e de desresponsabilização. Apesar das férias. Porque a seguir temos reflexos dolorosos. Choques entre vários elementos das três gerações em que a geração vencedora é sempre a mais nova, apesar de minoritária, e em que o regresso à normalidade, após as férias, é mais doloroso. Para todos. Sem exceção. É também por tudo isto que começo a perceber melhor quando se diz, para quem pode, que a seguir às férias familiares deveríamos fazer férias sem família. Eu, que já o fiz poucas vezes no passado, com a minha mulher, é isso que gostava que acontecesse. Só os dois. Com o tempo, o espaço e até o silêncio só para os dois.