A propósito da reunião de chefes de Estado e de governo da UE que hoje se realiza em Bratislava, Donald Tusk escreveu-lhes uma carta em que refere “ser a Europa vista por muitos como um mal necessário, e não como um bem comum”.
Ao longo de cinco páginas de letra miúda, o presidente do Conselho Europeu e ex-primeiro-ministro da Polónia percorre os diversos “medos” dos cidadãos europeus: imigração descontrolada, fronteiras externas permeáveis, ameaça russa a leste, terrorismo, desemprego, crise económica (em relação com a globalização e com os novos acordos comerciais internacionais) e, claro, como pretexto da reflexão sobre o futuro da UE, o Brexit.
O material “informativo” disponibilizado aos jornalistas que cobrem a reunião de Bratislava inclui um gráfico com a evolução das principais preocupações dos europeus e onde se destacam, a grande distância, a imigração e o terrorismo. A sondagem do Eurobarómetro resulta de uma média dos 28 Estados, ainda incluindo o Reino Unido. Como tal, deve ser matizada: em Portugal, as preocupações com o terrorismo e com a imigração são função da distância geográfica aos locais onde estes fenómenos se materializam dentro das fronteiras da UE. O mesmo vale para os exercícios de musculação da Rússia, mesmo que estes tenham uma expressão que escapa à cobertura mediática permanente: aumentou o trânsito de submarinos russos pelo Atlântico oriental e registaram-se missões de bombardeiros estratégicos russos ao largo da costa portuguesa.
Neste quadro, e com os constrangimentos nacionais conhecidos (referendo constitucional italiano em outubro, eleições em França e na Alemanha em 2017), a margem para uma agenda keynesiana é estreita – estreita, repita-se, não inexistente, e certamente maior do que há alguns anos, no auge das soluções instantâneas das diversas troikas e que provaram vitórias de Pirro da contabilidade sobre a economia.
No discurso sobre o estado da União feito na passada quarta feira perante o Parlamento Europeu, Jean-Claude Juncker procurou antecipar os resultados da reunião de Bratislava e, em três línguas diferentes, ofereceu um sound bite a cada grupo de descontentes. Pela via keynesiana prometeu a duplicação (na próxima década e sem dizer que tal depende da vontade dos Estados) das verbas alocadas ao plano homónimo (que já de si está mais alavancado do que o Lehman Brothers na véspera da falência). Para além dos aplausos de circunstância, ficou a impressão de que Juncker está em campanha (e não só junto do PPE) para continuar como presidente da Comissão, temendo que, com a chegada do final do ano e do termo dos mandatos de Tusk como presidente do Conselho e de Schulz como presidente do Parlamento surja uma qualquer dança de cadeiras, promovida pelos dois grandes grupos políticos, que o faça sair do Berlaymont.
A reunião ocorre em Bratislava por conveniência política. Sem a presença do Reino Unido não se lhe poderia chamar Conselho Europeu, pelo que a presidência de turno pôde retomar os hábitos do século anterior e mostrar a sua capital. De caminho, o PM Fico dá mais palco à agenda política de leste, tal como declinada pelo grupo de Visegrado, com um pedido de menos Europa mas, ao mesmo tempo, de maior protecção das fronteiras externas, combate à imigração ilegal e, pasme-se, “um exército europeu, sem prejudicar as estruturas da NATO”.
Para além do “grupo do Sul” (FR, IT, PT, GR e, in absentia, ES), há um grupo do Leste, os órfãos do Brexit (NL, SWE, DK) e uma Alemanha que não pode, por razões de calendário eleitoral, anunciar grandes planos para a Europa. O comunicado de imprensa da reunião de Bratislava já está escrito há muito e menciona “o novo impulso dado à UE”. Será ascendente?
Escreve à sexta-feira