Quando Mário David, um dos melhores amigos políticos de Durão Barroso, surge envolvido no projeto de candidatura de Kristalina Georgieva à ONU, isso fez várias vozes associarem Barroso à búlgara, até por serem do mesmo partido europeu.
Foi, por isso, uma sumptuosa coincidência quando Paulo Rangel, também do Partido Popular Europeu, veio acusar a Comissão Europeia e a Alemanha – ambas lideradas por membros do mesmo Partido Popular Europeu – de atacarem Durão Barroso para ferir a candidatura de António Guterres às Nações Unidas.
Nada nos diz que Barroso não prefere ver alguém do centro-direita europeu na ONU do que um socialista como Guterres, apesar de ser português como ele. O PSD ter apoiado a candidatura do eng.o Guterres não significa nada para Durão Barroso e ainda menos para o Partido Popular Europeu; isso vê-se na forma como o PPE impulsiona Georgieva, vice-presidente da Comissão Europeia, a avançar contra Guterres.
Neste momento, a União Europeia tornou-se o maior inimigo da liderança de Pedro Passos Coelho no Partido Social Democrata. Podemos criticar a sua postura institucionalista perante Bruxelas, devido à perda de capital político que esta representa, especialmente em oposição; no entanto, sou obrigado a respeitar a coerência com que a mantém. Passos, não sendo um federalista, propôs reformas criativas à União Europeia.
É interessante ver como alguma mudança de atitude do PSD em relação à Europa é oriunda dos dois sociais-democratas mais desejosos de ficar com a cadeira de Passos Coelho. Luís Montenegro falou, por exemplo, num “espetáculo que não abona nada a favor das instituições europeias” quando Bruxelas retirou privilégios a Durão Barroso.
Cinco anos de austeridade, em que Portugal serviu como cartaz de defesa de Berlim e ataque à Grécia, em que ministros portugueses eram aprovados previamente pelo governo alemão, em que políticas defeituosas eram impostas sem escrúpulo, e não se ouviu uma palavra contra Bruxelas. Uma palavra. Cinco anos depois, o patriotismo de Montenegro ressuscita milagrosamente para defender José Manuel Durão Barroso que, como se sabe, é outro apogeu do patriotismo em política.
O eurodeputado Paulo Rangel também não vacilou. Depois de sair a notícia de que teria recusado um convite da direção do PSD para ser candidato à Câmara Municipal de Lisboa, Rangel entende que o partido está fragilizado, que Marcelo olha para as autárquicas como data para uma mudança de ciclo e que a altura de tentar novamente a liderança se aproxima.
Se eu fosse militante do PSD, temeria pelo dia em que alguém perguntasse a Paulo Rangel se sente mais Portugal ou a União Europeia.
O europeísmo de Rangel é tal que se converteu numa anglofobia que o leva a comparar António Costa a David Cameron. Fê-lo esquecendo que Cameron é de uma direita de tradição eurocética e Costa de uma esquerda de tradição europeísta; Cameron assumiu a austeridade em programa e Costa contrariou a austeridade em programa; Cameron cortou a dívida para metade e Costa não cortou dívida nenhuma; Cameron inverteu um resultado eleitoral com uma coligação moderada e Costa inverteu um resultado eleitoral com um acordo parlamentar radical; Cameron ganhou a segunda eleição com maioria absoluta e Costa está longe de dar isso ao Partido Socialista.
No entanto, para espanto geral, esta semana, Paulo Rangel acusou a Comissão Europeia – em especial, “colegas de Georgieva” e “o chefe do departamento de Juncker” – de “manchar” a conduta de Durão Barroso para “enfraquecer” a candidatura de Guterres à ONU “porque a Alemanha está empenhada nisso”. Foi isso mesmo, caro leitor, um eurodeputado do PSD a criticar a União Europeia e o poder germânico. Cantemos aleluias. Graças a Deus que já não são só o Bloco de Esquerda, o António Costa, o prof. Pacheco Pereira ou o diabo do David Cameron a mostrar que o Partido Popular Europeu, a Comissão Europeia e a Alemanha representam exatamente o mesmo interesse.
Ora bem, só a mais pura das ambições poderia levar um europeísta fanático como Rangel a atacar o establishment europeu deste modo.
O patriotismo de Rangel caiu do céu para “defender Durão Barroso”. E o euroceticismo de Rangel nasceu para denunciar uma conspiração “contra António Guterres”. Mas nada disso foi verdadeiro. Foram populismos.
Rangel disse o que disse porque sabe que defender Guterres e fazer voz grossa aos alemães cai bem junto dos portugueses e faz dele uma exceção dentro do PSD. Quer, portanto, ser presidente do partido.
Um líder não será. Esses têm convicções.