Enquanto fervilha a tensão entre os dois blocos políticos, poder/oposição, e o Presidente da República continua a descomprimir a situação política, é cada vez mais evidente a dimensão soporífera da solução governativa junto de algumas entidades. Não é lamento, é constatação. Quem analisar a abertura do ano letivo constatará que houve trabalho político na preparação, mas persistem problemas que, em condições normais, seriam explorados à exaustão pela FENPROF e pelas forças políticas que apoiam o governo para criar agitação e casos políticos perturbadores do ambiente na comunidade educativa. Esta deriva anestesiante, bipolar, só permite concluir que muita da contestação a que assistimos não tem a relevância que gera nos media e condiciona os decisores. Faz sentido o PCP gerar um movimento de utentes de uma autoestrada que defende a abolição de portagens quando não coloca essa condição como pressuposto nas negociações para a viabilização do Orçamento do Estado? Isso só prova que as conveniências políticas são mais importantes do que os princípios e valores propalados nos discursos. Pena que esta deriva de amansamento não seja aproveitada para gerar convergências em matérias relevantes para a resolução de problemas estruturais em Portugal e na Europa.
É incompreensível que, sustentando o governo uma narrativa de normalidade na gestão orçamental, confiança nas opções políticas e determinação para cumprir as metas do défice, o ministro das Finanças, Mário Centeno, vá uma televisão global afirmar em resposta à pergunta “vai fazer tudo o que for necessário para evitar que Portugal tenha um segundo resgate?” que “essa é a minha principal tarefa”. Como num ápice se transforma um ato de reforço da confiança num desastre comunicacional… É certo que o sentido das opções políticas adotadas motiva uma forte pressão sobre a governação e o país, mas tanta falta de tino e défice de solidez era dispensável. Como não é dispensável que se explique como é que, com um crescimento aquém do previsto, sem aumento de impostos, sem protelar concursos públicos lançados e adjudicados e sem adiar pagamentos aos fornecedores se conseguirá gerar recursos para aumentar o indexante de apoios sociais e as pensões e tomar outras medidas que, podendo ser de elementar justiça, acrescentam despesa pública. É sobretudo um dever de respeito para com os cidadãos e o país, mas também se inscreve na promessa eleitoral de previsibilidade e sustentabilidade das opções políticas. O tal “virar de página da austeridade”.
Sem tino, há um juiz de referência que dá uma grande entrevista na órbita de um caso judicial em curso e admite ser escutado, mas não há problema porque não tem segredos. Num Estado de direito, há um juiz – podia ser um cidadão comum – que diz ser escutado e a suspeita é aceite com as costumeiras “águas mornas”?
Sem tino, num contexto de temperaturas extremas, exercícios militares de tropas de elite provocam a morte a dois militares do curso dos comandos e a solução do Bloco de Esquerda é a extinção do Regimento de Comandos, num misto de populismo e de exercitação de um pretenso pacifismo bacoco, como se o mundo estivesse para essas derivas.
Sem tino, parece que o parlamento vai legislar sobre lobbying, mas vai deixar de fora da regulamentação os advogados; o governo tem finalmente um código de conduta que é um afago às consciências deslocadas do exercício de funções públicas dentro dos valores da ética republicana e constatam-se diversos populismos que desqualificam o discurso político.
Pelo terceiro ano consecutivo, a 1.a fase de acesso às universidades e politécnicos públicos registou um aumento de colocados: 42 958 entradas. Há mais 890 alunos do que em 2015 e é o melhor registo desde 2010. António Costa viu nestes resultados – o 3.o aumento anual consecutivo de colocações – a “morte do modelo de desenvolvimento” da direita, apesar de estar em funções há menos de um ano.
Preocupante mesmo é que, desde o início do séc. xxi, nunca entraram tão poucos alunos no 1.o ano do 1.o ciclo, estando o problema demográfico a gerar uma desenfreada competição pela atração das crianças e dos pais para os projetos associados ao crescimento e à educação, como se de uma mera disputa de mercado se tratasse. E como no mercado, sem a regulação adequada, vale quase tudo.
Definitivamente, Portugal é um lugar estranho mas, tocadas pela aproximação de ciclos eleitorais, apesar dos discursos políticos e das opções políticas de Bruxelas, a França anuncia corte de impostos sobre rendimentos e a Alemanha quer reduzir a carga fiscal rapidamente.
Sem tino, está traçado o destino.
Notas finais
Juizinho. O governo PSD/CDS espalhou-se nos fundos comunitários. Não conseguiu colocar o dinheiro do Portugal 2020 na economia e pagou a fatura eleitoral, mas deixou cartas marcadas e procedimentos kafkianos. Em boa hora, o atual governo percebeu que era preciso atalhar caminho. Estão criadas as condições para um novo impulso de execução do Portugal 2020. O país, as empresas e as autarquias agradecem.
Acertado. Depois de quatro anos bafientos que só não foram de “orgulhosamente sós” porque havia muita convergência entre Passos e Merkel, é positiva a cimeira de sete países do sul da Europa para concertar estratégias.
Cabeças no ar. É ridículo quando uma instituição promove um processo de transparência na escolha do seu líder e depois começam a surgir notícias sobre movimentações obscuras. É a realpolitik e a diplomacia, mas não deixam de ser ridículas e a destruição da transparência pretendida pelas Nações Unidas.