1) No nosso quotidiano político verifica–se um sistemático desaparecimento da ideologia e de projetos nos partidos que não se reclamem da esquerda. Essa tendência acentuou-se quando as lideranças da anterior coligação governaram sem outro programa que não fosse o da troika, manifestando até a vontade de ir para além dela, o que as levou a perder o poder. Entretanto, as entidades que nos emprestaram o dinheiro deram a mão à palmatória e agora reconhecem que o plano era mau, causando mais danos que benefícios. No entanto, cá, nada mudou na direita. Passos Coelho, nomeadamente, insiste em falar de décimas e de cataclismos, transformando--se em arauto do catastrofista Ferraz da Costa. Em vez de anunciar propostas, projetos e soluções e de se aproximar dos problemas concretos que existem e dizem respeito às pessoas, refugia-se em contas macroeconómicas, ignorando o concreto da vida de cada um. Opta mesmo por não apresentar medidas orçamentais concretas que poderiam ajudar a classe média, os empresários, os professores do ensino privado, enfim, boa parte do que é potencialmente o eleitorado interclassista do PPD/PSD. Pontualmente, Assunção Cristas, a líder do CDS, descola dessa atitude e vai ao terreno de forma concreta, mas tem dificuldade em fixar-se em casos objetivos e que sejam bandeira da sua política. Até por isso, não é saudável que Cristas, em vez de apresentar um programa nacional, tente a conquista de Lisboa, que lhe ocuparia todo o tempo de liderança, tornando-a até financeiramente uma refém do governo. A nossa suposta direita está sem valores e deveria construir um pensamento estruturado, pragmático e entendível. Foi isso que fizeram Sá Carneiro, Balsemão, Freitas do Amaral, Amaro da Costa e depois Cavaco, apresentando propostas e conceitos, amparando pessoas em vez de falar de décimas de números. Falta política, falta projeto, falta a proteção dos que mais precisam e falta rejeitar o neoliberalismo financeiro. No quadrante oposto há quem faça e respire política. É o caso de Jerónimo de Sousa e, sobretudo, de Catarina Martins, que semanalmente conseguem levar água aos seus moinhos, defendendo os interesses dos seus eleitores e seguidores. Mas para isso é preciso ter ideologia, ciência, estratégia e, acima de tudo, ideias.
2) O Partido Socialista é hoje, no Porto, uma realidade praticamente virtual. O PS da Invicta tem prevista a decisão de apoiar a reeleição de Rui Moreira, o independente que ganhou a autarquia há três anos. Mas daí a o PS Porto estar em vias de nem sequer apresentar uma lista própria para a vereação vai uma distância enorme e um sinal de menoridade política.Em boa lógica, os socialistas deveriam integrar Moreira numa lista do PS. Mas o que pode acontecer é o contrário, ou seja, os socialistas dissolverem-se na solução que o atual presidente da câmara decida apresentar para construir uma geringonça à moda do Porto. Pior ainda seria acabarem descartados por um Rui Moreira que surgisse ligado ao PSD e ao CDS, que foi, recorde-se, o partido que deu apoio à sua lista quando conquistou a Invicta.
Enquanto maiores partidos nacionais, PS e PSD têm (ou deveriam ter) como fundamento para a sua existência uma ideologia e projetos próprios. E se há sítios onde nunca deveriam deixar de se apresentar é nas duas maiores cidades do país, onde se concentram milhões de pessoas e alguns dos maiores problemas nacionais. Trocar essa obrigação por uma mera operação de manutenção de lugares é a prova de que o exercício da política está a tornar-se, por vezes, algo meramente instrumental para manter cargos e mordomias.
3) Correia de Campos vai mesmo voltar a apresentar-se no parlamento para tentar a eleição para presidente do Conselho Económico e Social (CES). Recorde–se que, à primeira tentativa, o ex-ministro ficou longe dos dois terços de votos necessários. Desta vez, é mais provável que os consiga. Não deixa, porém, de ser caricato que Correia de Campos conte nesta candidatura com a oposição declarada da CGTP (e, desde logo, do PCP e dos Verdes), que é a maior força sindical do país e um parceiro de peso na concertação social. Cabe recordar que, apenas um dia após o fracasso da primeira tentativa de eleição, o próprio Arménio Carlos veio a público afirmar a oposição da sua central sindical a Correia de Campos.
4) Por mais tolerante e compreensivo que se queira ser, não há uma única razão para aceitar as afirmações públicas do juiz Carlos Alexandre à SIC. De hoje para amanhã, só faltava que a entrevista servisse de fundamento para tentar anular a acusação a Sócrates que, entretanto, não aparece. Se assim fosse e a diligência tivesse ganho de causa, estaríamos perante o maior escândalo de sempre da justiça portuguesa. Por isso mesmo, existe enorme expectativa relativamente à posição que tomar o Conselho Superior da Magistratura quando apreciar as declarações do juiz sobre o processo Marquês.