Se há algo que demonstra bem o estado em que caiu o nosso regime é a recente aprovação de um código de conduta, relativo às prendas dos governantes, que pretende fixar um limite para as mesmas em 150 euros. É em primeiro lugar absurda a ideia de um código de conduta dos governantes. O governo não é um grupo qualquer que precise de autorregulação nas suas relações com terceiros, mas antes um órgão de soberania, sujeito às leis do Estado Português, que já regulam a matéria. Por esse motivo, aparecer um código que considere aceitável receber prendas até 150 euros representa, no fundo, uma declaração pública de disponibilidade dos membros do governo para receberem prendas até esse montante. Essa declaração pública é absolutamente inaceitável e só contribui para o descrédito da classe política.
É ainda mais grave que esse código de conduta tenha surgido após uma polémica pública sobre a oferta, por uma empresa privada, de viagens de avião para assistir a jogos do Euro, sabendo-se que o valor dessa oferta está muito acima dos 150 euros indicados. Assim sendo, o código de conduta acaba por funcionar como uma forma de condenar retroativamente os membros envolvidos nessa viagem. A isto, Augusto Santos Silva respondeu que o código não terá efeito retroativo e que, por isso, não será aplicado ao caso das viagens, uma vez que “a não retroatividade das normas é o que distingue a civilização da barbárie”. Parece assim que o ministro acha que previamente os seus governantes podiam aceitar livremente toda e qualquer prenda de privados, e que só este código de conduta é que vem acabar com essa permissividade.
Já Jerónimo de Sousa, que imagine-se o que diria se tivesse visto esta situação no governo anterior, veio dizer que o código é uma simples “medida didática”. Parece assim que ele serve apenas para os governantes aprenderem regras elementares relativamente ao exercício dos cargos públicos, ao mesmo tempo que beneficiam de uma permissão para aceitar prendas até 150 euros, agora qualificadas como simples pecados veniais. Parafraseando Shakespeare, há algo de podre na República Portuguesa.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira