1. O problema dos termos que se empregam na linguagem política ou mediática é o de estarem, por vezes, contaminados por significados específicos que adquiriram em outros contextos.
Foi o caso do uso pelo Presidente da República da expressão “pacto de justiça” no seu discurso de abertura do ano judicial.
Tal expressão espoletou de imediato a memória de iniciativas anteriores que nem sempre foram bem-sucedidas.
Pior, pois parece ter condicionado também algumas das tomadas de posição públicas dos protagonistas a quem tal desafio foi lançado: umas, demasiado cautelosas, e outras, apenas precipitadas.
E, todavia, ouvido com atenção tal discurso, é possível perceber que o Presidente não estava, de facto, a propor que se repetisse o que antes sucedeu, mas concretamente a sugerir uma metodologia nova que evitasse as consequências negativas das experiências anteriores.
2. A primeira experiência que procurou desenvolver um processo comum entre profissionais do foro para a deteção e análise dos problemas da justiça ocorreu com o Congresso da Justiça, inspirado pelo dr. José Miguel Júdice, então bastonário da Ordem dos Advogados.
Esse congresso, que recebeu o apoio do então Presidente Jorge Sampaio – que o patrocinou empenhadamente –, gerou uma participação massiva de juízes, procuradores, advogados, notários, conservadores e oficiais de justiça de todo o país, tendo culminado com a aprovação de teses e conclusões inovadoras e verdadeiramente relevantes.
Todavia, apesar do envolvimento – algo distanciado, reconheça-se – dos representantes do poder legislativo, jamais a Assembleia da República se dispôs a discutir os resultados obtidos, que nalguns casos constituíam, à data, uma base sólida de trabalho para as reformas necessárias na área da justiça.
O que aconteceu foi antes um acordo de âmbito limitado entre dois dos maiores partidos com assento parlamentar, que ignorou, no essencial, as conclusões alcançadas naquele congresso e teve apenas como objetivo responder a preocupações muito específicas que ensombravam o panorama político da época.
Isso só foi possível, contudo, porque depois de aprovadas as conclusões do Congresso da Justiça, os órgãos representativos dos profissionais do foro – alguns dos seus dirigentes haviam mudado entretanto –, obtido o êxito mediático imediato, se esqueceram de, ou não quiseram mesmo, impulsionar as conclusões a que os congressistas haviam chegado.
Talvez por isso, o atual Presidente da República, ciente do que sucedeu, tenha procurado alertar todos quantos trabalham na justiça para a necessidade de se envolverem de novo na identificação conjunta e atual dos seus problemas essenciais e na proposição empenhada – mesmo que faseada – de soluções realistas que não possam agora ser ignoradas.
3. A mensagem do Presidente da República – e os seus avisos – não só deveria, assim, ser levada a sério, como inclusive deveria também ter determinado, desde logo, uma iniciativa coletiva dos profissionais do foro tendo em vista estudar um modelo de trabalho adequado a realizar uma análise e uma discussão conjunta dos principais problemas da justiça.
Condicionar o estudo comum dos problemas da justiça à resolução prévia de questões que – embora verdadeiras e evidentes – poderão, depois, vir a ser mais bem examinadas durante a iniciativa conjunta dos profissionais do foro pode querer significar apenas a relutância de alguns em aceitar o desafio e, sobretudo, as responsabilidades que ele determina.
Jurista
Escreve à segunda-feira