A fase dois de Marcelo


É importante apontar objetivos nacionais, responsabilizando a geringonça governativa e os calhambeques das oposições


À retoma plena da atividade política corresponde uma segunda fase política do mandato presidencial.

Na fase anterior, o Presidente contribuiu para a manutenção de pontes entre as forças políticas e sociais para evitar crispações excessivas e ruturas. Em situações concretas e difíceis como as do Banif e da Caixa, atuou com tato para impedir consequências funestas, apesar de haver danos óbvios e profundos, da responsabilidade dos governos anterior e atual. Simultaneamente ajudou o país junto da União Europeia, fazendo chegar a mensagem de que a aplicação de sanções pelo défice de 2015 teria sido má para a União e dramática para Portugal. Mas internamente alertou desde logo para a obrigação absoluta do cumprimento das difíceis metas deste ano, mantendo pelo menos em público a confiança no governo. 

Na relação direta com as populações e com a comunicação social, Marcelo apareceu diariamente. Foi fiel ao seu estilo carinhoso, paciente e pedagógico, marcando uma diferença substancial em relação ao seu antecessor, o que tem a vantagem de o aproximar e a desvantagem de vulgarizar as suas aparições, retirando-lhes o peso institucional de que podem necessitar.

Nas horas difíceis, como na Madeira e nos fogos do Continente, o Presidente acudiu e confortou, humanizando a sua função ao mesmo tempo que anunciava que não iria esquecer-se das promessas governativas de reconstrução e apoio. Nos momentos de festa também compareceu, e as suas idas ao Euro e aos jogos do Rio deram alento a participantes e emigrantes.

Da atuação global de Marcelo fica uma ideia altamente positiva junto dos portugueses por todos os atos que teve, da simples selfie à palavra de incentivo e de esperança. Já a sensação junto de muita gente que segue, comenta ou participa na política é de que esteve mais próximo do governo de António Costa do que da oposição PSD/CDS, da qual é ideologicamente oriundo. Com isso somou ainda mais créditos, tornando-se recordista absoluto de popularidade. Há, porém, quem admita que Costa não perde pela demora e que Marcelo só não foi mais exigente com o governo por este manter uma estabilidade formal e também porque o Presidente não morre de amores por Passos, o que é recíproco. Uma futura mudança de líder no PSD não seria certamente algo que contristasse muito Belém.

Com o regresso pleno da política, o Presidente tem de estar preparado para um tempo de dificuldades e controvérsias que pode determinar um tipo de intervenção menos suave. Na solução para a Caixa já deu um sinal claro quando fez saber que não aceitava mudar uma lei para resolver uma atuação incompetente, levando Centeno a recuar.

Este ciclo começa com a difícil elaboração do Orçamento do Estado, em que o governo vai ter de negociar fundamentalmente com os partidos à sua esquerda e também com o CDS, pois a probabilidade de o PSD ter uma postura proativa é muito pontual. Passa depois pelo impacto dos números de uma economia que está num ponto de crescimento zero e, portanto, perigoso para o próprio rating da República. Integra ainda a discussão na Europa do nosso acesso a fundos estruturais e a eterna questão global da banca nacional. Tudo isto são temas que podem afetar a estabilidade do país e a paz social. Se os difíceis equilíbrios atuais se mantiverem sem ruturas políticas e económicas, esta fase dois de Marcelo Presidente vai estender-se até às autárquicas, conforme o próprio já admitiu e deseja. Mas até lá há muitos problemas a superar. É por isso natural que o Presidente passe a ter uma intervenção mais profunda e exigente, alertando para os perigos e sugerindo caminhos. Não admira, pois, a revelação feita nas férias de que já preparou alguns dos próximos discursos. É positivo que tenha ponderado o conteúdo das mensagens, uma vez que tanto a geringonça governativa como os calhambeques oposicionistas andam aos solavancos, sem saberem para onde ir e o que fazer. Uns não querem ver os perigos imediatos e os outros esperam que a situação apodreça de vez. Ora, o país não pode viver de improvisos otimistas nem de Velhos do Restelo. Dar rumo ao barco e não deixar que o afundem devido a meros jogos de interesses é parte da missão de um Presidente responsável. 

Internacionalmente, o Presidente tem agora a oportunidade de construir um espaço de afirmação de que Portugal precisa. Eanes era um mito que o mundo queria conhecer; Soares era uma referência universal da democracia; Sampaio, um homem do mundo; Cavaco, um governante respeitado e um histórico da União Europeia. Marcelo não tem imagem externa porque a sua vida foi feita intramuros. Oportunidades não vão faltar e talento tem de sobra para, por exemplo, aproveitar a assembleia- -geral da ONU que está prestes a começar e apoiar a campanha do seu amigo de vida António Guterres para secretário-geral, que entrou ontem na fase decisiva, com o português dado como favorito, o que não quer dizer rigorosamente nada. É como no desporto: o que conta é como acaba.
 
Jornalista

A fase dois de Marcelo


É importante apontar objetivos nacionais, responsabilizando a geringonça governativa e os calhambeques das oposições


À retoma plena da atividade política corresponde uma segunda fase política do mandato presidencial.

Na fase anterior, o Presidente contribuiu para a manutenção de pontes entre as forças políticas e sociais para evitar crispações excessivas e ruturas. Em situações concretas e difíceis como as do Banif e da Caixa, atuou com tato para impedir consequências funestas, apesar de haver danos óbvios e profundos, da responsabilidade dos governos anterior e atual. Simultaneamente ajudou o país junto da União Europeia, fazendo chegar a mensagem de que a aplicação de sanções pelo défice de 2015 teria sido má para a União e dramática para Portugal. Mas internamente alertou desde logo para a obrigação absoluta do cumprimento das difíceis metas deste ano, mantendo pelo menos em público a confiança no governo. 

Na relação direta com as populações e com a comunicação social, Marcelo apareceu diariamente. Foi fiel ao seu estilo carinhoso, paciente e pedagógico, marcando uma diferença substancial em relação ao seu antecessor, o que tem a vantagem de o aproximar e a desvantagem de vulgarizar as suas aparições, retirando-lhes o peso institucional de que podem necessitar.

Nas horas difíceis, como na Madeira e nos fogos do Continente, o Presidente acudiu e confortou, humanizando a sua função ao mesmo tempo que anunciava que não iria esquecer-se das promessas governativas de reconstrução e apoio. Nos momentos de festa também compareceu, e as suas idas ao Euro e aos jogos do Rio deram alento a participantes e emigrantes.

Da atuação global de Marcelo fica uma ideia altamente positiva junto dos portugueses por todos os atos que teve, da simples selfie à palavra de incentivo e de esperança. Já a sensação junto de muita gente que segue, comenta ou participa na política é de que esteve mais próximo do governo de António Costa do que da oposição PSD/CDS, da qual é ideologicamente oriundo. Com isso somou ainda mais créditos, tornando-se recordista absoluto de popularidade. Há, porém, quem admita que Costa não perde pela demora e que Marcelo só não foi mais exigente com o governo por este manter uma estabilidade formal e também porque o Presidente não morre de amores por Passos, o que é recíproco. Uma futura mudança de líder no PSD não seria certamente algo que contristasse muito Belém.

Com o regresso pleno da política, o Presidente tem de estar preparado para um tempo de dificuldades e controvérsias que pode determinar um tipo de intervenção menos suave. Na solução para a Caixa já deu um sinal claro quando fez saber que não aceitava mudar uma lei para resolver uma atuação incompetente, levando Centeno a recuar.

Este ciclo começa com a difícil elaboração do Orçamento do Estado, em que o governo vai ter de negociar fundamentalmente com os partidos à sua esquerda e também com o CDS, pois a probabilidade de o PSD ter uma postura proativa é muito pontual. Passa depois pelo impacto dos números de uma economia que está num ponto de crescimento zero e, portanto, perigoso para o próprio rating da República. Integra ainda a discussão na Europa do nosso acesso a fundos estruturais e a eterna questão global da banca nacional. Tudo isto são temas que podem afetar a estabilidade do país e a paz social. Se os difíceis equilíbrios atuais se mantiverem sem ruturas políticas e económicas, esta fase dois de Marcelo Presidente vai estender-se até às autárquicas, conforme o próprio já admitiu e deseja. Mas até lá há muitos problemas a superar. É por isso natural que o Presidente passe a ter uma intervenção mais profunda e exigente, alertando para os perigos e sugerindo caminhos. Não admira, pois, a revelação feita nas férias de que já preparou alguns dos próximos discursos. É positivo que tenha ponderado o conteúdo das mensagens, uma vez que tanto a geringonça governativa como os calhambeques oposicionistas andam aos solavancos, sem saberem para onde ir e o que fazer. Uns não querem ver os perigos imediatos e os outros esperam que a situação apodreça de vez. Ora, o país não pode viver de improvisos otimistas nem de Velhos do Restelo. Dar rumo ao barco e não deixar que o afundem devido a meros jogos de interesses é parte da missão de um Presidente responsável. 

Internacionalmente, o Presidente tem agora a oportunidade de construir um espaço de afirmação de que Portugal precisa. Eanes era um mito que o mundo queria conhecer; Soares era uma referência universal da democracia; Sampaio, um homem do mundo; Cavaco, um governante respeitado e um histórico da União Europeia. Marcelo não tem imagem externa porque a sua vida foi feita intramuros. Oportunidades não vão faltar e talento tem de sobra para, por exemplo, aproveitar a assembleia- -geral da ONU que está prestes a começar e apoiar a campanha do seu amigo de vida António Guterres para secretário-geral, que entrou ontem na fase decisiva, com o português dado como favorito, o que não quer dizer rigorosamente nada. É como no desporto: o que conta é como acaba.
 
Jornalista