De um momento para o outro, parece que o país foi varrido por uma onda de crimes cometidos por adolescentes, quase como se a “licença para matar” não fosse apenas o que distingue o famoso “Double-O-Seven” (007) dos outros agentes de sua majestade. Para lá do caso dos “gémeos iraquianos” (como ficou conhecido, porque pouco interessa quem eram, não fosse dar-se o caso do imbróglio da imunidade diplomática e toda a discussão à volta disso), há dias, mais um adolescente foi, ao que se sabe, esmurrado com uma soqueira por um outro adolescente e atirado para os cuidados intensivos do hospital, depois de até ter sido dado como morto pela PSP.
Escrevi aqui, há semanas, sobre a banalização do mal. Tão terrível como ela é a impunidade descarada e arrogante ou o hábito de resolver as coisas, nem sequer a murro, mas com atropelamentos, pontapés na cabeça ou soqueiras.
A propósito destes casos, e mesmo sem saber os seus últimos contornos, pretendo escrever hoje sobre os jovens que são, como o Rúben ou o Hugo, apanhados sozinhos, de forma vil, por delinquentes sem escrúpulos mas cobardes – não é por acaso que atuam em parelha ou com armas. Aqui ficam algumas dicas para o debate sobre a segurança dos adolescentes e como se podem tomar algumas medidas preventivas, para lá de se “saber com quem se anda” e não secundarizando as opções de vida que se fazem.
Se não se podem culpar as vítimas e nada justifica ser-se selvaticamente agredido, mesmo que se tenha provocado alguém, diretamente ou nas redes sociais, será ingénuo pensar que vivemos num mundo de liberdade total de expressão quando se sabe existirem muitas pessoas que não gerem bem o sentirem-se alvo de críticas, remoques ou divulgação de imagens ou comentários eventualmente ofensivos. O que quero dizer com isto é que há que pensar nas possíveis consequências e ponderar bem se um ato vale o risco. Apenas isso. Avaliação e gestão de riscos, tal e qual colocar ou não o cinto de segurança, fazer uma vacina, usar capacete de bicicleta ou beber água de um poço cuja qualidade se desconhece.
Deve ter-se medo de sair de casa? É natural que muitos (e muitas) adolescentes tenham medo de sair à rua, sobretudo se tiverem visto alguns telejornais nos últimos tempos – os casos de Ponte de Sor e de Gondomar são apenas os exemplos mais recentes. Quando só se fala de desgraças e quando se “pinta” um mundo mesquinho e perverso (aquilo a que os anglo-saxónicos chamam “mean world syndrome” – a síndroma do mundo mau), não vamos estar à espera que os jovens pensem de outra maneira.
Um estudo que fizemos há uns anos sobre a violência, recaindo em jovens do 9.o ano de todo o país, revelou um dado curioso: a maioria dos adolescentes referia que Portugal era um país violento e perigoso, mas classificavam a vila ou a cidade onde viviam de uma maneira muito mais soft. Ou seja, o sentimento de insegurança era maior do que a sua perceção real quotidiana.
Os dados mostram que o grande crime não tem sofrido um aumento e que a maioria dos crimes graves continuam a dever-se a casos pessoais (disputa de terras, casos “passionais”, ajustes de contas, etc.). Todavia, o “pequeno crime”, sem ou com violência física, tem aumentado, estando em muitos casos relacionado com o consumo de drogas, incluindo nestas o álcool.
Os meios de comunicação social, por seu lado, relatam estes acontecimentos como se só isso acontecesse… a determinada altura, com a repetição ad nauseam, já parecia que havia casos de Rúbens e gémeos iraquianos todos os dias, a todas as horas. É assim natural que se crie a ideia de que cada cidadão com que nos cruzamos na rua é um assaltante, um violador, um criminoso. Não é. A maior parte das pessoas – a “esmagadoríssima”, se a palavra existe – são pacíficas e “normais”.
O que resulta evidente é que, apesar da sua raridade, estes casos podem ser graves, de onde ser necessária uma atitude inteligente quando se sai à noite e circula nas ruas. Assim, mais do que dissertar sobre as agruras da vida, é bom gizar com os próprios adolescentes um plano e atitudes práticas para que as possibilidades de ser apanhado por algum meliante se reduzam, numa estratégia de redução de risco:
• Se possível, não se andar de noite por ruas mal iluminadas ou que não tenham vivalma;
• Quando se sair de casa à noite, procurar sempre fazê-lo com mais alguém;
• Nunca pedir boleia a estranhos;
• Nunca demorar em elevadores ou casas de banho públicas;
• Só levar o dinheiro estritamente necessário e nunca anunciar que se está abonado;
• Dizer sempre onde se vai e a que horas se tenciona voltar. Se se resolver ficar até mais tarde, telefonar, que não custa nada…;
• Quando se for a uma festa ou sair, arranjar-se sempre quem leve de volta a casa, ou então ir de táxi (radiotáxi, de preferência) – é mais caro, mas vale a pena;
• Se alguém quiser tocar-lhe ou tentar “alguma coisa”, dizer “não!” e não demonstrar medo;
• Se alguém atacar, gritar com todas as forças, mas não tentar enfrentar os agressores;
• Se acontecer alguma coisa, contar sempre a alguém – pais, irmãos, professores, amigos, linhas telefónicas de ajuda, etc.
Tentemos também conversar com os adolescentes sobre outros assuntos que não sejam exclusivamente as desgraças que nos acontecem (muitas delas relativas), seja o facto de o tempo estar mau, seja o de terem assassinado mais uma pessoa num local longínquo que, provavelmente, nem sabemos onde é. O clima de medo inibe a prevenção das diversas situações e a distinção do seu grau de risco.
Queiramos ou não, temos de continuar a fazer a nossa vida do dia-a-dia. Se se cria um ambiente de stresse e de medo, vai gerar-se mal-estar noutros capítulos, com baixa do rendimento escolar, abandono de atividades ao ar livre, tristeza e uma baixa da qualidade de vida dos adolescentes. O mundo é, queira-se ou não, o único local onde se pode viver…
Pediatra
Escreve à terça-feira