São milhares de jovens recém- -formados em Arquitetura, Direito, Psicologia e muitos outros cursos onde as perspetivas de emprego são tão baixas que uma oferta de estágio se torna a única opção, mesmo que tenham de entregar parte do que recebem do IEFP ao próprio empregador.
O esquema revelado ontem pelo “Jornal de Notícias”, em que os patrões exigem aos estagiários que lhes devolvam a comparticipação estatal, é ilegal. Mas é generalizado. Rita, licenciada em Psicologia pela Universidade Autónoma de Lisboa, admite que a situação é dramática. “Quando este tipo de ofertas aparece é normal as pessoas aceitarem. Claro que é grave, mas, se não for assim, ou trabalhamos de borla ou simplesmente nem estágio arranjamos. Na minha turma, muito poucos conseguiram um. Se me pedissem para entregar parte ao patrão, eu entregava. Prefiro ter 200 euros do que não ter nada de todo”.
Muitos destes jovens não querem dar a cara nem o nome. A vontade de denunciar a situação em que vivem é grande, mas isso poderia custar o pouco que têm conseguido num mercado de trabalho repleto de armadilhas e precariedade. A pergunta a que têm de responder é simples: é preferível entregar parte do que se recebe ao patrão ou trabalhar sem ganhar nada em troca?
Ao i, Rui explica que na área do direito todos conhecem um caso para contar. “Para conseguirmos ser advogados, temos de fazer um estágio que nunca é pago. Durante muitos anos existiu a ideia de que se alguém queria ser advogado tinha de comportar as despesas desse mesmo estágio, que chegou a ser de três anos. Quando apareceram os estágios do IEFP, começaram a surgir muitas candidaturas. E foi aí que começaram a fazer isto. Ou os jovens aceitam pagar a parte que cabe ao patrão e ficam com o que sobra do valor pago ou simplesmente já sabem que não vão receber nada”, explica.
Na advocacia, estes esquemas são comuns em todo o país, à exceção de um número reduzido de empresas que funcionam em Lisboa. “As pessoas já sabem que, se aceitarem, têm de pagar a parte do patrão. Estamos a falar de licenciados que ficam com 200 euros e não com quase 700 euros porque têm de suportar tudo, até a taxa social única.”
Na arquitetura, as situações são idênticas e há quem tenha de aceitar estes pagamentos aos patrões para conseguir a necessária inscrição na Ordem dos Arquitetos.
Ao i, João Camargo, da associação Precários Inflexíveis, explica que estes casos são situações grave, sobretudo por estarem em causa “dinheiros públicos”. “Ao longo do tempo, as empresas foram criando mecanismos para contornar as obrigações. As leis vão-se alterando e a forma de fugir também. Mas aqui é algo muito grave porque é um crime. Os recibos verdes tinham um enquadramento social negativo, mas esta situação é diferente. Não é uma má prática. É ilegal e um roubo”, sublinha.
O IEFP já reagiu à denúncia de que há estágios a serem usados de forma fraudulenta e garantiu desconhecer esta prática, por não haver denúncias dos estagiários. Já Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, garantiu tratar-se de um “crime fiscal e laboral”.
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), por seu lado, explica ao i que se trata de uma situação que tem de ser supervisionada pelo IEFP: “Mas não estamos alheios aos problemas. Se encontrarmos uma situação destas, reportamos, claro.”
Um mundo de armadilhas Mesmo que os estagiários vão para uma empresa que não comete fraudes, a empregabilidade duradoura é escassa. Teresa licenciou-se em Gestão da Qualidade, Ambiente e Segurança há seis anos. Conseguiu um estágio profissional. “Fiquei contente porque queria trabalhar, mas acabei por ficar sem trabalho no final do tempo do estágio”, conta, explicando que começou a trabalhar numa loja para poder tirar um mestrado. Esse curso permitiu que fizesse outro estágio profissional, mas deparou-se então com as fraudes. “Estive seis meses a trabalhar só com ajudas de custo, à espera que o estágio fosse aprovado. O problema é que acabei por descobrir que a empresa nunca tinha pedido estágio para mim, nem para colegas que trabalhavam comigo”. Atualmente, trabalha com contrato a termo numa outra empresa da área, mas não esconde a frustração que o passado lhe trouxe: “Cheguei a vender publicidade porta à porta por responder a anúncios que não correspondiam ao trabalho que tinha de ser feito, mas precisava de dinheiro. Agora parece que consegui alguma estabilidade. Ao fim de quase seis anos.”