O Banco Central Europeu (BCE) teve de analisar recentemente os novos órgãos sociais de um banco português em que vários gestores não executivos acumulavam múltiplos cargos noutras empresas. Não foi a Caixa Geral de Depósitos (CGD). Não houve nenhum “chumbo” a esses gestores. Foi no BCP, há pouco mais de um ano, quando a instituição presidida por Mario Draghi já era responsável pela supervisão dos maiores bancos a nível europeu.
Com a união bancária, a 4 de novembro de 2014, o BCE passou a supervisionar os bancos mais relevantes na Europa, substituindo-se ao Banco de Portugal – ou partilhando com ele – as principais tarefas de vigilância dos bancos em território nacional.
Seis meses mais tarde, a administração do BCP, que estava em final de mandato, propôs uma lista com os órgãos sociais até 2017. E entre os nomes que não mereceram reparos da regulação estão vários gestores cujo currículo inclui cargos executivos e não executivos em entidades fora do grupo – um perfil em tudo semelhante aos oito administradores que não puderam ir para a CGD por terem cargos noutras empresas.
A legislação que impediu a nomeação dos oito gestores da CGD é o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), e a norma que inibe a acumulação de cargos foi introduzida no final de 2014: “É vedado aos membros dos órgãos de administração e fiscalização das instituições de crédito significativas […] acumular mais do que um cargo executivo com dois não executivos, ou quatro cargos não executivos.”
No BCP, António Mexia é um dos gestores a quem a ultrapassagem destes limites se coloca. O administrador não executivo do BCP é presidente da EDP e, por inerência, de múltiplas empresas daquele grupo energético. É ainda sócio de uma empresa familiar e tem cargos dirigentes em fundações e associações profissionais.
Carlos Silva, vice-presidente do conselho de administração do Millennium, tem cargos de gestão em quatro instituições fora do grupo, segundo o currículo oficial publicado no site do banco. Um deles é no BPA, outra instituição financeira. André Luiz Gomes, também administrador, era advogado e tinha múltiplos cargos não executivos em várias empresas quando foi nomeado.
É certo que, no BCP, estes gestores já ocupavam cargos na administração antes da mudança de supervisão europeia, a 4 de novembro – e já tinham sido validados antes pelo regulador nacional, o Banco de Portugal. Mas os mandatos foram renovados já com o BCE a acompanhar o sistema bancário português e estando em vigor as novas imposições legais na acumulação de cargos. Nada foi apontado a este respeito.
O próximo banco em que esta questão se colocará é o Santander Totta. O banco aprovou no final de maio, em assembleia--geral, uma recomposição dos órgãos sociais, e fazem parte das listas para a administração os ex-ministros socialistas Luís Campos e Cunha e António Vitorino. Os dois deverão integrar o conselho de administração do Santander Totta com cargos não executivos, mas o BCE está ainda a avaliar a indicação destes nomes.
A atividade sobretudo académica de Campos e Cunha não deve colocar problemas de maior, mas os múltiplos cargos de Vitorino terão de ser vistos à lupa pelo regulador. Embora tenha renunciado à administração dos CTT antes de ser proposto para o Santander, o antigo comissário europeu está nos órgãos sociais de outras 12 empresas, segundo dados dos registos comerciais a que o i teve acesso.
Além de advogado da Cuatrecasas, é presidente da mesa da assembleia-geral da Brisa e da EDP, onde também pertence ao conselho geral e de supervisão. É ainda gerente de uma empresa de consultoria, sócio de uma sociedade na Zona Franca da Madeira, está na Tabaqueira e noutras empresas.
Quadros do BdP avaliaram casos na CGD A inviabilização de oito nomes para a CGD e a análise à acumulação de cargos trouxe também algumas novidades sobre o processo de decisão.
Embora a avaliação da nova equipa tenha pertencido ao braço de supervisão do BCE, a legislação que não permitiu a acumulação de cargos é portuguesa – e dá ao Banco de Portugal poderes para atuar. “O Banco de Portugal pode autorizar os membros dos órgãos de administração e fiscalização abrangidos pelo disposto a acumular um cargo não executivo adicional”, lê-se na legislação.
Mas quem verifica se a legislação nacional está a ser cumprida? Com a entrada em vigor da supervisão única europeia pelo BCE, há agora um novo organismo de vigilância, o Mecanismo Único de Supervisão, que tem essa função.
E as análises aos bancos são feitas por equipas mistas, designadas como joint supervisory teams na expressão em inglês.
Estas equipas têm pessoal do BCE e também representantes de cada regulador nacional – no caso da CGD, houve técnicos do Banco de Portugal a avaliar a acumulação de cargos na Caixa, mas respondendo perante o conselho de supervisão do BCE.
Questionado pelo i, o Ministério das Finanças indica que o regulador português teve, de facto, um papel ativo na avaliação da acumulação de cargos na CGD. “O Banco de Portugal fez essa avaliação e foi essa avaliação que permitiu apurar as situações não conformes com o RGICSF. Nessa análise, o Banco de Portugal considerou seguramente a margem de flexibilidade que lhe atribui o RGICSF”, adiantou o gabinete de Mário Centeno.