Angola é nossa (e do Hélder Amaral)


O centrista conseguiu a proeza de provar que se chega a deputado sem saber distinguir naturalidade de nacionalidade


Relembremos dois pontos: (1) Paulo Portas foi trabalhar para uma das empresas portuguesas com maiores interesses em Angola seis dias depois de sair do parlamento; (2) as próximas eleições serão, ao mesmo tempo, o maior desafio e a maior oportunidade na história do CDS. As personalidades mais lúcidas do partido disseram-no há meses.

O segundo ponto é particularmente interessante, tendo em conta o histórico eleitoral do país. Se o Partido Socialista nunca ganhou eleições a fugir ao centro e o PSD de Passos Coelho prossegue demasiado desgastado, abre-se uma porta ao CDS.

Por outro lado, o único partido de centro-direita em Portugal com um passado mais eurocético é o CDS. No campo do arco da governação, seria interessante se Assunção Cristas não deixasse esse monopólio para o PS de António Costa. A popularidade de Cristas junto do eleitorado também lhe confere algum espaço de manobra, levando alguns a crer que pondera uma candidatura à Câmara de Lisboa. A equipa escolhida pela nova líder e a bênção entusiasmada de Nuno Melo pareciam bons sinais.

Desde o início que a grande questão em torno da mudança de presidência no CDS-PP se resume a uma pergunta: poderá crescer depois de Portas ou a personalização do partido tornou-se irremediável?

Longe do que se adivinhava, a sombra de Paulo Portas não tem sido política. 

O programa em que comenta na TVI restringe-se a assuntos internacionais. Ao contrário do que se passou quando José Ribeiro e Castro lhe sucedeu, não interfere em política doméstica. A maior ameaça de Portas a Assunção Cristas é, na verdade, uma sombra profissional.

Ao aceitar tão depressa convites do setor privado para consultoria em regiões como a América Latina – na qual teve forte presença enquanto ministro -, Portas prejudica a credibilidade do partido.

A ideia de que “são todos farinha do mesmo saco” transpareceu novamente esta semana. Portas foi convidado especial no sétimo congresso ordinário do MPLA, em Luanda. Pela primeira vez, o partido do presidente angolano convidou o CDS, tornando o Bloco de Esquerda a exceção na Assembleia da República.

Os bloquistas são os únicos a fugir ao beija-mão africano.

E foi aí que surgiu o episódio de Hélder Amaral, uma espécie de iconoclasta acidental da nossa direita contemporânea. Para o deputado centrista, “todos no CDS temos relações com o MPLA”, “uma curiosidade e uma obrigação”.Proteger os interesses dos milhares de portugueses que vivem em Angola e estabelecer relações cordiais com o seu governo é natural. Tanto Marcelo como Costa falharam nessa tarefa a partir do momento em que a sua intervenção no negócio entre BPI e Isabel dos Santos garantiu ameaças do MPLA aos portugueses que trabalham na ex-colónia.

Parece-me, por isso, fantástico que um deputado português venha elogiar este partido (”Angola está num momento de viragem e o desenvolvimento é grande”). Leva-me a crer que o regime angolano está a tornar-se para o CDS o que a Venezuela é para o Bloco: uma humilhação. Cada vez que falam nesses países, não podiam estar mais longe da realidade. “A nossa presidente é angolana”, informou Hélder Amaral.

Recebemos assim uma bela notícia. Em Portugal é possível chegar a dirigente partidário sem saber distinguir naturalidade de nacionalidade. Assunção Cristas nasceu em Angola, mas o seu país é Portugal. Vou voltar a repetir, sr. deputado. Portugal.

Não Angola nem Marte. Portugal. A sua presidente é portuguesa. Mesmo que o senhor goste de dizer que não é (“Tenho feito o caminho que muitos angolanos têm feito”). As afirmações foram de tal modo submissas que desvalorizam quem se diz português. Amaral conseguiu então algo incrível. Representa um partido de tradição conservadora e patriota, mas disse algo totalmente apátrida. E há meses que o seu partido condena o primeiro-ministro por uma solução de governo apoiada na extrema-esquerda, mas não hesitou em lamber as botas de um partido comunista.

“Foi-nos feito o convite e viemos a correr”, sorriu Hélder.

Se ele pagar votos perdidos com imperiais, convidem-me. S.f.f.​

 

 


Angola é nossa (e do Hélder Amaral)


O centrista conseguiu a proeza de provar que se chega a deputado sem saber distinguir naturalidade de nacionalidade


Relembremos dois pontos: (1) Paulo Portas foi trabalhar para uma das empresas portuguesas com maiores interesses em Angola seis dias depois de sair do parlamento; (2) as próximas eleições serão, ao mesmo tempo, o maior desafio e a maior oportunidade na história do CDS. As personalidades mais lúcidas do partido disseram-no há meses.

O segundo ponto é particularmente interessante, tendo em conta o histórico eleitoral do país. Se o Partido Socialista nunca ganhou eleições a fugir ao centro e o PSD de Passos Coelho prossegue demasiado desgastado, abre-se uma porta ao CDS.

Por outro lado, o único partido de centro-direita em Portugal com um passado mais eurocético é o CDS. No campo do arco da governação, seria interessante se Assunção Cristas não deixasse esse monopólio para o PS de António Costa. A popularidade de Cristas junto do eleitorado também lhe confere algum espaço de manobra, levando alguns a crer que pondera uma candidatura à Câmara de Lisboa. A equipa escolhida pela nova líder e a bênção entusiasmada de Nuno Melo pareciam bons sinais.

Desde o início que a grande questão em torno da mudança de presidência no CDS-PP se resume a uma pergunta: poderá crescer depois de Portas ou a personalização do partido tornou-se irremediável?

Longe do que se adivinhava, a sombra de Paulo Portas não tem sido política. 

O programa em que comenta na TVI restringe-se a assuntos internacionais. Ao contrário do que se passou quando José Ribeiro e Castro lhe sucedeu, não interfere em política doméstica. A maior ameaça de Portas a Assunção Cristas é, na verdade, uma sombra profissional.

Ao aceitar tão depressa convites do setor privado para consultoria em regiões como a América Latina – na qual teve forte presença enquanto ministro -, Portas prejudica a credibilidade do partido.

A ideia de que “são todos farinha do mesmo saco” transpareceu novamente esta semana. Portas foi convidado especial no sétimo congresso ordinário do MPLA, em Luanda. Pela primeira vez, o partido do presidente angolano convidou o CDS, tornando o Bloco de Esquerda a exceção na Assembleia da República.

Os bloquistas são os únicos a fugir ao beija-mão africano.

E foi aí que surgiu o episódio de Hélder Amaral, uma espécie de iconoclasta acidental da nossa direita contemporânea. Para o deputado centrista, “todos no CDS temos relações com o MPLA”, “uma curiosidade e uma obrigação”.Proteger os interesses dos milhares de portugueses que vivem em Angola e estabelecer relações cordiais com o seu governo é natural. Tanto Marcelo como Costa falharam nessa tarefa a partir do momento em que a sua intervenção no negócio entre BPI e Isabel dos Santos garantiu ameaças do MPLA aos portugueses que trabalham na ex-colónia.

Parece-me, por isso, fantástico que um deputado português venha elogiar este partido (”Angola está num momento de viragem e o desenvolvimento é grande”). Leva-me a crer que o regime angolano está a tornar-se para o CDS o que a Venezuela é para o Bloco: uma humilhação. Cada vez que falam nesses países, não podiam estar mais longe da realidade. “A nossa presidente é angolana”, informou Hélder Amaral.

Recebemos assim uma bela notícia. Em Portugal é possível chegar a dirigente partidário sem saber distinguir naturalidade de nacionalidade. Assunção Cristas nasceu em Angola, mas o seu país é Portugal. Vou voltar a repetir, sr. deputado. Portugal.

Não Angola nem Marte. Portugal. A sua presidente é portuguesa. Mesmo que o senhor goste de dizer que não é (“Tenho feito o caminho que muitos angolanos têm feito”). As afirmações foram de tal modo submissas que desvalorizam quem se diz português. Amaral conseguiu então algo incrível. Representa um partido de tradição conservadora e patriota, mas disse algo totalmente apátrida. E há meses que o seu partido condena o primeiro-ministro por uma solução de governo apoiada na extrema-esquerda, mas não hesitou em lamber as botas de um partido comunista.

“Foi-nos feito o convite e viemos a correr”, sorriu Hélder.

Se ele pagar votos perdidos com imperiais, convidem-me. S.f.f.​