Cátia Azevedo. “Quando soube que ia ao Rio fiquei dois dias sem dormir. Não acreditei”

Cátia Azevedo. “Quando soube que ia ao Rio fiquei dois dias sem dormir. Não acreditei”


A atleta portuguesa vai correr pela primeira vez nos 400 metros femininos de uns Jogos Olímpicos. Amanhã será mais uma das portuguesas em prova


Não é fácil apanhar Cátia Azevedo no facebook. É normal, tal como os outros 91 portugueses que estão a representar as cores nacionais nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, há pouco tempo para falar com alguém fora da Aldeia Olímpica. Mas a especialista em 400 metros femininos – não fosse ela  a recordista nacional (51.63 segundos) depois do meeting de Madrid que lhe deu os mínimos para o Brasil – é uma das 54  da delegação de Portugal que se estreia no maior evento desportivo do mundo e, por isso, aceitou falar com o i para explicar o que é isto de esta em cerimónias de abertura, tirar fotografias com Michael Phelps e de ver crianças "a correrem com papagaios brancos". Tivemos sorte claro, Cátia, uma futura enfermeira, está longe, com "ganância de dar o melhor" e não correu connosco. Literalmente.

É a primeira vez da Cátia nuns Jogos Olímpicos, onde esteve presente na cerimónia de abertura, que apelidou de “indescritível”. Agora já consegue descrever-me essa cerimónia?
Antes de viajar para o Rio de Janeiro a frase que mais me disseram foi "Aproveita bem esta tua primeira experiência porque será para sempre única", e realmente tem sido. A cerimónia de abertura foi fenomenal, a parte inicial não tivemos possibilidade de ver ao vivo, mas a parte final foi arrepiante. São minutos em que nós estamos êxtase  e a gravar o máximo que podemos nas nossas memórias. Desde as crianças a correrem com papagaios brancos, as "tradicionais"  escolas de samba ou a passagem da tocha olímpica, foi tudo de uma beleza extrema. E do meu ponto visto, a cerimónia de abertura foi perfeita.

Está desde dia 3 nos Jogos Olímpicos. Como é que têm sido esses dias antes de entrar na prova dos 400 metros femininos, no próximo dia 13?
Os dias têm sido preenchidos, entre treinos ou recuperação. Mas fundamentalmente têm sido importantes para nos adaptarmos tanto a humidade como ao jet leg. 

Os problemas da aldeia olímpica, das várias estruturas e da insegurança, é algo que pode confirmar? E se é algo que a preocupa também, agora que pode ver com os seus olhos.
No que diz respeito à insegurança têm havido alguns relatos, mas nada de concreto. Quanto aos problemas a aldeia olímpica existe alguma desorganização, mas nada de grave e que implique o nosso máximo desempenho. Tal como já tinha referido, no meu ponto visto, não vejo nada de preocupante a acontecer.

Já encontrou algum atleta famoso que gostava muito de encontrar. Falou com ele?
É quase impossível, não sairmos à rua e não vermos alguém famoso pois aqui estão os melhores de todo o mundo. Mas sim tive a oportunidade de ver o Usain Bolt a treinar, mas infelizmente não consegui fotografar o momento porque estava também a treinar, mas consegui uma fotografia com o Michael Phelps antes da cerimónia de abertura. 

O convívio com os outros atletas portugueses também deve ser regular. Com quem se tem dado mais? Algum episódio que possa já partilhar?
Têm sido fantástico o nosso convívio. As nossas refeições têm sempre pessoas de diferentes modalidades à mesa, e assim existem diferentes histórias diferentes. Temos uma comitiva muito unida.

Esteve também ao lado de Rosa Mota, uma das nossas medalhadas e referência nacional no atletismo português. Como foi?
A Rosa Mota é um dos atletas que mais admiro, tanto pelos seus enormes feitos como pessoa sua humildade e simpatia.  Ela transmite-me imensa energia e tranquilidade.

Falando em referências do atletismo, Moniz Pereira, o “Sr Atletismo”, morreu este mês.Que memória guarda do seu legado? Alguma vez se cruzou com ele?
O Professor Moniz Pereira foi um senhor que eu graças a Deus tive a oportunidade de privar e de ainda ser "avaliada" por ele. Lembro-me da sua visão tão certeira sobre o futuro de cada atleta que ele observava e lembro-me da sua inabalável organização e dedicação ao atletismo e ao Sporting Clube de Portugal. Ele era um ser apaixonante e deixou sem margem para dúvidas a sua marca quer no atletismo, que no Sporting Clube de Portugal. E vai deixar imensas saudades.

O Sporting é o clube que representa, onde está desde 2008. Foi influência dos tios e em homenagem ao seu avô, que era adepto ferrenho dos leões. Conte-me um pouco dessa relação com o clube e que importância teve a sua família na altura de optar pelo clube de Alvalade. Sei que com apenas 13 anos aceitou o convite do Sporting, tendo sido difícil deixar os pais em Oliveira de Azeméis. Fale-me um pouco dessa ligação.
Na altura apesar de ser uma benfiquista, ouvi as vontades do meu avô  (que era sportinguista ferrenho) e do meu pai. E ainda bem, o Sporting tem sido a melhor escola de Atletismo do país. E entretanto para felicidade dos meus familiares, tornei-me numa sportinguista ferrenha. 

Como é que apareceu o atletismo na sua vida? Sei que preferia a ginástica, como se deu a mudança?
Tudo começou no ensino básico, quando comecei a ganhar os corta-matos, e então o senhor José Pinho (seria o meu primeiro treinador) convidou me para ingressar no meu primeiro clube Núcleo de Atletismo de Cucujães e apesar de no primeiro ano os meus pais não aceitaram muito a idéia de eu trocar a ginástica pelo atletismo. Mas passado um ano e após ter vencido mais um corta-mato escolar, convenci os meus pais a ir somente experimentar e assim começou!

Disse uma vez numa entrevista ao jornal  "Público" que é “muito aventureira”. O que queria dizer com isso?
Nesse momento arriscava sem pensar nas consequências, não tinha medo. Agora sou mais calculista. E tenho mais receios.

Há três anos tinha 17 anos, se não me engano, dizia que gostava de sair à noite, que inveja os outros adolescentes por terem mais tempo para estudar. Três anos depois, tem tempo para isso? E ainda continua a invejá-los?
Sim, embora de uma maneira mais ciente do que é benéfico para mim e para o meu futuro.
Mas contínuo sem tempo para sair pois o desporto é completamente incompatível com as saídas nocturnas. Quanto aos estudos já consigo me organizar mais e ter mais tempo para estudar.   

Ainda “adora estudar”? Que carreira profissional quer seguir (segundo li foi Enfermagem)? Acha que vai ter de largar o atletismo?
Neste momento estou apaixonada pelo meu curso, e tenho conseguido de uma forma razoável conciliar o curso com o desporto. Mas confesso que não consigo "viver" sem estes dois sonhos no meu dia-a-dia, e tenho consigo conciliá-los.

E disse também que vai ter de sair do país. Para onde gostaria de ir? E se conseguisse ligar a carreira com o atletismo, que país escolheria?
Quanto ao futuro, primeiro ainda como estudante gostaria de fortalecer a minha licenciatura com outros cursos alternativos. Depois de terminar o meu curso adorava ajudar os mais necessitados, de forma a aprender a cuidar com cuidados básicos minímos.

Desde então, tem somado alguns resultados importantes, assumindo-se como especialista nos 400 metros femininos, onde tem títulos de campeã nacional. Qualificou-se até para o Rio batendo o recorde nacional (51.63 segundos) em Madrid. Qual foi o momento mais importante da sua carreira?
Esse exacto momento. Senti me extremamente feliz e realizada.

O facto de viver sozinha, de ser muito disciplinada com o seu treino é o “segredo” das suas conquistas?
 Sim. Existe uma maior organização e consequentemente menos momentos de stress. O que acaba por aumentar o nosso desempenho.

E como é que celebrou essa qualificação estando no país de “nuestros  hermanos”?
Não acreditava no que estava a acontecer. Mas festejei imenso, andei dois dias sem conseguir dormir como deve ser.

Agora está nos Jogos Olímpicos. Valeu a pena não ter saído tanta a noite e ter aprendido sozinha a ser disciplinada, ou não?
 Completamente. Este palco é a razão de todo o nosso sofrimento, privações etc  . É para isto que nós treinamos.

Qual seria um bom resultado no Rio’16? Disse que “ não gosta de competir”, prefere treinar. Mas no Brasil terá mesmo de o fazer.
 Neste momento sinto me mais madura no que diz respeito à competição. E assim entrarei naquele enorme palco, com a ganância de dar e demonstrar o meu melhor.