O tema tristemente fácil dos incêndios


Com maior ou menor grau de gravidade, o verão potencia os riscos e dá expressão a uma realidade que, no essencial e nos entretantos, é quase esquecida por quem tem de decidir. Brincar com o fogo é também o chumbo pelo governo da entrada de 800 novos agentes da PSP


Este é um momento em que todos elogiam o trabalho das mulheres e dos homens que servem nos bombeiros voluntários e nas restantes instituições do dispositivo de proteção civil, mas quantos nos restantes 364 dias do ano se levantam quando há dificuldades financeiras nas associações de bombeiros, quando lhes são retiradas algumas pequenas compensações pelo trabalho cívico que desempenham, como aconteceu com a retirada da isenção de taxas moderadoras pelo anterior governo, ou quando não se investe de forma sustentada nos equipamentos de proteção individual e nos meios operacionais? 

Estes homens e mulheres são credores da nossa gratidão, mas ela não se pode cingir às palavras de circunstância quando o calor aperta. Tem de haver uma estratégia sustentada de investimento na prevenção e no combate que, por exemplo, mobilize para um consenso nacional todas as forças políticas, com estabilidade nas opções políticas e com recursos financeiros, de forma permanente e sustentada. E com atenção social para a formação e a sensibilização da população para os riscos que existem no território e na sociedade.

Mas tem de haver consequência no reconhecimento público pelo impulso cívico das mulheres e dos homens que combatem nos incêndios ou que zelam diariamente pela nossa segurança. Em que estado estão as famílias dos que faleceram em combate ou os bombeiros que ficaram condicionados para a vida pelos ferimentos recebidos nas frentes de luta contra os incêndios ou nos trajetos de e para os locais das ocorrências?

Como em tudo, quando o mediatismo e a realidade despertam a nossa atenção, tendemos a esquecer que há um antes, um durante e um depois, mas quem decide não pode deixar de ter isso presente. Por muito que se possa fazer de imediato na mudança dos paradigmas das opções em matéria de ordenamento do território e, em particular, da floresta, há uma realidade instalada e edificada e um enorme passivo de laxismo, de imobilismo e de falta de investimento na prevenção, na valorização da floresta e nas condições operacionais.

Combater o laxismo e o imobilismo é criar condições para que os proprietários, em alguns casos o Estado, encarem as manchas florestais ou os cobertos vegetais como espaços em que vale a pena intervir, na prevenção ou na sua exploração; é reverter a deriva de abandono do território do interior despovoado, envelhecido e sem o sentido de valorização do mundo rural.

Combater a falta de investimento é perceber que há uma crise financeira profunda em muitas associações de bombeiros voluntários, que há uma crise do voluntariado determinada pela falta de atratividade da função e pela precariedade do mercado laboral, e que o Estado e a comunidade devem assegurar em cada ano um conjunto de recursos que não variem em função de humores dos decisores ou de mudanças políticas.

É perceber que, se queremos mudar de referências, numa visita à Autoridade Nacional de Proteção Civil sobre o estado dos incêndios, o primeiro-ministro deve fazer-se acompanhar, para além da ministra da Administração Interna, pelos ministros responsáveis pelo Planeamento, pela Agricultura e Florestas e pelo Ambiente. Ou alguém tem dúvidas da sua importância para o tema dos incêndios florestais?

É perceber que muito pode ter sido mudado há dez anos, na sequência de uma onda de ocorrências graves em incêndios florestais, mas não foi garantida a sustentabilidade das mudanças; há desequilíbrios que foram gerados pela realidade e pelas opções políticas, por exemplo com a não designação dos governadores civis; e o interesse público não foi devidamente acutelado com sistemas como o SIRESP, muito favoráveis a quem sustenta a rede e a quem tem o duopólio do fornecimento de equipamentos sem cobertura integral do território nacional, em meio urbano e em espaço rural. Aqui como noutros setores, poderá haver sempre muito negócio, mas o importante é não perder o azimute da defesa do interesse público e da salvaguarda das vidas e dos bens. 

Em 2011, o Governo Civil de Lisboa tinha um orçamento anual na ordem dos 5 milhões de euros, dos quais apenas 500 mil eram oriundos do Orçamento de Estado; o restante provinha de receitas próprias geradas. Com esse orçamento investia-se anualmente mais de 500 mil euros em proteção individual dos bombeiros e adquiriram-se veículos para a segurança de proximidade desenvolvida pela PSP e pela GNR. Alguém assumiu esse papel de aposta na proteção civil e na segurança dos cidadãos em complemento ao Estado central e às autarquias?

Como é possível existirem em Portugal situações como a dos submarinos, dos blindados Pandur ou dos helicópteros de combate a incêndios florestais Kamov sem que ninguém seja responsabilizado pelas opções políticas tomadas em nosso nome?

Uma vez mais, este é o tempo de lamentar as perdas e de exaltar a coragem inspiradora das mulheres e dos homens que servem nos bombeiros voluntários e no restante dispositivo de proteção civil, a sensibilidade política e o investimento de muitas autarquias locais presentes onde o Estado central se retraiu e o trabalho desenvolvido pelo Comando Nacional de Operações de Socorro, pelos comandantes dos agrupamentos distritais, pelos comandantes distritais, pelos comandantes municipais e pelos comandantes das corporações de bombeiros.
Brincar com o fogo, na linha do que tem sido feito na proteção civil e na segurança em matéria de sustentabilidade da capacidade operacional dos recursos humanos e materiais disponíveis, é o chumbo do governo PS, apoiado pelo BE, PCP e PEV, à abertura do concurso para a formação de 800 novos agentes da PSP, 500 dos quais estavam já em pré-formação. Só serão admitidos 300 quando é manifesto o envelhecimento do efetivo, para não falar do ânimo existente com as condições. São estes os 364 dias que importam; depois, não há milagres e não se queixem. Para colher é preciso semear.

Escreve à quinta-feira


O tema tristemente fácil dos incêndios


Com maior ou menor grau de gravidade, o verão potencia os riscos e dá expressão a uma realidade que, no essencial e nos entretantos, é quase esquecida por quem tem de decidir. Brincar com o fogo é também o chumbo pelo governo da entrada de 800 novos agentes da PSP


Este é um momento em que todos elogiam o trabalho das mulheres e dos homens que servem nos bombeiros voluntários e nas restantes instituições do dispositivo de proteção civil, mas quantos nos restantes 364 dias do ano se levantam quando há dificuldades financeiras nas associações de bombeiros, quando lhes são retiradas algumas pequenas compensações pelo trabalho cívico que desempenham, como aconteceu com a retirada da isenção de taxas moderadoras pelo anterior governo, ou quando não se investe de forma sustentada nos equipamentos de proteção individual e nos meios operacionais? 

Estes homens e mulheres são credores da nossa gratidão, mas ela não se pode cingir às palavras de circunstância quando o calor aperta. Tem de haver uma estratégia sustentada de investimento na prevenção e no combate que, por exemplo, mobilize para um consenso nacional todas as forças políticas, com estabilidade nas opções políticas e com recursos financeiros, de forma permanente e sustentada. E com atenção social para a formação e a sensibilização da população para os riscos que existem no território e na sociedade.

Mas tem de haver consequência no reconhecimento público pelo impulso cívico das mulheres e dos homens que combatem nos incêndios ou que zelam diariamente pela nossa segurança. Em que estado estão as famílias dos que faleceram em combate ou os bombeiros que ficaram condicionados para a vida pelos ferimentos recebidos nas frentes de luta contra os incêndios ou nos trajetos de e para os locais das ocorrências?

Como em tudo, quando o mediatismo e a realidade despertam a nossa atenção, tendemos a esquecer que há um antes, um durante e um depois, mas quem decide não pode deixar de ter isso presente. Por muito que se possa fazer de imediato na mudança dos paradigmas das opções em matéria de ordenamento do território e, em particular, da floresta, há uma realidade instalada e edificada e um enorme passivo de laxismo, de imobilismo e de falta de investimento na prevenção, na valorização da floresta e nas condições operacionais.

Combater o laxismo e o imobilismo é criar condições para que os proprietários, em alguns casos o Estado, encarem as manchas florestais ou os cobertos vegetais como espaços em que vale a pena intervir, na prevenção ou na sua exploração; é reverter a deriva de abandono do território do interior despovoado, envelhecido e sem o sentido de valorização do mundo rural.

Combater a falta de investimento é perceber que há uma crise financeira profunda em muitas associações de bombeiros voluntários, que há uma crise do voluntariado determinada pela falta de atratividade da função e pela precariedade do mercado laboral, e que o Estado e a comunidade devem assegurar em cada ano um conjunto de recursos que não variem em função de humores dos decisores ou de mudanças políticas.

É perceber que, se queremos mudar de referências, numa visita à Autoridade Nacional de Proteção Civil sobre o estado dos incêndios, o primeiro-ministro deve fazer-se acompanhar, para além da ministra da Administração Interna, pelos ministros responsáveis pelo Planeamento, pela Agricultura e Florestas e pelo Ambiente. Ou alguém tem dúvidas da sua importância para o tema dos incêndios florestais?

É perceber que muito pode ter sido mudado há dez anos, na sequência de uma onda de ocorrências graves em incêndios florestais, mas não foi garantida a sustentabilidade das mudanças; há desequilíbrios que foram gerados pela realidade e pelas opções políticas, por exemplo com a não designação dos governadores civis; e o interesse público não foi devidamente acutelado com sistemas como o SIRESP, muito favoráveis a quem sustenta a rede e a quem tem o duopólio do fornecimento de equipamentos sem cobertura integral do território nacional, em meio urbano e em espaço rural. Aqui como noutros setores, poderá haver sempre muito negócio, mas o importante é não perder o azimute da defesa do interesse público e da salvaguarda das vidas e dos bens. 

Em 2011, o Governo Civil de Lisboa tinha um orçamento anual na ordem dos 5 milhões de euros, dos quais apenas 500 mil eram oriundos do Orçamento de Estado; o restante provinha de receitas próprias geradas. Com esse orçamento investia-se anualmente mais de 500 mil euros em proteção individual dos bombeiros e adquiriram-se veículos para a segurança de proximidade desenvolvida pela PSP e pela GNR. Alguém assumiu esse papel de aposta na proteção civil e na segurança dos cidadãos em complemento ao Estado central e às autarquias?

Como é possível existirem em Portugal situações como a dos submarinos, dos blindados Pandur ou dos helicópteros de combate a incêndios florestais Kamov sem que ninguém seja responsabilizado pelas opções políticas tomadas em nosso nome?

Uma vez mais, este é o tempo de lamentar as perdas e de exaltar a coragem inspiradora das mulheres e dos homens que servem nos bombeiros voluntários e no restante dispositivo de proteção civil, a sensibilidade política e o investimento de muitas autarquias locais presentes onde o Estado central se retraiu e o trabalho desenvolvido pelo Comando Nacional de Operações de Socorro, pelos comandantes dos agrupamentos distritais, pelos comandantes distritais, pelos comandantes municipais e pelos comandantes das corporações de bombeiros.
Brincar com o fogo, na linha do que tem sido feito na proteção civil e na segurança em matéria de sustentabilidade da capacidade operacional dos recursos humanos e materiais disponíveis, é o chumbo do governo PS, apoiado pelo BE, PCP e PEV, à abertura do concurso para a formação de 800 novos agentes da PSP, 500 dos quais estavam já em pré-formação. Só serão admitidos 300 quando é manifesto o envelhecimento do efetivo, para não falar do ânimo existente com as condições. São estes os 364 dias que importam; depois, não há milagres e não se queixem. Para colher é preciso semear.

Escreve à quinta-feira