A acumulação de poder, nomeadamente nas áreas económica e financeira, raramente traz bons resultados ao coletivo.
O exemplo mais recente foi o de Ricardo Salgado, detentor de um poder gigantesco e não escrutinado na sociedade portuguesa, influenciando dezenas de negócios, pondo e dispondo em quase todos. E foi sempre assim até que tudo ruiu, começando no próprio BES, que arrastou uma larga quantidade de empresas, nomeadamente a PT, que chegou a ser a joia da coroa da nossa economia.
Sendo o exemplo de Salgado um paradigma, não vale a pena ir buscar outros. Mas a situação passada justifica uma reflexão sobre a necessidade de evitar a concentração de poder numa única pessoa ou num núcleo restrito, como eventualmente podemos estar a assistir a partir do BPI.
Artur Santos Silva, figura reconhecida pela sua grande competência e seriedade republicana, já herdada do pai, acumula neste momento a sua ligação ao BPI como presidente do conselho de administração (função não executiva mas de grande relevância) e a presidência da Gulbenkian, sendo objetivamente o homem forte das duas instituições e, portanto, de todo o universo que elas abrangem.
A isso junta-se agora a migração de um conjunto dos seus colaboradores diretos no BPI para liderarem a Caixa Geral de Depósitos (CGD), num processo que, aliás, tem tido muito pouca transparência por parte do governo, a quem compete indicar os nomes, antes de os submeter ao BCE.
Nesse contexto torna-se desejável, desde logo, conhecer com clareza que tipo de vínculos é que três dos executivos que transitam diretamente do BPI para a CGD vão manter com a sua casa de origem.
Sobre o presidente indigitado, não há dúvidas. António Domingues reformou–se para poder passar de uma instituição para a outra. Resta saber quem paga essa pensão e se ela é, eventualmente, formada com fundos do BPI, o que criaria uma dependência diferente do que seria uma reforma da Segurança Social, se esta fosse suscetível de ser recebida por quem estivesse simultaneamente como executivo na CGD. Dito isto, convém esclarecer que, sendo tudo legal, o direito à pensão, esse, é inquestionável, independentemente de montantes.
Quanto a outros três elementos executivos, Emídio Pinheiro, Tiago Marques e João Martins, sendo todos funcionários do BPI (segundo o “Expresso”), é desejável esclarecer antes da tomada de posse se rompem de vez os vínculos com a empresa de origem ou se mantêm algum tipo de relação suspensa com ela. É que uma coisa é um elemento de um banco ir pontualmente para outro e voltar à base. Situação totalmente diferente é uma espécie de migração coletiva para tomar conta de outra instituição ao jeito da resultante de uma OPA que, neste caso, até terá de ser paga pelos contribuintes com vários milhares de milhões. Estas pessoas trabalharam para o BPI e, portanto, para Santos Silva, que assim vê quadros superiores da sua organização irem gerir o quotidiano do banco do Estado, seu concorrente.
Faz-se notar que está ainda indigitado para vice-presidente não executivo da CGD a figura de Rui Vilar, que já presidiu à Caixa e que também esteve à frente dos destinos da Gulbenkian, à qual continua ligado como vice-presidente. Vilar é um economista e político reconhecido que recentemente surpreendeu toda a gente ao ser o escolhido por António Costa para elogiar Mário Soares no discurso de homenagem aos 40 anos do seu primeiro governo, o qual integrou.
Do ponto de vista formal pode até não haver nada a apontar a isto tudo, mas é lícita a opinião de que pode existir aqui um excesso de coincidências e de convergências, a que se junta ainda a circunstância de Cabral Menezes, na Caixa já há uns anos, e Paulo Silva, outros dois futuros executivos da CGD, também terem passado pelo BPI com funções relevantes.
Também cabe questionar no contexto da CGD se a moda de ir buscar uma mão- -cheia de grandes empresários para não executivos é compatível com a permanência dessas empresas como grandes clientes. Isto para não falar do conhecimento que terão dos créditos dos seus concorrentes. Obviamente que perguntar não pode ofender e que tudo isto será certamente esclarecido e validado pelo BCE. Se não for, então terá de se repensar e explicar esta intrincada solução avançada para a Caixa.
Para encerrar o tema CGD, talvez seja este o tempo para a comissão parlamentar de inquérito (CPI) esclarecer por quanto, afinal, é que foram vendidos, por pressão da troika e dos nossos neoliberais, os hospitais que integravam a HPP que pertenciam ao banco do Estado. Os montantes concretos do negócio são uma incógnita. Mas há duas coisas que se sabem. Uma é que a empresa compradora, a AMIL, de capitais brasileiros, foi adquirida logo de seguida pela americana UnitedHealth. A segunda é que uma das unidades envolvidas na transação foi o hospital de Cascais, onde nem tudo funciona como seria exigível. Um tema que a CPI bem pode desenvolver, ouvindo designadamente vendedores, compradores e, claro, os intermediários.