O Sol brilha ao IMI, pela calada


Mais um aumento de impostos. É o “virar da página da austeridade” em todo o seu esplendor. Justiça fiscal era agravarem o IMI dos imóveis adquiridos através de offshores ou de outros esquemas, mas isso dava trabalho e era pedir demais


Galgados os quilómetros que separam o paraíso de verão da praia do Almograve da ambiência urbana de Caldas da Rainha ou de Lisboa, chega-se ao ritmo certo do Litoral Alentejano, à desconstrução das rotinas diárias e ao descanso que respira sentido de vida e tempo para a família. Lá fora, ao longe, as notícias que subsistem ao calor de verão, têm os traços de sempre: os suores da silly season, os rescaldos do ano político-económico encavalitados nas narrativas de quem está no poder e nos arremessos da oposição e a realidade da vida das pessoas, das empresas e dos territórios. Aqui o acessório é remetido para a sua verdadeira dimensão e a centralidade das relações, dos humores e dos sentidos ganham um suplemento de alma. É assim a capacidade revigorante deste Alentejo entre Lisboa e a agitação do Algarve. 

Alentejo e Algarve que partilham a miserável ameaça da prospecção de petróleo, herdada do governo PSD/CDS, e a boa onda do turismo, impulsionada pela procura nacional e pelo mercado internacional redirecionada em muito pela insegurança e pelo terrorismo de outras paragens. Ao longo dos últimos anos ouvimos, com insistência, os alertas do presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF), Acácio Pereira, sobre a falta de investimento nos recursos humanos e nos meios materiais de um órgão de polícia criminal fundamental para o Estado de Direito Português. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), apesar das condicionantes logístico-operacionais, tem uma importância real para a nossa vida e para o ambiente socioeconómico muito superior à perceção que a generalidade dos portugueses tem deste pilar da segurança nacional. Considerando a ameaça global do terrorismo e a relevância económica e estratégica da segurança, é muito grave o que aconteceu no Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa, envolvendo passageiros de um voo procedente da Argélia.

Em condições normais, por ação ou por omissão, e depois das evidentes contradições das versões, alguém tinha assumido as responsabilidades políticas pela situação, mas, uma vez mais, a irresponsabilidade morreu solteira. Continuar a brincar com o fogo só pode acabar mal. A distância entre o discurso político e a realidade tem de ser encurtada. E rapidamente. E a Europa, apesar das ocorrências trágicas, não está melhor.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, até há pouco abocanhado pela Esquerda pelas políticas e pelo offshore do Luxemburgo, agora reconvertido em boa referência após a novela das sanções, anunciou a intenção de nomear de novo um britânico para comissário europeu para a Segurança, que tem a seu cargo a luta contra o terrorismo e o crime organizado. Isto é, num pilar estrutural a exigir uma estratégia e medidas tão eficazes quanto possível, o protagonista é alguém que está com um pé fora do projeto europeu.

Absorvidos pelo calor que se instalou, pela aconselhada moderada exposição solar, com água do mar mais quente que o normal e com os pés na areia somos surpreendidos, pela calada, pela publicação em Diário da República de um denominado exercício de “justiça fiscal” da maioria PS, PCP, BE e PEV. Uma alteração de um dos coeficientes da avaliação dos imóveis utilizados na definição do Imposto Municipal sobre Imóveis. Mais um aumento de impostos, para os novos imóveis e para os antigos quando houver avaliação. É o “virar de página da austeridade” no seu esplendor. Fustigue-se a burguesia capitalista pela ousadia de terem casas com boa exposição solar ou boas vistas. “Justiça fiscal” era agravarem o IMI dos imóveis adquiridos através de offshores ou de outros esquemas usados para não pagarem o que devem, mas isso dava trabalho e era pedir demais. Não deixa de ser caricato que, depois de anos, a sublinhar a importância de se aproveitar a boa exposição solar nas edificações e de estarem em curso apoios financeiros comunitários para a eficiência energética, o Estado resolva penalizar a exposição solar e as vistas, na prosseguida ânsia de continuar a arrebanhar receita. Considerando que no final do primeiro semestre de 2016, a dívida pública situou-se em 240 mil milhões de euros, aumentando 2,4 mil milhões de euros relativamente a maio, e que as alegadas folgas orçamentais são cada vez mais residuais, não será difícil imaginar a sofreguidão da procura de novas fontes de receita similares, tão ridículas ou eivadas de “justiça fiscal” como estas: tributação do volume de ar consumido, com desagravamento em caso de exercício físico; pesagem antes e depois de ida à praia para tributação sobre a quantidade de areia transportada do areal; tributação das aleivosias insultuosas que povoam os comentários online dos órgãos de comunicação e as redes sociais ou a taxação das publicações nas redes sociais em que sejam mencionados ou retratados edificados ou territórios propriedade do Estado português. Reconduzido à pacatez do ritmo certo de Almograve e do Baixo Alentejo, aproveito na plenitude o que ainda não está ao alcance da criatividade tributária de quem passou a ideia de que havia chapéu ou cobertor para tudo e agora, confrontado com as insuficiências, age como sempre. Enquanto houver esta paisagem, estas praias e este esplendor não tributado do pensamento livre, dos sentimentos e dos remédios de alma, o melhor é mesmo manter os pés na areia entremeados por mergulhos num mar único. “Olha à Bola de Berlim!”, ouve-se ao fundo da praia. Se Merkel e Schäuble sabem ainda mandam tributar a referência germânica na bola que ganha outro gosto na praia. É que para obter receita parece valer quase tudo. Cá como lá. Como dizia António Costa nos idos de 2014, “Não tenhamos dúvidas: se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou”. Escreve à quinta-feira

 

 

 


O Sol brilha ao IMI, pela calada


Mais um aumento de impostos. É o “virar da página da austeridade” em todo o seu esplendor. Justiça fiscal era agravarem o IMI dos imóveis adquiridos através de offshores ou de outros esquemas, mas isso dava trabalho e era pedir demais


Galgados os quilómetros que separam o paraíso de verão da praia do Almograve da ambiência urbana de Caldas da Rainha ou de Lisboa, chega-se ao ritmo certo do Litoral Alentejano, à desconstrução das rotinas diárias e ao descanso que respira sentido de vida e tempo para a família. Lá fora, ao longe, as notícias que subsistem ao calor de verão, têm os traços de sempre: os suores da silly season, os rescaldos do ano político-económico encavalitados nas narrativas de quem está no poder e nos arremessos da oposição e a realidade da vida das pessoas, das empresas e dos territórios. Aqui o acessório é remetido para a sua verdadeira dimensão e a centralidade das relações, dos humores e dos sentidos ganham um suplemento de alma. É assim a capacidade revigorante deste Alentejo entre Lisboa e a agitação do Algarve. 

Alentejo e Algarve que partilham a miserável ameaça da prospecção de petróleo, herdada do governo PSD/CDS, e a boa onda do turismo, impulsionada pela procura nacional e pelo mercado internacional redirecionada em muito pela insegurança e pelo terrorismo de outras paragens. Ao longo dos últimos anos ouvimos, com insistência, os alertas do presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF), Acácio Pereira, sobre a falta de investimento nos recursos humanos e nos meios materiais de um órgão de polícia criminal fundamental para o Estado de Direito Português. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), apesar das condicionantes logístico-operacionais, tem uma importância real para a nossa vida e para o ambiente socioeconómico muito superior à perceção que a generalidade dos portugueses tem deste pilar da segurança nacional. Considerando a ameaça global do terrorismo e a relevância económica e estratégica da segurança, é muito grave o que aconteceu no Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa, envolvendo passageiros de um voo procedente da Argélia.

Em condições normais, por ação ou por omissão, e depois das evidentes contradições das versões, alguém tinha assumido as responsabilidades políticas pela situação, mas, uma vez mais, a irresponsabilidade morreu solteira. Continuar a brincar com o fogo só pode acabar mal. A distância entre o discurso político e a realidade tem de ser encurtada. E rapidamente. E a Europa, apesar das ocorrências trágicas, não está melhor.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, até há pouco abocanhado pela Esquerda pelas políticas e pelo offshore do Luxemburgo, agora reconvertido em boa referência após a novela das sanções, anunciou a intenção de nomear de novo um britânico para comissário europeu para a Segurança, que tem a seu cargo a luta contra o terrorismo e o crime organizado. Isto é, num pilar estrutural a exigir uma estratégia e medidas tão eficazes quanto possível, o protagonista é alguém que está com um pé fora do projeto europeu.

Absorvidos pelo calor que se instalou, pela aconselhada moderada exposição solar, com água do mar mais quente que o normal e com os pés na areia somos surpreendidos, pela calada, pela publicação em Diário da República de um denominado exercício de “justiça fiscal” da maioria PS, PCP, BE e PEV. Uma alteração de um dos coeficientes da avaliação dos imóveis utilizados na definição do Imposto Municipal sobre Imóveis. Mais um aumento de impostos, para os novos imóveis e para os antigos quando houver avaliação. É o “virar de página da austeridade” no seu esplendor. Fustigue-se a burguesia capitalista pela ousadia de terem casas com boa exposição solar ou boas vistas. “Justiça fiscal” era agravarem o IMI dos imóveis adquiridos através de offshores ou de outros esquemas usados para não pagarem o que devem, mas isso dava trabalho e era pedir demais. Não deixa de ser caricato que, depois de anos, a sublinhar a importância de se aproveitar a boa exposição solar nas edificações e de estarem em curso apoios financeiros comunitários para a eficiência energética, o Estado resolva penalizar a exposição solar e as vistas, na prosseguida ânsia de continuar a arrebanhar receita. Considerando que no final do primeiro semestre de 2016, a dívida pública situou-se em 240 mil milhões de euros, aumentando 2,4 mil milhões de euros relativamente a maio, e que as alegadas folgas orçamentais são cada vez mais residuais, não será difícil imaginar a sofreguidão da procura de novas fontes de receita similares, tão ridículas ou eivadas de “justiça fiscal” como estas: tributação do volume de ar consumido, com desagravamento em caso de exercício físico; pesagem antes e depois de ida à praia para tributação sobre a quantidade de areia transportada do areal; tributação das aleivosias insultuosas que povoam os comentários online dos órgãos de comunicação e as redes sociais ou a taxação das publicações nas redes sociais em que sejam mencionados ou retratados edificados ou territórios propriedade do Estado português. Reconduzido à pacatez do ritmo certo de Almograve e do Baixo Alentejo, aproveito na plenitude o que ainda não está ao alcance da criatividade tributária de quem passou a ideia de que havia chapéu ou cobertor para tudo e agora, confrontado com as insuficiências, age como sempre. Enquanto houver esta paisagem, estas praias e este esplendor não tributado do pensamento livre, dos sentimentos e dos remédios de alma, o melhor é mesmo manter os pés na areia entremeados por mergulhos num mar único. “Olha à Bola de Berlim!”, ouve-se ao fundo da praia. Se Merkel e Schäuble sabem ainda mandam tributar a referência germânica na bola que ganha outro gosto na praia. É que para obter receita parece valer quase tudo. Cá como lá. Como dizia António Costa nos idos de 2014, “Não tenhamos dúvidas: se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou”. Escreve à quinta-feira