A batalha em torno dos contratos de associação, que opõe o Ministério da Educação aos colégios privados, já passou para o campo da Justiça, arrastando para os tribunais as desconfianças e as visões parciais que já existiam fora deles. Diariamente têm surgido notícias de alegadas incompatibilidades de magistrados que decidem a favor ou contra as providências cautelares interpostas pelos colégios privados. E cada uma dessas notícias significa que nos tribunais dá entrada um novo “incidente de suspeição”, um mecanismo legal que pode ser usado quando existem sérias desconfianças de que o magistrado não é imparcial.
No início da semana, o foco mediático foi apontado ao magistrado Tiago Lopes Miranda do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, que decidiu a favor de dois colégios privados – o Centro de Estudos Educativos de Ançã e o Centro de Desenvolvimento Educativo de Cantanhede.
Ontem as atenções voltaram-se para a juíza Eliana Pinto, do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, que não aceitou a providência cautelar interposta pelo Colégio Senhor do Milagres, dando assim razão à decisão do governo de condicionar os apoios financeiros a áreas geográficas não cobertas pela rede de ensino público.
No primeiro caso, estava em causa o facto de o juiz Tiago Lopes Miranda ter uma filha a frequentar um colégio com contrato de associação e de no passado ter entrado na Justiça, enquanto cidadão contra o Ministério da Educação. Quanto ao segundo caso as suspeitas levantadas sobre a juíza Eliana Pinto dizem respeito ao seu passado: foi dirigente da Federação do Partido Socialista de Coimbra, tendo ocupado também cargos nos governos liderados por António Guterres e José Sócrates.
“Em casos como estes os mecanismos legais, como os incidentes de suspeição, podem ser, e são, usados pelas partes para fins menos claros”, lembrou ao i um membro do Conselho Superior da Magistratura que pediu para não ser identificado.
Decisões opostas A magistrada de Leiria defendeu que não era certo nem se demonstrava provado que o colégio teria “prejuízos de difícil reparação” com o fim dos contratos de associação. Na fundamentação do indeferimento da providência cautelar, a que o “Público” teve acesso, foi ainda referido que o fim dos apoios financeiros não significavam uma situação de insolvência, dado que é possível ao estabelecimento fazer os “necessários reajustes, sobretudo em matéria de gestão de recursos humanos, adequando-os a menos turmas”.
A decisão da juíza Eliana Pinto contrasta com a de Tiago Lopes Miranda que, perante as providências do Centro de Estudos Educativos de Ançã e do Centro de Desenvolvimento Educativo de Cantanhede concluiu haver o perigo de os estabelecimentos terem de fechar portas com o fim dos apoios financeiros.
Sobre este caso, o Ministério da Educação confirmou que entrou com um “incidente de suspeição de juiz” e justificou o uso de tal mecanismo processual com o facto de “anteriormente o próprio juiz ter intentado um processo contra o Ministério da Educação para que um filho tivesse lugar num colégio com contrato de associação para além do número de turmas contratadas”. A tutela, porém, não prestou qualquer esclarecimento sobre a decisão da juíza Eliana Pinto, alegando que não faz comentários fora dos autos: “O Ministério não faz comentários fora dos autos do processos, tal como ontem aconteceu – dia em que se limitou a confirmar um facto.”
Os boatos Em torno destas histórias existem visões e versões menos corretas que surgem de um lado e de outro. No meio desta guerra chegou a ser noticiado que o magistrado Tiago Lopes Miranda tinha uma filha a frequentar um dos colégios beneficiados pela sua decisão – o Centro de Estudos Educativos de Ançã e o Centro de Desenvolvimento Educativo de Cantanhede –, mas a informação foi entretanto desmentida. Além disso, o Tribunal Central Administrativo – Norte decidiu já recusar os argumentos invocados pela tutela no incidente de suspeição, considerando o magistrado independente.
Nos próximos dias será decidido se o incidente de suspeição levantado pelo colégio Senhor do Milagres à magistrada do TAFde Leiria também terá o mesmo desfecho ou se há razões para o afastamento da juíza.