A morte não passará ali


Conheço Pedro e Paula (nomes fictícios) há já alguns anos. Mais ou menos 10 anos. Não temos grande intimidade, mas convivemos quase diariamente e são daquelas pessoas que podemos classificar de amigos. Arrisco um sentimento recíproco que com os anos se foi adensando e materializando em favores e auxílios mútuos.


Não tenho dúvidas que se precisasse de um favor excecional só não o satisfariam se não tivesse ao seu alcance. São um casal divertido. Pedro mais espalhafatoso, culto e com um humor sublime, de fácil encaixe e que cria grande empatia. Paula, mais reservada nas expansões mas de um trato encantador e um sorriso desconcertante. As suas filhas, Clara e Sofia (nomes também fictícios) espelham a diferença dos pais. Bonitas como a mãe e simpáticas como o pai replicam as principais características dos progenitores. Vi-as crescer (em dez anos vê-se duas adolescentes crescer), uma já casou, a outra vai se mantendo por casa dando um colorido inconfundível com a sua presença.

Há tempos, e como de vez em vez acontece, eu e Pedro cruzamo-nos à porta de casa. Trazia um ar carregado, meio tristonho e não mostrava a sua expressão habitual, meio lunática, de olhos grandes e esbugalhados que, naturalmente, nos instiga a um sorriso. Já tinha notado alguma ausência, não falávamos há algum tempo, mas como não era habitual termos uma agenda programada não fiz caso.

Paula estava doente. Uma doença estúpida como são aliás todas as doenças que o Homem ainda não conseguiu vergar. Fiquei estupefacto, revoltado e inconformado. Mas acima de tudo senti-me impotente. Sem reação. Não havia nada que pudesse fazer. Fiz o que sempre fiz com ele. Umas piadas na esperança de lhe arrancar, no mínimo, uma expressão de contentamento. Não fui totalmente bem-sucedido. O caso não era para menos. 

Não lido bem com doenças. Não fui capaz de a ir visitar. Não sabia o que dizer. Tinha medo de não me conformar com a ausência do seu sorriso e de soltar um comentário desapropriado – Nunca tive jeito para palavras de circunstância.

Dias mais tarde cruzei-me com ela. Já depois dos tratamentos transbordava confiança e exibia o seu melhor sorriso, ou quase. Fiquei esperançado e contente por a ver sorrir. Infelizmente, a estúpida doença teimou em não largar. Mais tratamentos e operações. Vi na expressão de Pedro a preocupação de quem tende a perder a esperança, mas sempre positivo. Muito positivo. Tive que ir a sua casa e não havia como não a ver. Esboçou-me o seu melhor sorriso, mas muito aquém do desconcertante. Há pessoas que não merecem ter doenças estúpidas. Paula é claramente uma delas. Despedi-me dela com a certeza que vencerá! A morte não passará ali! 


A morte não passará ali


Conheço Pedro e Paula (nomes fictícios) há já alguns anos. Mais ou menos 10 anos. Não temos grande intimidade, mas convivemos quase diariamente e são daquelas pessoas que podemos classificar de amigos. Arrisco um sentimento recíproco que com os anos se foi adensando e materializando em favores e auxílios mútuos.


Não tenho dúvidas que se precisasse de um favor excecional só não o satisfariam se não tivesse ao seu alcance. São um casal divertido. Pedro mais espalhafatoso, culto e com um humor sublime, de fácil encaixe e que cria grande empatia. Paula, mais reservada nas expansões mas de um trato encantador e um sorriso desconcertante. As suas filhas, Clara e Sofia (nomes também fictícios) espelham a diferença dos pais. Bonitas como a mãe e simpáticas como o pai replicam as principais características dos progenitores. Vi-as crescer (em dez anos vê-se duas adolescentes crescer), uma já casou, a outra vai se mantendo por casa dando um colorido inconfundível com a sua presença.

Há tempos, e como de vez em vez acontece, eu e Pedro cruzamo-nos à porta de casa. Trazia um ar carregado, meio tristonho e não mostrava a sua expressão habitual, meio lunática, de olhos grandes e esbugalhados que, naturalmente, nos instiga a um sorriso. Já tinha notado alguma ausência, não falávamos há algum tempo, mas como não era habitual termos uma agenda programada não fiz caso.

Paula estava doente. Uma doença estúpida como são aliás todas as doenças que o Homem ainda não conseguiu vergar. Fiquei estupefacto, revoltado e inconformado. Mas acima de tudo senti-me impotente. Sem reação. Não havia nada que pudesse fazer. Fiz o que sempre fiz com ele. Umas piadas na esperança de lhe arrancar, no mínimo, uma expressão de contentamento. Não fui totalmente bem-sucedido. O caso não era para menos. 

Não lido bem com doenças. Não fui capaz de a ir visitar. Não sabia o que dizer. Tinha medo de não me conformar com a ausência do seu sorriso e de soltar um comentário desapropriado – Nunca tive jeito para palavras de circunstância.

Dias mais tarde cruzei-me com ela. Já depois dos tratamentos transbordava confiança e exibia o seu melhor sorriso, ou quase. Fiquei esperançado e contente por a ver sorrir. Infelizmente, a estúpida doença teimou em não largar. Mais tratamentos e operações. Vi na expressão de Pedro a preocupação de quem tende a perder a esperança, mas sempre positivo. Muito positivo. Tive que ir a sua casa e não havia como não a ver. Esboçou-me o seu melhor sorriso, mas muito aquém do desconcertante. Há pessoas que não merecem ter doenças estúpidas. Paula é claramente uma delas. Despedi-me dela com a certeza que vencerá! A morte não passará ali!