José Maria Ricciardi. O primo tem de novo uma palavra a dizer

José Maria Ricciardi. O primo tem de novo uma palavra a dizer


O primo que contestou o poder de Salgado propôs comprar o Novo Banco – o antigo BES. É a irónica reviravolta numa guerra familiar que teve um final amargo


Antes de tornar-se um caso de polícia em torno de um banco falido, o colapso do BES foi uma guerra familiar sem precedentes. Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi envolveram-se numa disputa sobre o destino do banco criado pelo avô de ambos, que resultou numa separação amarga. Ricciardi discordava das opções de Salgado à frente dos negócios da família e pressionou o clã a afastar o primo, mas os Espírito Santo deixaram-no isolado. O BES caiu com estrondo, depois de operações financeiras que ainda estão sob investigação.

Dois anos volvidos, é com alguma ironia que se escrevem os novos capítulos deste enredo familiar. Com Salgado suspeito de múltiplos crimes financeiros depois de ter estado em prisão domiciliária, é Ricciardi quem pode assumir um papel preponderante na continuidade do que resta do antigo BES, o Novo Banco. A luta pela sucessão pode afinal ser ganha por uma via pouco ortodoxa? A resposta está nas mãos do regulador, o Banco de Portugal. Ricciardi, hoje presidente executivo do Haitong (ex-BESI) mostrou interesse em reunir um consórcio de investidores para adquirir 30% do Novo Banco ao Fundo de Resolução, numa iniciativa à margem do processo de venda que se encontra em curso.

O gestor terá contactado Sérgio Monteiro, o ex-secretário de Estado dos Transportes que é responsável pelo processo de venda do Novo Banco, e comunicado que poderia promover a entrada de um grupo de investidores no capital do Novo Banco com a subscrição de um aumento de capital entre 1500 e dois mil milhões de euros. O Estado continuaria a ser dono da maioria do capital do banco, que poderia depois dispersar em bolsa.

Sérgio Monteiro terá pedido a José Maria Ricciardi para apresentar uma proposta formal e ambos ficaram de encontrar-se de novo em setembro, caso o processo de venda em curso termine sem sucesso. 

Ricciardi Isolado Caso a proposta do Haitong se concretizasse, seria uma reviravolta irónica nos acontecimentos. Ricciardi foi durante anos presidente do BESI, o banco de investimento do grupo presidido por Ricardo Salgado. Depois da queda do grupo da família Espírito Santo, o BESI ficou na esfera do Novo Banco e foi depois comprado pelos chineses da Haitong, que mantiveram Ricciardi na presidência executiva.

Ricciardi rejeita a interpretação de que se envolveu no conflito com Salgado por uma mera questão de sucessão na presidência, mas esse passo foi de facto discutido na família. Em novembro de 2013, num raro comunicado conjunto que trouxe uma curta trégua ao conflito familiar, Ricciardi sublinhava a sua “disponibilidade para corresponder às exigências da boa governance do grupo e aos desafios que o futuro reclama”. Salgado esclarecia que José Maria reunia “todas as condições para ser um dos membros possíveis à sua sucessão”.

Em determinada altura, chegou a reunir apoios no clã Espírito Santo, mas como não era a escolha de todos os ramos da família, não aceitou ocupar o cargo. “Comecei em 2012 e 2013 a tentar convencê-los a alterar a governance. Não fui acompanhado no quadro institucional por qualquer membro dos órgãos sociais, nem no âmbito familiar por um único membro da família. Fiquei isolado, até hoje”, contou ao Sol, na primeira entrevista de fundo depois da queda do grupo. “Tive a ingenuidade de pensar que a minha família seguiria outro caminho, o de colocar os valores à frente dos interesses. Ainda assinaram um documento que fiz a pedir a saída dele – mas depois colocaram-no num cofre, foram avisar o dr. Salgado e deram-lhe um voto de confiança”, recordou. 

“Quero recuperar o nome da família” As relações com os parentes esfriaram. A família culpa-o pelo colapso do banco e não lhe fala. Mas o gestor tem esperança em poder contribuir para a recuperação do apelido Espírito Santo. “Nos anos que tenho pela frente, se tiver saúde, tentarei tudo o que puder para relançar a recuperação do nome, da família e do grupo empresarial. Posso ser das poucas pessoas a recuperar o nome Espírito Santo no futuro, através do meu trabalho e da minha profissão. É o que tentarei fazer”, garantiu. Tentará atingir esse objetivo através do Novo Banco?