1) Tínhamos a Cimpor, desapareceu; tínhamos a REN, vendeu-se; tínhamos a ANA, voou; tínhamos o BES, roubaram-no; tínhamos BPP e BPN, foram assaltados; tínhamos o BCP, está em saldos; tínhamos a CGD, está em coma induzido; tínhamos a Fidelidade, marchou; tínhamos a PT, mataram-na; tínhamos o Banif, liquidaram-no; tínhamos construtoras, ruíram; tínhamos Lisboa e Porto, temos Lisbon e Oporto; tínhamos lojas tradicionais, temos Zara e HM; tínhamos culinária nacional, temos hamburguerias gourmet; emigraram; tínhamos peixe no mar, temos plástico; tínhamos jovens, emigraram; tínhamos Estado, temos reguladores; tínhamos serviços de finanças, temos homens de fraque; tínhamos CPLP, temos uma manta de retalhos, tínhamos políticos visionários, temos gente comum.
São exemplos suficientes e aleatórios que chegam para demonstrar que destruímos em poucos anos muito do valor e dos princípios gerados já no período democrático depois de grandes e inevitáveis convulsões, transformações e reconstruções feitas após 25 de Abril.
E aqui não se trata de leituras políticas nem de opções económicas de direita ou de esquerda, favoráveis ou desfavoráveis, por exemplo, a privatizações.
Trata-se da mera e óbvia constatação sobre empresas e grupos que fazem falta ao país como valores e símbolos. Por isso, apesar das suas controversas privatizações, não se incluem aqui a EDP e a GALP, porquanto se mantêm como ativos estratégicos com raízes em Portugal, que devem desejavelmente manter-se, apesar dos seus capitais estrangeiros.
Além destas perdas, também delapidámos valor noutros domínios com o desaparecimento de indústrias de todo o tipo. Em contrapartida surgiram boas iniciativas empresariais através de Startups e incubadoras de empresas. Mas uma coisa não compensa a outra. O desejável seria que as novas viessem somar às que existiam e eram sólidas.
O Turismo, verdade se diga, regressou com vantagens para o emprego. Mas importa dizer que se trata de uma indústria frágil e que, em boa parte, oferece condições de trabalho sazonais e muito proletarizadas, tanto em Portugal como no resto do mundo, dada a sistemática procura de uma maior rentabilidade para comprimir custos face à concorrência
E já agora fica um alerta para o setor. Verifica-se que um dos fatores de promoção do nosso turismo se relaciona com a segurança, o que é um erro crasso. Vender segurança é encomendar problemas. Já se viu o efeito devastador e instantâneo que têm atos de natureza terrorista sobre a oferta turística. Veja-se que até um incidente menor (embora demonstrativo de falhas na segurança) como o verificado no aeroporto de Lisboa com imigrantes ilegais fez logo correr um rio de notícias e declarações alarmistas que, vá lá, não passaram para o estrangeiro.
2) Nas últimas semanas assistimos, entretanto, a outra perda de valor por culpa da classe política e dos opinadores. Tudo por causa das sanções europeias que não houve. Contaram-se aos milhares as horas em que se falou do assunto. Bem fez Manuela Ferreira Leite que foi a primeira a desvalorizar a matéria, ao ponto de apostar em direto na TVI que não haveria castigo. Enquanto cá o tema era permanente, em Espanha de sanções “ni hablar” e em França a palavra de ordem era “sanctions, connais pas”. Esperemos que na “rentrée” não se repita a cena a propósito do acesso aos fundos estruturais que podem ajudar em muito a nossa periclitante economia.
3) Na semana passada Passos Coelho voltou a não integrar a delegação do PSD que foi a Belém para ser ouvida pelo Presidente, reforçando a ideia de que ambos são incompatíveis . O líder do PSD explicou que estava adoentado depois de regressar da festa do PSD-Madeira. Passos, no entanto, recuperou bem e depressa, pois no dia seguinte almoçava em grupo e com apetite num restaurante junto ao bairro de S. Miguel. “Honni soit qui mal y pense”.
4) Segundo o “Publico”, o banco Haitong quer comprar o Novo Banco (NB) através de uma oferta feita à margem do concurso público. Muito bem, apesar de a coisa ser estranha como também o foi a contratação de Sérgio Monteiro pelo Banco de Portugal para tratar da venda do NB. Mas será realmente possível que, através de uma operação desse género, um ex-administrador e responsável do universo BES/GES volte a um lugar de destaque no NB? É certo que José Maria Ricciardi nunca foi diretamente envolvido na má gestão do BES e até contribuiu para que se soubesse a verdade. Além disso o próprio Banco de Portugal mantém-lhe a idoneidade enquanto banqueiro. Mesmo assim talvez seja de considerar que não é só na política que o que parece é. A venda ou não do Novo Banco é um caso a acompanhar de perto, desde logo porque os contribuintes já lá enterraram milhões e podem ter de voltar a fazê-lo. Era, aliás, fundamental saber se a eventual compra extra concurso não será feita com capitais da Fidelidade, a antiga seguradora da Caixa Geral de Depósitos, vendida por decisão do governo anterior, precisamente ao grupo Haitong. Talvez fosse conveniente o regulador dos seguros olhar para este dossiê rapidamente, apesar das férias e da “silly season”.