Quando atingimos uma “certa idade” começam progressivamente a rarear as coisas que conseguem surpreender-nos. O facto não me provoca nenhuma angústia especial, na medida em que procuro consolar-me junto dessa suposta sabedoria acumulada pelo tempo, no estimulante exercício crítico da filtragem intelectual, o que passa naturalmente pela maior capacidade de apreensão das coisas no seu contexto, na eficácia da separação entre aquilo que é essencial e o que é acessório. Conta menos a volatilidade das paixões, a valorização excessiva das inutilidades ruidosas, e passam a contar mais os valores e as convicções que a vida nos deu. Somos mais exigentes, o que não é mau de todo.
Mas se com a tal “certa idade” é cada vez mais raro aquilo que nos consegue surpreender, é também maior a emoção que sentimos quando a surpresa acontece. E foi isso exatamente o que senti, quando no crepúsculo da passada sexta-feira dei por mim em plena emoção estética, confortavelmente sentado nos chamados “Terraços do Carmo”. Lisboeta apaixonado como sou, pensava que já nada me faltava ver na cidade enquanto lugar de encanto e contemplação. Conhecia bem, e até por dever de ofício, o sábio projeto de Álvaro Siza para a valorização do espaço envolvente das ruínas do Carmo, pela virtuosa apropriação pública daquele infeto pardieiro que ali existia nas traseiras do convento. Mas uma coisa é passarmos pelo lugar e conjeturar, e outra é podermos estar e anoitecer com as torres da Sé, o Castelo, S. Cristóvão, S. Domingos, a Graça e a Senhora do Monte tão próximos, tão recortados e tão… nossos. Obrigado, Lisboa.
Escreve à terça-feira