Tamerlão Khan, nascido em Samarcanda, foi o último dos grandes conquistadores nómadas da Ásia Central de origem turco-mongol. Considerava-se descendente de Gengis Khan e com a missão de expandir e fortalecer o império que o lendário líder mongol tinha conquistado e que, após a sua morte, se tinha fragmentado.
Exímio jogador de xadrez, amante das artes, não raramente fazia questão de poupar artistas, arquitetos e engenheiros durante as suas conquistas – exterminando todo o resto da população, algo a que até hoje estamos habituados. Tamerlão ficou, no entanto, conhecido pela sua crueldade.
Em 1382, em Sabzuar, uma vila situada no atual Afeganistão, por não se submeterem e para os fazer calar nos seus protestos, Tamerlão mandou emparedar até ao peito a totalidade dos seus 2 mil habitantes, despejando sobre eles cimento que, conforme secava e endurecia, os ia silenciando de forma duradoura.
As queixas desapareceram, o silêncio era unânime. Tinha-se inaugurado um eficaz nivelador de opinião, a parede viva de Tamerlão.
O cidadão António Simões tem todo o direito de expressar a sua opinião, independentemente dos critérios que entende utilizar para a sustentar e expor uma sua ideia de um determinado assunto.
A sua opinião ainda se torna mais relevante se versa sobre matéria que António Simões domina e tem uma apreciação mais que qualificada e respeitada.
Quer isto dizer que a opinião de quem quer que seja não pode ser confrontada e contestada? Claro que pode, só um idiota cisma que para qualquer assunto só existe um ângulo de abordagem ou pode ser reserva de pensamento único.
O jornal i, uma vez mais, demonstrou ser um reduto de liberdade onde se cruzam ideias muitas e opiniões várias, e isso faz dele um jornal para pensar. No seu editorial de ontem, Vítor Rainho foi a expressão disso mesmo.
Em Istambul, seres alucinados percorrem as ruas exigindo a pena de morte. Erdogan, o sultão, responde embevecido: “Temos de respeitar o povo e dar ao povo aquilo que pede, é assim em democracia.”
Estes são os tempos dos assassinos. A União Europeia não gosta das limpezas turcas até porque, para Bruxelas, às purgas dá-se o nome de pactos bilaterais para conter a crise migratória.
Merkel disse que a pena de morte não é compatível com a UE. Tem razão: uma coisa é matar, outra muito distinta é contemplar a partir da sua fronteira como milhares de seres humanos são enviados para uma morte certa.
Erdogan, cínico, responde: “É verdade que o meu antecessor assinou documentos com a UE sobre a pena de morte, mas da mesma forma que entramos saímos, não posso ignorar os pedidos do povo.”
Como se um povo que chama a morte não devesse considerar a sua própria existência.
O medo percorre a Europa, sentou--se em nossas casas, passeia pelos nossos parques, habita nos nossos corpos. Eis a morte no seu esplendor renascida no nosso vocabulário íntimo, a ensombrar os dias, antecipando os que já pesaram como chumbo.
Se o golpe foi uma simulação ou um pulsar suicida, acabaremos por descobrir; já o contragolpe tem todo o aspeto de poder vir a ser uma tragédia anunciada.
Erdogan está a cumprir a sua noite das facas longas, anuncia a morte em estéreo de cima de palcos a ensaiar patíbulos, prepara a sua noite de cristal, é só uma questão de tempo e de oportunidade.
Milhares de soldados presos e espancados, alguns degolados, centenas de juízes e magistrados presos, centenas de mortes, um exército dividido, mais de 15 mil professores e 1500 reitores suspensos. Erdogan faz a sua purificação.
E isto não vai terminar assim, basta ver como são presos os oficiais do segundo exército mais poderoso da NATO.
A Turquia islamiza-se e afasta-se do laicismo europeu, vai haver uma limpeza até que não fique mancha.
Istambul, uma cidade extraordinária, a única a unir dois continentes, onde se pode acender um cigarro na Europa e deitar a cinza na Ásia.
Erdogan, para quem o golpe falhado foi uma prenda de Deus, utiliza agora as mesquitas como quartéis, os minaretes como baionetas e os crentes como soldados. Há quem o veja como a outra grande quinta coluna na Europa ameaçada pela jihad.
Por isso, mesmo que pareça uma insignificância, é tão importante resistir contra a intolerância e a estupidez.
Por isso é tão importante defender o direito de opinião de António Simões, sem ser perseguido ou insultado. É a nossa contribuição contra os fundamentalismos, a nossa defesa da liberdade.