O assalto ao nosso mar


Sobre a terra e sobre o mar é coisa que estamos cada vez menos, sobretudo se for institucionalizada uma guarda costeira europeia. Certamente que os Açores e a Madeira não gostarão da ideia


A pretexto da situação criada pelo afluxo de refugiados, os eurocratas e alguns Estados europeus desenvolvem uma estratégia para criar uma agência europeia de guarda costeira e fronteiras que atuaria sobre águas territoriais, independentemente da vontade soberana dos países.

O pretexto é falacioso porquanto a contenção e vigilância do afluxo de migrantes tem funcionado bem em termos de cooperação sistemática entre os países da UE, tentando minorar os dramas humanos, proceder a fiscalizações e salvar um enorme número de vidas. Aliás, nesse campo, a intervenção positiva dos meios militares portugueses no Mediterrâneo tem sido bem retratada pelos media, apesar de estarmos face à maior vaga de refugiados desde a ii Guerra Mundial

Mais complicado do que uma atuação no mero campo da segurança, acolhimento e patrulhamento da situação dos migrantes seria a circunstância de esta nova guarda costeira passar a ter intervenção fiscalizadora em outras áreas como a pesca, o ambiente e questões aduaneiras.

Se a iniciativa for por diante mais ou menos nestes termos, Portugal será um perdedor, uma vez que irá entregar parte da sua soberania sobre a sua maior riqueza potencial, o mar. E isto ainda sem contar com o eventual aumento da plataforma continental até às 350 milhas.

Uma modificação tão profunda do quadro atual tem de ser medida e ponderada de forma muito profunda. E a propósito convém recordar que nas causas dos defensores do Brexit, o tema da soberania sobre o mar foi um dos que mais simpatia mereceu. Os britânicos sempre entenderam que se estava a verificar uma excessiva intervenção da União Europeia, designadamente no campo das pescas.

Evidentemente que no contexto europeu há quem tenha muito a ganhar com este novo modelo. É o caso, desde logo, dos países que não têm fronteiras marítimas ou que não tenham águas territoriais significativas. No primeiro lote encontramos exemplos como a Hungria, a Áustria, o Luxemburgo, a Eslováquia e a República Checa, para não ir mais longe. No segundo há Estados como a Eslovénia ou os do Báltico.

Mais ou menos à semelhança do que sucede com o Tratado Transatlântico (uma parceria entre a Europa e os EUA que está a ser negociada discretamente e pode prejudicar alguns países e as suas condições socioeconómicas), verifica-se que também pouco ou nada se sabe das conversações à volta da mudança enorme que traria esta agência, apesar de o mar ser a nossa maior riqueza e força estratégica, o que suscita apetites vorazes.

Além do que economicamente estará em causa, a questão substancial deste tema, repete-se, tem a ver com a soberania e as funções respetivas do Estado. Apesar de já termos abdicado de tanta coisa por vontade própria ou imposição, ainda vamos mantendo alguma autoridade sobre o mar, enquanto no espaço aéreo praticamente nada resta.

Deixando de fora o lado pitoresco de podermos ter no futuro uns almirantes checos, austríacos ou luxemburgueses, Portugal perder soberania no mar, de forma substancial, em favor desta agência europeia e de uma futura guarda costeira pode gerar reações negativas, nomeadamente nas regiões autónomas e, mais concretamente, nos Açores. Para quem não se lembre ou não saiba, muito antes da Inglaterra, a Gronelândia decidiu sair da então CEE, apesar de estar ligada umbilicalmente à Dinamarca. A exploração dos recursos marítimos teve muito a ver com essa decisão. É verdade que são só 50 e tal mil pessoas e mais uns pinguins que habitam a Gronelândia, mas vivem na maior ilha do mundo e, tal como os islandeses, perceberam que tinham mais a ganhar em estar fora do que dentro da então CEE e, por maioria de razão, da atual União Europeia.

Em Portugal, esta matéria está a preocupar de forma especial os militares e alguns, poucos, especialistas em defesa. Essa preocupação traduziu-se na publicação, há duas semanas, de um artigo no ”Expresso” assinado pelo ex–chefe do Estado-Maior da Armada, Fernando Melo Gomes, em que se colocavam reservas ao processo exatamente por envolver mais perda de soberania.

Está, portanto, chegada a hora de sabermos em concreto quem em Portugal está a negociar esta matéria e qual a posição que o governo e todos os partidos, independentemente da sua ideologia, têm, se é que têm. Seria igualmente essencial conhecer o pensamento do Presidente da República enquanto supremo magistrado da nação e seu principal representante em matéria de soberania. Aguardam-se esclarecimentos, a bem da nação (como outrora se dizia).

 

 

 

O assalto ao nosso mar


Sobre a terra e sobre o mar é coisa que estamos cada vez menos, sobretudo se for institucionalizada uma guarda costeira europeia. Certamente que os Açores e a Madeira não gostarão da ideia


A pretexto da situação criada pelo afluxo de refugiados, os eurocratas e alguns Estados europeus desenvolvem uma estratégia para criar uma agência europeia de guarda costeira e fronteiras que atuaria sobre águas territoriais, independentemente da vontade soberana dos países.

O pretexto é falacioso porquanto a contenção e vigilância do afluxo de migrantes tem funcionado bem em termos de cooperação sistemática entre os países da UE, tentando minorar os dramas humanos, proceder a fiscalizações e salvar um enorme número de vidas. Aliás, nesse campo, a intervenção positiva dos meios militares portugueses no Mediterrâneo tem sido bem retratada pelos media, apesar de estarmos face à maior vaga de refugiados desde a ii Guerra Mundial

Mais complicado do que uma atuação no mero campo da segurança, acolhimento e patrulhamento da situação dos migrantes seria a circunstância de esta nova guarda costeira passar a ter intervenção fiscalizadora em outras áreas como a pesca, o ambiente e questões aduaneiras.

Se a iniciativa for por diante mais ou menos nestes termos, Portugal será um perdedor, uma vez que irá entregar parte da sua soberania sobre a sua maior riqueza potencial, o mar. E isto ainda sem contar com o eventual aumento da plataforma continental até às 350 milhas.

Uma modificação tão profunda do quadro atual tem de ser medida e ponderada de forma muito profunda. E a propósito convém recordar que nas causas dos defensores do Brexit, o tema da soberania sobre o mar foi um dos que mais simpatia mereceu. Os britânicos sempre entenderam que se estava a verificar uma excessiva intervenção da União Europeia, designadamente no campo das pescas.

Evidentemente que no contexto europeu há quem tenha muito a ganhar com este novo modelo. É o caso, desde logo, dos países que não têm fronteiras marítimas ou que não tenham águas territoriais significativas. No primeiro lote encontramos exemplos como a Hungria, a Áustria, o Luxemburgo, a Eslováquia e a República Checa, para não ir mais longe. No segundo há Estados como a Eslovénia ou os do Báltico.

Mais ou menos à semelhança do que sucede com o Tratado Transatlântico (uma parceria entre a Europa e os EUA que está a ser negociada discretamente e pode prejudicar alguns países e as suas condições socioeconómicas), verifica-se que também pouco ou nada se sabe das conversações à volta da mudança enorme que traria esta agência, apesar de o mar ser a nossa maior riqueza e força estratégica, o que suscita apetites vorazes.

Além do que economicamente estará em causa, a questão substancial deste tema, repete-se, tem a ver com a soberania e as funções respetivas do Estado. Apesar de já termos abdicado de tanta coisa por vontade própria ou imposição, ainda vamos mantendo alguma autoridade sobre o mar, enquanto no espaço aéreo praticamente nada resta.

Deixando de fora o lado pitoresco de podermos ter no futuro uns almirantes checos, austríacos ou luxemburgueses, Portugal perder soberania no mar, de forma substancial, em favor desta agência europeia e de uma futura guarda costeira pode gerar reações negativas, nomeadamente nas regiões autónomas e, mais concretamente, nos Açores. Para quem não se lembre ou não saiba, muito antes da Inglaterra, a Gronelândia decidiu sair da então CEE, apesar de estar ligada umbilicalmente à Dinamarca. A exploração dos recursos marítimos teve muito a ver com essa decisão. É verdade que são só 50 e tal mil pessoas e mais uns pinguins que habitam a Gronelândia, mas vivem na maior ilha do mundo e, tal como os islandeses, perceberam que tinham mais a ganhar em estar fora do que dentro da então CEE e, por maioria de razão, da atual União Europeia.

Em Portugal, esta matéria está a preocupar de forma especial os militares e alguns, poucos, especialistas em defesa. Essa preocupação traduziu-se na publicação, há duas semanas, de um artigo no ”Expresso” assinado pelo ex–chefe do Estado-Maior da Armada, Fernando Melo Gomes, em que se colocavam reservas ao processo exatamente por envolver mais perda de soberania.

Está, portanto, chegada a hora de sabermos em concreto quem em Portugal está a negociar esta matéria e qual a posição que o governo e todos os partidos, independentemente da sua ideologia, têm, se é que têm. Seria igualmente essencial conhecer o pensamento do Presidente da República enquanto supremo magistrado da nação e seu principal representante em matéria de soberania. Aguardam-se esclarecimentos, a bem da nação (como outrora se dizia).