No início do século xx, os homens que iam ao botequim bebiam o que queriam, discutiam os problemas do dia-a-dia e a situação do país, mas sempre com algumas reservas. No início do século xxi, os homens e mulheres que iam ao café pediam o que queriam, falavam livremente sobre o que quisessem e com quem quisessem. O Café Progresso foi um dos espaços que assistiram a estas mudanças na sociedade.
Fundado em 1899 enquanto botequim, no mesmo edifício onde ainda hoje se encontra, o Progresso faz parte da vida de várias gerações de portuenses. “Temos aqui crianças com dois anos e pessoas com mais de 80, que vêm cá há décadas”, explica ao i Joana Fernandes, uma das responsáveis.
Algumas delas chegaram mesmo a usar este espaço como refúgio: “Antes do 25 de Abril, o dono do Progresso chegou a acolher uma pessoa que fugia à PIDE. No entanto, este nunca foi um local com uma conotação política. Ainda hoje recebemos todos sem exceção”, afirma.
Sem fechar portas há 116 anos, o espaço começou progressivamente a passar de botequim a café. É nessa transição que casais e famílias começam a frequentar o estabelecimento, tornando-o um sítio de referência para muitos.
O Progresso torna-se também um local dedicado às artes: “Acontecem aqui muitas iniciativas de forma espontânea. Temos lançamentos de livros, exposições de fotografia e pintura, declamações de poesia”, várias iniciativas que dinamizam a cidade do Porto e ajudam a manter viva a história deste café.
Uma receita única Joana Fernandes afirma que “uma grande percentagem dos portuenses saberá dizer qual o produto que é a imagem de marca do Progresso”: o café de saco. A receita foi criada por Mário Henriques Pinto, filho do fundador do espaço, e tornou-se um sucesso. “Dizia-se que era muito saboroso porque se misturava rabos de bacalhau ao café. Era isso que dava o sabor característico”, explica a responsável.
E a fama deste café chegou aos mais altos cargos: no final dos anos 60, o então Presidente da República, Américo Thomaz, fez uma visita ao Porto e deliciou–se com este café. “O sr. Mário achou que seria simpático fazer-lhe chegar o nosso café e ainda hoje guardamos a carta que enviou a agradecer o gesto e a dar os parabéns pela qualidade do produto”, afirma Joana Fernandes.
Para além de ser frequentado por muitos professores universitários e “cabeças pensantes” da cidade do Porto, o Progresso recebe várias figuras ligadas à literatura, às artes plásticas e à música. “Uma pessoa que passa aqui de uma forma muito discreta é a vocalista dos Clã, Manuela Azevedo. Nota-se que se sente bem aqui na nossa casa”, explica a responsável. O editor José da Cruz Santos e o artista plástico Armando Alves são outras das personalidades que por ali passaram.
Com tantos anos de história, muitas outras figuras terão parado no Progresso – no início do século xx, para beber um copo a seguir ao trabalho; no início do século xxi, para provar os produtos históricos, mas também para saborear o que de bom os novos tempos trouxeram. O tempo não perdoa e leva consigo muito do que foi vivido no número 5 da Rua Ator João Guedes. Mas os avós contarão aos seus netos as experiências que tiveram neste café. E assim sobrevive um café com história.