(Se)Lição de vida


Por uma vez virámos a página desse tempo das vitórias morais, do “estivemos quase” ou do “foi por pouco”, mas o importante é que este possa ser o novo paradigma da afirmação da nação.


Mais do que a conjugação de acasos, a conquista do Campeonato da Europa de Futebol 2016 assume contornos de lição de vida e de inspiração para outras empreitadas. É uma autêntica seleção de lições para a vida.

A primeira é a de que a adequada organização, rigor, foco e crença nas nossas capacidades, somados às qualidades inatas dos portugueses, mitigam os defeitos e potenciam as probabilidades de êxito. Os clubes e a Federação Portuguesa de Futebol propiciaram as condições. Fernando Santos soube conjugar tudo isso com uma gestão integrada da equipa e um modelo de jogo adequado ao que era necessário para prosseguir na prova rumo ao resultado final. A Europa estranhou, estrebuchou e resignou-se perante a evidência da eficácia e dos resultados. Campeões da Europa! Imagine-se o jeito que não dava similar atitude na política ou na economia quando se trata da relação de Portugal com as instituições europeias.

A segunda é a de que vale sempre a pena acreditar, não perder o foco sobre qual o objetivo final e o que importa fazer para ser consequente. Quantas vezes não fomos majestosos, criativos e exuberantes no futebol praticado ou em outras áreas da vida e, no final, os resultados não foram os desejados. Por uma vez, virámos a página desse tempo das vitórias morais, do “estivemos quase” ou do “foi por pouco”, mas o importante é que este possa ser o novo paradigma da afirmação da nação. É claro que, pelo caminho, houve descrença, crítica gratuita e silêncios inusitados que se transformaram agora em euforia contagiante, em oportunismo e até mesmo na tentativa de colonizar a vitória com chico-espertices do tipo batismo da seleção como sendo “os Aurélios”. Aurélio Pereira não merecia esse gesto poucochinho.

A terceira é a de que o desdém, o abocanhar e a superficialidade na apreciação das capacidades do ser humano pelo que aparenta ser nos colocam demasiadas vezes na contingência do “pela boca morre o peixe”. O caso de Éder é sintomático: de comparado a um pino estático na grande área a herói depois do golo da vitória na final. Só agora que foi herói no campo é que foi conhecida a sua história de herói na vida, o que aconselha a redobrados cuidados na apreciação das fachadas do que visualizamos.

E depois há tudo o resto.

A pequenez da grandiosa soberba de alguns franceses, inchados de arrogância, impelidos a replicar intrigas lusas e a enlamear, sem noção de que estavam a contribuir para a coesão do grupo, para o reforço da ânsia de provar no campo o cardápio de competências individuais e coletivas e para uma exuberante exibição de alma, crença e capacidade de sofrimento. A mesquinhez foi tal que nem a Torre Eiffel iluminaram com as cores de Portugal, as cores da pátria daqueles que amiúde concorrem para que a França seja o que é.

A grandeza de um país, outrora colonizador, que consegue gerar com um feito desportivo singular uma contagiante comemoração lusófona com imagens de partilha de afetos e sentimentos em Timor-Leste, em Cabo Verde, em Moçambique, no Brasil, em Angola, na Guiné-Bissau, em São Tomé e Príncipe, em Goa ou em Malaca. A seleção não se limita a ser o repositório da história de Portugal pela origem lusófona de muitos dos seus jogadores. Afinal, essa é uma realidade similar em outras nações com uma abertura ao mundo como a nossa. Portugal consegue gerar sentimentos de partilha que outros não conseguem e, no entanto, não sabemos aproveitar essa predisposição em benefício de uma plataforma de afirmação da lusofonia no mundo.

A grandeza de um povo, em Portugal e fora do território nacional, que prova que é mobilizável, que pode ter confiança e que não hesita em participar, apesar das circunstâncias. Se nos mobilizamos pelo futebol, porque não nos mobilizarmos para construir finais felizes em outros desígnios relevantes para Portugal e para os portugueses? Neste tempo especial, vivido em redobrada dose de euforia por quem vive o país à distância – os nossos emigrantes -, saibamos aterrar com os pés no chão, arregaçar as mangas e afirmar o esplendor de um “siiim, somos capazes”. Enfrentar a realidade das sanções europeias, as quebras nas exportações ou a sensação de que não está a ser feito tudo para que os resultados sejam aqueles de que o país precisa. Só assim seremos campeões europeus noutras dimensões.

Três notas finais

Confiantes. Não foram apenas os gregos que deram alento a Fernando Santos quando as dúvidas pairavam. O embaixador dos Estados Unidos em Portugal, Robert Sherman, foi um exemplo de persistente confiança nas capacidades dos portugueses.

Triunfantes. As cinco medalhas para Portugal nos Europeus de atletismo são um bom prenúncio para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e, a par de outras conquistas, aconselham o Presidente da República a reforço da arrecadação das medalhas das comendas.

Caminhos sintomáticos. Guterres foi primeiro-ministro, é candidato a secretário–geral das Nações Unidas. Barroso foi primeiro ministro, vai ser presidente não executivo do Goldman Sachs em Londres.

 

 

 


(Se)Lição de vida


Por uma vez virámos a página desse tempo das vitórias morais, do “estivemos quase” ou do “foi por pouco”, mas o importante é que este possa ser o novo paradigma da afirmação da nação.


Mais do que a conjugação de acasos, a conquista do Campeonato da Europa de Futebol 2016 assume contornos de lição de vida e de inspiração para outras empreitadas. É uma autêntica seleção de lições para a vida.

A primeira é a de que a adequada organização, rigor, foco e crença nas nossas capacidades, somados às qualidades inatas dos portugueses, mitigam os defeitos e potenciam as probabilidades de êxito. Os clubes e a Federação Portuguesa de Futebol propiciaram as condições. Fernando Santos soube conjugar tudo isso com uma gestão integrada da equipa e um modelo de jogo adequado ao que era necessário para prosseguir na prova rumo ao resultado final. A Europa estranhou, estrebuchou e resignou-se perante a evidência da eficácia e dos resultados. Campeões da Europa! Imagine-se o jeito que não dava similar atitude na política ou na economia quando se trata da relação de Portugal com as instituições europeias.

A segunda é a de que vale sempre a pena acreditar, não perder o foco sobre qual o objetivo final e o que importa fazer para ser consequente. Quantas vezes não fomos majestosos, criativos e exuberantes no futebol praticado ou em outras áreas da vida e, no final, os resultados não foram os desejados. Por uma vez, virámos a página desse tempo das vitórias morais, do “estivemos quase” ou do “foi por pouco”, mas o importante é que este possa ser o novo paradigma da afirmação da nação. É claro que, pelo caminho, houve descrença, crítica gratuita e silêncios inusitados que se transformaram agora em euforia contagiante, em oportunismo e até mesmo na tentativa de colonizar a vitória com chico-espertices do tipo batismo da seleção como sendo “os Aurélios”. Aurélio Pereira não merecia esse gesto poucochinho.

A terceira é a de que o desdém, o abocanhar e a superficialidade na apreciação das capacidades do ser humano pelo que aparenta ser nos colocam demasiadas vezes na contingência do “pela boca morre o peixe”. O caso de Éder é sintomático: de comparado a um pino estático na grande área a herói depois do golo da vitória na final. Só agora que foi herói no campo é que foi conhecida a sua história de herói na vida, o que aconselha a redobrados cuidados na apreciação das fachadas do que visualizamos.

E depois há tudo o resto.

A pequenez da grandiosa soberba de alguns franceses, inchados de arrogância, impelidos a replicar intrigas lusas e a enlamear, sem noção de que estavam a contribuir para a coesão do grupo, para o reforço da ânsia de provar no campo o cardápio de competências individuais e coletivas e para uma exuberante exibição de alma, crença e capacidade de sofrimento. A mesquinhez foi tal que nem a Torre Eiffel iluminaram com as cores de Portugal, as cores da pátria daqueles que amiúde concorrem para que a França seja o que é.

A grandeza de um país, outrora colonizador, que consegue gerar com um feito desportivo singular uma contagiante comemoração lusófona com imagens de partilha de afetos e sentimentos em Timor-Leste, em Cabo Verde, em Moçambique, no Brasil, em Angola, na Guiné-Bissau, em São Tomé e Príncipe, em Goa ou em Malaca. A seleção não se limita a ser o repositório da história de Portugal pela origem lusófona de muitos dos seus jogadores. Afinal, essa é uma realidade similar em outras nações com uma abertura ao mundo como a nossa. Portugal consegue gerar sentimentos de partilha que outros não conseguem e, no entanto, não sabemos aproveitar essa predisposição em benefício de uma plataforma de afirmação da lusofonia no mundo.

A grandeza de um povo, em Portugal e fora do território nacional, que prova que é mobilizável, que pode ter confiança e que não hesita em participar, apesar das circunstâncias. Se nos mobilizamos pelo futebol, porque não nos mobilizarmos para construir finais felizes em outros desígnios relevantes para Portugal e para os portugueses? Neste tempo especial, vivido em redobrada dose de euforia por quem vive o país à distância – os nossos emigrantes -, saibamos aterrar com os pés no chão, arregaçar as mangas e afirmar o esplendor de um “siiim, somos capazes”. Enfrentar a realidade das sanções europeias, as quebras nas exportações ou a sensação de que não está a ser feito tudo para que os resultados sejam aqueles de que o país precisa. Só assim seremos campeões europeus noutras dimensões.

Três notas finais

Confiantes. Não foram apenas os gregos que deram alento a Fernando Santos quando as dúvidas pairavam. O embaixador dos Estados Unidos em Portugal, Robert Sherman, foi um exemplo de persistente confiança nas capacidades dos portugueses.

Triunfantes. As cinco medalhas para Portugal nos Europeus de atletismo são um bom prenúncio para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e, a par de outras conquistas, aconselham o Presidente da República a reforço da arrecadação das medalhas das comendas.

Caminhos sintomáticos. Guterres foi primeiro-ministro, é candidato a secretário–geral das Nações Unidas. Barroso foi primeiro ministro, vai ser presidente não executivo do Goldman Sachs em Londres.