Cento e vinte minutos de sofrimento, um golo do herói improvável Éder, uma nação em êxtase. No final, pelo Stade de France, ouve-se, em uníssono, os cerca de 25 mil portugueses ali presentes cantarem “A Minha Casinha”, dos Xutos & Pontapés. “A emoção da vitória de Portugal, juntamente com ouvir aquela canção cantada ali, no estádio, deixou-me com um nó na garganta. Arrepiei-me todo quando ganhámos o Euro e começou a tocar a nossa música. Foi uma honra enorme, senti um rodopio enorme de emoções. Foi algo histórico”, conta ao i Zé Pedro. O músico assistiu ao jogo em sua casa e diz que, assim que se começaram a ouvir os versos “As saudades que eu já tinha/ Da minha alegre casinha/ Tão modesta quanto eu” o seu telemóvel começou a receber mensagens. Dezenas e dezenas, a parabenizarem o músico. Algumas dessas mensagens eram, naturalmente, dos outros elementos dos Xutos & Pontapés: “Estávamos todos muito orgulhosos e muito emocionados”.
Um dia depois, já em Lisboa, “A Minha Casinha” voltou a ser entoada, quase como se se tivesse transformado numa nova “A Portuguesa”. Primeiro no Palácio de Belém, com Cristiano Ronaldo ao microfone, no topo da camioneta dos campeões, depois na Alameda Dom Afonso Henriques, pela seleção e pelos milhares de portugueses que ali se encontravam. Mais uma vez, Zé Pedro foi vencido pelas emoções: “Arrepiei-me todo a ouvir o melhor jogador do mundo a cantar a nossa música, nem queria acreditar quando o Cristiano Ronaldo começou a cantá-la nos festejos em Lisboa. Quando se constrói uma carreira como a nossa é muito gratificante ficar associado a um momento histórico como este.”
Federação sugeriu a Casinha Mas podia não ter acontecido. Fonte da federação explicou ao i que, todas as edições, a UEFA pede para que as federações participantes no campeonato europeu apontem uma música como “tema de animação”, para entreter o público antes e depois dos jogos. Em 2012, no europeu disputado na Polónia e na Ucrânia, o tema que mais se ouviu foi justamente “A Minha Casinha”, dos Xutos & Pontapés. Mas nesse ano Portugal caiu aos pés da Espanha, nas meias-finais.
Este ano, e apesar do hino escolhido para esta edição, ser a nova versão de “Tudo o Que te Dou”, de Pedro Abrunhosa, acabou por ser novamente “A Minha Casinha” a acompanhar a seleção portuguesa. Ou antes, o tema imortalizado pela banda de Zé Pedro, Kalú, Tim, Gui e João Cabeleira. É que este é dos poucos temas que, na verdade, não é da autoria dos Xutos & Pontapés.
“A Minha Casinha” foi cantada, pela primeira vez, pela atriz Milú, no filme “O Costa do Castelo”, de 1943. Com letra de Silva Tavares e música de António Melo, esta versão tinha mais a ver com o fado do que propriamente com o rock dos Xutos.
A primeira vez Foi no final da década de 80 que os Xutos & Pontapés se apropriaram – e imortalizaram o tema. Foi Tim, na tentativa de suprir a falta de reportório para os seus concertos no Rock Rendez Vous, que recuperou esta Casinha, que se recordava de ouvir a avó cantar. “Lembro-me da primeira vez que ouvimos o Tim tocar esta canção. Estávamos a chegar a estúdio e ele já lá estava, a tocar isto. De repente o Cabeleira juntou-se, depois fui eu e quando demos por nós estávamos todos a cantar e tocar ‘A Minha Casinha’. Virou uma brincadeira que encerrava quase todos os nossos concertos”, recorda Zé Pedro.
O tema acabou por ser incluído no álbum “88”, quarto trabalho de estúdio do grupo, lançado justamente em 1988, e onde também constam os temas “Para Ti Maria” e “À Minha Maneira”. Mas não só tinha uma roupagem mais rock, como a versão da banda de Almada usava um poema consideravelmente mais curto do que o original.
Quase 30 anos mais tarde, “A Minha Casinha” de Milú e dos Xutos & Pontapés tornou-se a casinha de todos os portugueses. Porque ninguém esquece a banda sonora de uma vida. “É uma música que vai ao encontro do coração dos portugueses, tornou-se a música de Portugal”, conclui Zé Pedro.