A história também se escreve através do desporto


A vitória de Paris vai perdurar por muitos anos, mas não é só no futebol que nos hostilizam


1) A história é feita da memória dos povos. Desde meados do século passado, essa memória integra também os grandes feitos desportivos, entretanto mediatizados à escala planetária. Por isso, só por algum pedantismo intelectual se pode contrariar a tese de que a vitória de Portugal no Europeu de França é efetivamente histórica. Talvez ninguém se lembre dos 23 de Marcoussis dentro de 500 anos, mas daqui a 50 ou 100 certamente que sim, a menos que o feito se torne um hábito. Durante muito tempo se falará de heróis improváveis e grandes campeões. Em tudo o que se viu não houve excessos. Houve uma reação natural de alegria exuberante dos que cá estão e dos de fora.

2) Ganhar à França é um gosto para qualquer povo, mas especialmente para portugueses e belgas, por razões distintas. No caso dos portugueses, porque foram sendo normalmente desconsiderados por uma arrogância insuportável, como ainda agora se viu, embora sejam uma comunidade enorme, ordeira e trabalhadora que enriqueceu aquele país. Ainda por cima quando os melhores franceses são muitas vezes de outras nacionalidades ou de origem estrangeira. Brel, Yourcenar, Simenon ou nomes como Aznavour, Sarkozy, Zidane, Noah e Moscovici não são propriamente franceses, como não o são Griezmann, Pogba e Robert Pires. Já Pétain e Le Pen são de lá e genuínos. Aos franceses valeu-lhes De Gaulle que, com uma centena de pescadores da ilha de Sein, constituiu em Londres a França livre e a tornou politicamente vencedora de uma guerra mundial que não ganhou.

3) Vamos ter sanções de Bruxelas, faltando saber se são de impacto efetivo. Mesmo simbolicamente, ser sancionado é péssimo para a perceção que há de Portugal e, portanto, para a sua credibilidade externa. A situação resulta de dois fatores concretos: a atuação do governo Passos e a falta de confiança na política de Costa, a quem se volta a exigir o célebre plano B para que a penalização ande pelo grau zero ou por uma ameaça de corte nos fundos estruturais facilmente amovível. Costa e Centeno têm agora a dupla tarefa de argumentar e apresentar garantias de não derrapagem à comissão e ao conselho e de amainar os ânimos do Bloco e do PCP. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa têm o nosso destino coletivo nas mãos. Podem querer a crise e ganhar ou perder mais tarde, eleitoralmente. Mas também podem perceber que, por injusto que seja, há que dar alguns sinais para refrear a hostilidade a Portugal resultante da plataforma de apoio a um governo que arrepia os eurocratas e neoliberais ainda mais do que o Brexit. Estando num processo de formação de governo e tendo um prazo maior para cumprir metas, os espanhóis têm mais folga e uma economia a crescer, o que não é uma evidência connosco.

4) Na semana passada, o Presidente Marcelo esteve menos bem duas vezes, mas recuperou em cheio depois da vitória de Portugal. Uma foi quando assistiu passivamente na Assembleia na Madeira ao desfraldar de uma bandeira do Daesh por José Manuel Coelho, que em tempos fez o mesmo com uma bandeira nazi. Horas depois, o Presidente considerou criativa a iniciativa e invocou a Constituição como escudo protetor do comportamento do deputado. O Daesh é um movimento terrorista planetário e cruel. Usar-se a sua bandeira para denunciar a asfixia política na Madeira é inaceitável, mas o Presidente aceitou. O segundo caso teve a ver com a viagem de Falcon que o PR fez a Lyon para assistir a um jogo da seleção, seguindo viagem diretamente a partir do norte do país. Perante críticas mesquinhas, o Presidente não encontrou melhor do que dizer que ia pagar a sua parte do bilhete, não se sabendo o que acha que devem fazer os outros passageiros. Se o Presidente entende usar um avião do Estado para se deslocar, deve fazê-lo e ponto final. Agora, se o dr. Rebelo de Sousa pode alugar um Falcon do Estado por 600 euros, então qualquer outro cidadão tem esse direito. E aí nasce uma nova easyJet, e logo estatal.

5) Durão Barroso é o novo patrão da gestão de influência do Goldman Sachs, sobretudo para a Europa e num tempo de Brexit. Fará ali o que melhor sabe: alta política baseada num acumular de experiência e de contactos de décadas como secretário de Estado, ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia. Aparentemente é a pessoa certa num banco que é mundialmente conhecido por basear alguma da sua atividade em operações assentes em práticas controversas que chegam a derrubar governos e a afundar países. Barroso tem toda a legitimidade para aceitar a função no Sachs. Numa escala superior tem a mesma de dezenas de outros políticos de muitos quadrantes e países para transitarem da política para os negócios e vice-versa. No caso de Barroso há agora a reforçada certeza de que não vai mesmo regressar à política portuguesa. Do Goldman Sachs nem para o Banco Mundial, quanto mais para Belém.

Jornalista


A história também se escreve através do desporto


A vitória de Paris vai perdurar por muitos anos, mas não é só no futebol que nos hostilizam


1) A história é feita da memória dos povos. Desde meados do século passado, essa memória integra também os grandes feitos desportivos, entretanto mediatizados à escala planetária. Por isso, só por algum pedantismo intelectual se pode contrariar a tese de que a vitória de Portugal no Europeu de França é efetivamente histórica. Talvez ninguém se lembre dos 23 de Marcoussis dentro de 500 anos, mas daqui a 50 ou 100 certamente que sim, a menos que o feito se torne um hábito. Durante muito tempo se falará de heróis improváveis e grandes campeões. Em tudo o que se viu não houve excessos. Houve uma reação natural de alegria exuberante dos que cá estão e dos de fora.

2) Ganhar à França é um gosto para qualquer povo, mas especialmente para portugueses e belgas, por razões distintas. No caso dos portugueses, porque foram sendo normalmente desconsiderados por uma arrogância insuportável, como ainda agora se viu, embora sejam uma comunidade enorme, ordeira e trabalhadora que enriqueceu aquele país. Ainda por cima quando os melhores franceses são muitas vezes de outras nacionalidades ou de origem estrangeira. Brel, Yourcenar, Simenon ou nomes como Aznavour, Sarkozy, Zidane, Noah e Moscovici não são propriamente franceses, como não o são Griezmann, Pogba e Robert Pires. Já Pétain e Le Pen são de lá e genuínos. Aos franceses valeu-lhes De Gaulle que, com uma centena de pescadores da ilha de Sein, constituiu em Londres a França livre e a tornou politicamente vencedora de uma guerra mundial que não ganhou.

3) Vamos ter sanções de Bruxelas, faltando saber se são de impacto efetivo. Mesmo simbolicamente, ser sancionado é péssimo para a perceção que há de Portugal e, portanto, para a sua credibilidade externa. A situação resulta de dois fatores concretos: a atuação do governo Passos e a falta de confiança na política de Costa, a quem se volta a exigir o célebre plano B para que a penalização ande pelo grau zero ou por uma ameaça de corte nos fundos estruturais facilmente amovível. Costa e Centeno têm agora a dupla tarefa de argumentar e apresentar garantias de não derrapagem à comissão e ao conselho e de amainar os ânimos do Bloco e do PCP. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa têm o nosso destino coletivo nas mãos. Podem querer a crise e ganhar ou perder mais tarde, eleitoralmente. Mas também podem perceber que, por injusto que seja, há que dar alguns sinais para refrear a hostilidade a Portugal resultante da plataforma de apoio a um governo que arrepia os eurocratas e neoliberais ainda mais do que o Brexit. Estando num processo de formação de governo e tendo um prazo maior para cumprir metas, os espanhóis têm mais folga e uma economia a crescer, o que não é uma evidência connosco.

4) Na semana passada, o Presidente Marcelo esteve menos bem duas vezes, mas recuperou em cheio depois da vitória de Portugal. Uma foi quando assistiu passivamente na Assembleia na Madeira ao desfraldar de uma bandeira do Daesh por José Manuel Coelho, que em tempos fez o mesmo com uma bandeira nazi. Horas depois, o Presidente considerou criativa a iniciativa e invocou a Constituição como escudo protetor do comportamento do deputado. O Daesh é um movimento terrorista planetário e cruel. Usar-se a sua bandeira para denunciar a asfixia política na Madeira é inaceitável, mas o Presidente aceitou. O segundo caso teve a ver com a viagem de Falcon que o PR fez a Lyon para assistir a um jogo da seleção, seguindo viagem diretamente a partir do norte do país. Perante críticas mesquinhas, o Presidente não encontrou melhor do que dizer que ia pagar a sua parte do bilhete, não se sabendo o que acha que devem fazer os outros passageiros. Se o Presidente entende usar um avião do Estado para se deslocar, deve fazê-lo e ponto final. Agora, se o dr. Rebelo de Sousa pode alugar um Falcon do Estado por 600 euros, então qualquer outro cidadão tem esse direito. E aí nasce uma nova easyJet, e logo estatal.

5) Durão Barroso é o novo patrão da gestão de influência do Goldman Sachs, sobretudo para a Europa e num tempo de Brexit. Fará ali o que melhor sabe: alta política baseada num acumular de experiência e de contactos de décadas como secretário de Estado, ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia. Aparentemente é a pessoa certa num banco que é mundialmente conhecido por basear alguma da sua atividade em operações assentes em práticas controversas que chegam a derrubar governos e a afundar países. Barroso tem toda a legitimidade para aceitar a função no Sachs. Numa escala superior tem a mesma de dezenas de outros políticos de muitos quadrantes e países para transitarem da política para os negócios e vice-versa. No caso de Barroso há agora a reforçada certeza de que não vai mesmo regressar à política portuguesa. Do Goldman Sachs nem para o Banco Mundial, quanto mais para Belém.

Jornalista