1) Vivemos neste eterno movimento pendular. Quando há mais uns tostões no bolso de alguns, as contas públicas derrapam, para gáudio dos Velhos do Restelo e dos interesses que espreitam novamente a compra a pataco do pouco que o Estado ainda detém (como a Companhia das Lezírias). Em 2013, neste jornal, escreveu-se num editorial que o país estava melhor, mas os portugueses pior. A constatação deu que falar. Há hoje uma conclusão a tirar. A solução anterior falhou. O país apresentou contas mais equilibradas, mas era uma habilidade cosmética de que resultou o empobrecimento geral, devastando o pequeno tecido empresarial e destruindo as maiores empresas, enquanto os bancos soçobravam. As reformas estruturais não existiram. Tudo assentou numa prática de austeridade suicidária e de venda de património. Um falhanço disfarçado para alemão ver e chinês comprar, feito sob pressão da troika. Face ao fracasso, havia que mudar de rumo. Foi o que Costa tentou, mas as coisas não estão a correr bem. Seja por causa da conjuntura ou por circunstância interna, a verdade é que o ambiente económico e financeiro está a degradar-se. Mais dinheiro a circular através de reposições em alguns setores não aqueceu a economia. Há mais consumo, mas não há investimento. As exportações diminuem, as importações aumentam e o Estado está atrasar pagamentos no meio de graves dificuldades de tesouraria. Estamos em pré-crise aguda. Certos setores radicais europeus forçam uma imediata reposição de cortes, enquanto outros pretendem retaliar com sanções por causa do défice excessivo do ano passado. É preciso dizer que a Europa tem legitimidade legal para fazer as duas coisas, ao contrário do que se diz por cá. Numa coisa, estes grupos agressivos estão de acordo: querem castigar portugueses e espanhóis. Isto para mostrar aos portugueses que há reversões inaceitáveis e governos assentes em plataformas inconvenientes. Aos espanhóis, que não tenham a tentação de arranjar um governo parecido com o de Lisboa. Os moderados europeus pouco podem fazer porque pertencem a países-problema. Só Merkel ainda tem força para evitar um castigo ibérico semelhante ao grego, mas a sua estrela está mais pálida. Veremos se consegue e realmente quer. Internamente, Passos precisa de sanções para sobreviver politicamente, desde que não venham por causa do falhanço do seu consulado, em que houve oito orçamentos retificativos. No meio do caos europeu, do Brexit em curso, do nacionalismo escocês, do nacionalismo neonazi húngaro, do extremismo polaco, das vitórias de radicais na Itália, da anulação das presidenciais na Áustria, do terrorismo na Bélgica, da revolta social em França e do caos na Grécia, para não falar dos problemas dos vizinhos turcos e ucranianos, é Portugal e uma Espanha sem governo há seis meses que se visam. Só há uma explicação. Não gostam da solução de governo e da coligação informal que a sustenta, e não querem Madrid contaminada. Por isso, Costa não pode falhar e ceder a chantagens do exterior ou de bloquistas internos. Isso jamais (em francês).
2) Já se percebeu que as comissões parlamentares de inquérito (CPI) são uma espécie de fogo-de-artifício. Fazem efeito pirotécnico e mediatizam os lançadores de foguetes. Depois volta tudo ao mesmo. Foi assim que a CPI do BPN não evitou o BES, que a do BES não impediu o Banif e que nenhuma evitou o descalabro da Caixa, que se arrisca a ser dissecada viva e destruída em direto nas televisões. As CPI seriam porventura úteis noutros campos. Vejamos alguns exemplos.
a) CPI aos médicos que integram as juntas de reavaliação da Segurança Social e outras para determinar se estão no exercício da profissão ou se são meros administrativos acéfalos.
b) CPI para apurar se a classe médica cumpre com os horários nos hospitais públicos e se há favorecimento do trabalho no setor privado.
c) CPI para averiguar da efetiva eficácia da AICEP na canalização de investimento para Portugal, analisando a relação entre gastos em viagens versus negócios concretizados.
d) CPI à utilidade dos inúmeros reguladores e autoridades de tudo e mais alguma coisa, estabelecendo uma relação custo-eficácia relativamente às antigas e serôdias mas minimamente eficazes direções-gerais.
e) CPI à efetiva redução de custos conseguida nas PPP para confirmar ou desmentir se os resultados obtidos apenas resultaram do corte de obrigações por parte dos concessionários.
f) CPI à atividade das ONG e das fundações nacionais para determinar se cumprem as suas finalidades, merecem os seus benefícios e quais as figuras políticas que delas já retiraram vantagens, nomeadamente em viagens. Particularmente importantes neste campo são as ONG que operam na CPLP.
3) Morreu o jornalista Manuel Lopes, o grande delegado da ANOP e da Lusa em Espanha. Foi através dele que a maioria dos portugueses foram informados durante anos do que se passava no país vizinho. Era respeitado cá e lá pelos maiores vultos dos dois países, começando pelo rei Juan Carlos. Adeus, Don Manolo. Gracias, mas sobretudo obrigado.
Jornalista