Solidariedade – um exemplo português


“Eu ajudo!” é um projeto de solidariedade construído pelos radialistas da Comercial com as maravilhosas ilustrações do Nuno Markl


Imaginemo-nos parados num deserto, sem qualquer estrada marcada no chão. Podemos ir para qualquer lado, o que nos parece conferir uma total liberdade, mas ficaremos sem saber quais os rumos, os melhores traçados, qual até o destino a que o destino nos leva. Imaginemo-nos então no deserto. Sem ninguém. Que alívio, não é? Não seria? Já vejo alguns leitores a deliciarem-se com a ideia de deixarem para trás os cônjuges e filhos, os patrões e empregados, os vizinhos, o trânsito… a pensarem apenas em vocês, vocês e vocês. Pois, sem iPads e sem internet, seria essa a condição. Mas mesmo que prescindissem desses gadgets, o que vos aconteceria? Seguramente, em pouco tempo sentir-se-iam sós, não no aspeto gostoso da palavra, de ter “um romance convosco próprios”, mas do sentimento triste e quase depressivo da solidão. Não poderiam ser ajudados em caso de necessidade, mas também não poderiam ajudar ninguém, porque ninguém poderia beneficiar da vossa… pois… solidariedade. Palavra difícil de dizer e de escrever, mas que significa tanto e que pode abranger tanta gente, e dar-nos a nós próprios “tanto e ainda mais”.

A nossa vida faz-se compreendendo e entrosando múltiplos sentimentos, desígnios, objetivos e interesses, de tantas e tantas pessoas de diferentes origens, idades e vontades. É um enorme quebra--cabeças. É aí que entra a empatia, como parte da ética, acerca da qual escrevi há algumas semanas. Entender os outros, tentarmos colocar-nos no lugar do outro e, finalmente, ver o que podemos fazer para o ajudar. É isso a solidariedade, a cooperação mútua, o reconhecimento da interdependência relacional e a identidade de sentimentos, ideias e até doutrinas. Não é por acaso que o movimento sindical polaco que levou à democracia no leste europeu, fundado em 1980 por Lech Walesa, que veio a ser presidente da Polónia democrática e Prémio Nobel da Paz, se chamou precisamente Solidarnosc. Solidariedade.

A educação para a solidariedade começa na infância. As crianças a quem é apenas dito sim não precisam de fazer confrontos, não exercitam a sua inteligência para buscar alternativas para conseguirem o que querem nem têm necessidade de lutar para convencer os pais de que estão certas, perdendo a capacidade de argumentar. Tudo é possível a priori e isso fá-las fracas, muitas vezes tiranas em casa e cobardes fora de casa (ou pesporrentes com os inferiores e aduladores dos superiores), pois não tiveram hipótese de verdadeiramente lutar pelo que queriam e que lhes foi impedido.

Uma maneira de “impregnar” os mais novos com o sentimento da solidariedade é através de histórias. Qual a criança que não gosta de uma boa história… aliás, qual a pessoa que não gosta de ouvir contar uma história, desde uma anedota a um facto, um percurso de vida ou um evento? É o processo de identificação com os outros, mesmo que virtuais e simbólicos – como nas histórias infantis –, que permite saber o que se quer, ser-se autónomo, abdicar do espírito de “carneirada”, ser independente e recusar submeter-se perante os poderes injustos, desenvolver capacidade de luta, de afirmação de identidade, e ter referenciais próprios.

No que toca às crianças, é fundamental veicular que as opções que se fizerem são para viver o hoje e projetar o amanhã, e isso só pode ser feito com consciência do momento presente e a aprendizagem com base na experiência passada, seja a do próprio, seja a da comunidade e da espécie humana, em momentos históricos que antecedem o dia atual, e com uma ideia precisa do que se quer para o futuro.

“Eu ajudo!” Parece uma frase declamativa, declarativa ou afirmativa. Deixo esta questão para os linguistas. Mas neste caso, “Eu ajudo!” é um projeto de solidariedade construído pelos radialistas da Comercial com as maravilhosas ilustrações do Nuno Markl. Curiosamente, houve um tempo em que eu via o Nuno, mal saía de casa, a “dizer-me” (num múpi da câmara municipal) que não me esquecesse de apanhar os cocós do meu cão – já nessa altura ele dava a cara pelo civismo, pela responsabilidade, pela solidariedade.

A Rádio Comercial agarrou na Beatriz, uma menina protagonista das histórias e, 20 de vinte dos membros da sua equipa, escreveu 20 histórias em que a “nossa” Beatriz mostra como pode uma criança, noutras tantas duas dezenas de situações, ser solidária. Editados pela Plátano Editora, a totalidade dos direitos de autor mais 2% da venda dos livros revertem para a Fundação Gil.

A Beatriz gosta de ajudar o próximo porque entende o seu sofrimento e as suas necessidades, desde o colega da escola ao planeta inteiro, com um idealismo que faz lembrar a Mafalda, de Quino. Mundo utópico? Otimismo delirante ou até, para alguns, irritante? Sonhos que serão desfeitos pela faceta cruel da realidade? Que seja! Os que se irritam e desfazem na ideia da solidariedade que parem de ler este artigo e vegetem no seu egoísmo. Os que acreditam que um pequeno gesto pode significar muito e que, como está escrito na Tora, “quem salva um homem salva a humanidade inteira”, que comprem o livro e ajudem.

Temos de ensinar às crianças o valor do outro e que todos somos únicos, imprescindíveis e irrepetíveis, complementando-nos. Ser “pobre dos outros mas rico de si” é fundamental para que a humanidade possa evoluir para patamares civilizacionais cada vez mais aperfeiçoados e pessoas equilibradas, solidárias, resilientes e “fortes”, que colocam mais um tijolo no muro ou mais uma peça no puzzle, mas que, sozinhas, nunca conseguiriam a solidez da parede ou a coerência do desenho. A ideia de que os outros são apenas empecilhos no nosso caminho – seja do sucesso, da profissão, do prazer ou da felicidade – será, pois, um trágico erro histórico.

Bem hajam, equipa da Rádio Comercial e, permitam-me mencionar sem desprimor para todos os outros, o Pedro Ribeiro, o diretor, e o Nuno Markl, o ilustrador, por estas histórias, exemplos do que devem ser os comportamentos eticamente certos. São simples, divertidas, ingénuas, pueris… como a criança que é a sua protagonista. 

Pediatra 
Escreve à terça-feira 


Solidariedade – um exemplo português


“Eu ajudo!” é um projeto de solidariedade construído pelos radialistas da Comercial com as maravilhosas ilustrações do Nuno Markl


Imaginemo-nos parados num deserto, sem qualquer estrada marcada no chão. Podemos ir para qualquer lado, o que nos parece conferir uma total liberdade, mas ficaremos sem saber quais os rumos, os melhores traçados, qual até o destino a que o destino nos leva. Imaginemo-nos então no deserto. Sem ninguém. Que alívio, não é? Não seria? Já vejo alguns leitores a deliciarem-se com a ideia de deixarem para trás os cônjuges e filhos, os patrões e empregados, os vizinhos, o trânsito… a pensarem apenas em vocês, vocês e vocês. Pois, sem iPads e sem internet, seria essa a condição. Mas mesmo que prescindissem desses gadgets, o que vos aconteceria? Seguramente, em pouco tempo sentir-se-iam sós, não no aspeto gostoso da palavra, de ter “um romance convosco próprios”, mas do sentimento triste e quase depressivo da solidão. Não poderiam ser ajudados em caso de necessidade, mas também não poderiam ajudar ninguém, porque ninguém poderia beneficiar da vossa… pois… solidariedade. Palavra difícil de dizer e de escrever, mas que significa tanto e que pode abranger tanta gente, e dar-nos a nós próprios “tanto e ainda mais”.

A nossa vida faz-se compreendendo e entrosando múltiplos sentimentos, desígnios, objetivos e interesses, de tantas e tantas pessoas de diferentes origens, idades e vontades. É um enorme quebra--cabeças. É aí que entra a empatia, como parte da ética, acerca da qual escrevi há algumas semanas. Entender os outros, tentarmos colocar-nos no lugar do outro e, finalmente, ver o que podemos fazer para o ajudar. É isso a solidariedade, a cooperação mútua, o reconhecimento da interdependência relacional e a identidade de sentimentos, ideias e até doutrinas. Não é por acaso que o movimento sindical polaco que levou à democracia no leste europeu, fundado em 1980 por Lech Walesa, que veio a ser presidente da Polónia democrática e Prémio Nobel da Paz, se chamou precisamente Solidarnosc. Solidariedade.

A educação para a solidariedade começa na infância. As crianças a quem é apenas dito sim não precisam de fazer confrontos, não exercitam a sua inteligência para buscar alternativas para conseguirem o que querem nem têm necessidade de lutar para convencer os pais de que estão certas, perdendo a capacidade de argumentar. Tudo é possível a priori e isso fá-las fracas, muitas vezes tiranas em casa e cobardes fora de casa (ou pesporrentes com os inferiores e aduladores dos superiores), pois não tiveram hipótese de verdadeiramente lutar pelo que queriam e que lhes foi impedido.

Uma maneira de “impregnar” os mais novos com o sentimento da solidariedade é através de histórias. Qual a criança que não gosta de uma boa história… aliás, qual a pessoa que não gosta de ouvir contar uma história, desde uma anedota a um facto, um percurso de vida ou um evento? É o processo de identificação com os outros, mesmo que virtuais e simbólicos – como nas histórias infantis –, que permite saber o que se quer, ser-se autónomo, abdicar do espírito de “carneirada”, ser independente e recusar submeter-se perante os poderes injustos, desenvolver capacidade de luta, de afirmação de identidade, e ter referenciais próprios.

No que toca às crianças, é fundamental veicular que as opções que se fizerem são para viver o hoje e projetar o amanhã, e isso só pode ser feito com consciência do momento presente e a aprendizagem com base na experiência passada, seja a do próprio, seja a da comunidade e da espécie humana, em momentos históricos que antecedem o dia atual, e com uma ideia precisa do que se quer para o futuro.

“Eu ajudo!” Parece uma frase declamativa, declarativa ou afirmativa. Deixo esta questão para os linguistas. Mas neste caso, “Eu ajudo!” é um projeto de solidariedade construído pelos radialistas da Comercial com as maravilhosas ilustrações do Nuno Markl. Curiosamente, houve um tempo em que eu via o Nuno, mal saía de casa, a “dizer-me” (num múpi da câmara municipal) que não me esquecesse de apanhar os cocós do meu cão – já nessa altura ele dava a cara pelo civismo, pela responsabilidade, pela solidariedade.

A Rádio Comercial agarrou na Beatriz, uma menina protagonista das histórias e, 20 de vinte dos membros da sua equipa, escreveu 20 histórias em que a “nossa” Beatriz mostra como pode uma criança, noutras tantas duas dezenas de situações, ser solidária. Editados pela Plátano Editora, a totalidade dos direitos de autor mais 2% da venda dos livros revertem para a Fundação Gil.

A Beatriz gosta de ajudar o próximo porque entende o seu sofrimento e as suas necessidades, desde o colega da escola ao planeta inteiro, com um idealismo que faz lembrar a Mafalda, de Quino. Mundo utópico? Otimismo delirante ou até, para alguns, irritante? Sonhos que serão desfeitos pela faceta cruel da realidade? Que seja! Os que se irritam e desfazem na ideia da solidariedade que parem de ler este artigo e vegetem no seu egoísmo. Os que acreditam que um pequeno gesto pode significar muito e que, como está escrito na Tora, “quem salva um homem salva a humanidade inteira”, que comprem o livro e ajudem.

Temos de ensinar às crianças o valor do outro e que todos somos únicos, imprescindíveis e irrepetíveis, complementando-nos. Ser “pobre dos outros mas rico de si” é fundamental para que a humanidade possa evoluir para patamares civilizacionais cada vez mais aperfeiçoados e pessoas equilibradas, solidárias, resilientes e “fortes”, que colocam mais um tijolo no muro ou mais uma peça no puzzle, mas que, sozinhas, nunca conseguiriam a solidez da parede ou a coerência do desenho. A ideia de que os outros são apenas empecilhos no nosso caminho – seja do sucesso, da profissão, do prazer ou da felicidade – será, pois, um trágico erro histórico.

Bem hajam, equipa da Rádio Comercial e, permitam-me mencionar sem desprimor para todos os outros, o Pedro Ribeiro, o diretor, e o Nuno Markl, o ilustrador, por estas histórias, exemplos do que devem ser os comportamentos eticamente certos. São simples, divertidas, ingénuas, pueris… como a criança que é a sua protagonista. 

Pediatra 
Escreve à terça-feira