Escolheu ser atriz para poder viver mais vidas do que aquela que lhe calhou na rifa. Canta para crianças, já fez de Bela n’“A Bela e o Monstro”, de homem, de prostituta em Berlim no início do século passado e de PJ numa telenovela. Uma intervenção sua, numa conferência anónima, sobre a perda de esperança, a partir da sua vida e dos seus pais, tornou-se viral no YouTube com centenas de milhares de pessoas a vê-la. É atriz e sindicalista. Senhoras e senhores, apresento-vos a Joana Manuel.
Quando começou a pensar que queria ser atriz?
Uhhhh, começa logo com uma questão psicanalítica (risos).
Eu, por exemplo, se pensasse em ser ator, batia logo com a cabeça nas paredes.
E se calhar não era mal pensado. Eu sou cantora há mais tempo do que sou atriz e não me lembro de não cantar. A história da vizinhança é que eu cantava os genéricos da novela “O Casarão”, de que nem sequer me lembro.
“Eu sou nuvem passageira…” [o jornalista tenta trautear a canção com voz de xarroco]
É capaz de ser isso, mas não me lembro. Mas os meus pais juram a pés juntos que eu andava a cantar aquilo, portanto, a minha cena com a música foi muito imediata e óbvia. Cresci alimentada a televisão, como muita gente. Mas se for buscar o mais atrás possível, eu tinha uma panca muito grande pelas séries de advogados e achava que queria ser advogada. As pessoas querem ser astronautas, bombeiros e médicos, e eu queria ser advogada. Houve um momento, lá pelos 12 ou 13 anos, em que percebi que não queria ser advogada, mas queria ser a gaja que estava na série a fazer de advogada.
E porquê essa mudança?
Se calhar, essencialmente por isso, acho que a vida é uma coisa tão apertadinha. Tive desde muito cedo a consciência da morte, algo com que temos muita dificuldade em lidar. Lembro-me de começar a fazer perguntas, mesmo chatas, aos meus pais, mesmo muito pequena… aquela coisa do vazio e do escuro. A minha família é ateia e, portanto, não tenho qualquer muleta para me segurar, nem as muletas dos avós, da vida para além da morte, me ajudavam. Sempre tive esta situação em que estamos num sítio e num tempo confinado e muito estreito, e que não temos tempo para fazer tudo, e que, se calhar, esta profissão era a melhor maneira que tinha para experimentar coisas diferentes: num momento poder ser advogada, noutro astronauta, e ainda ser bombeira. Mas, claro, com o andar da vida percebi que vivia em Portugal, mesmo como atriz não tenho grandes hipóteses. Mas já fui prostituta em Berlim no início do século passado, já fui uma nobre espanhola, uma juíza e uma advogada.
Os seus pais eram pessoas que tiveram de trabalhar muito. Numa intervenção sua numa conferência, com um vídeo que foi partilhado por quase 300 mil pessoas, disse que eles nunca tinham tido infância…
Os meus pais são quase figuras de arquétipo do século xx português. A minha mãe veio de uma aldeia do concelho de Castelo Rodrigo, perto de Vilar Formoso. Nós íamos todos os anos visitar a família da minha mãe e a aldeia não estava no mapa das estradas do ACP – passou a estar quando a gente deixou de lá ir, basicamente. E vês claramente que não era preciso ver o mapa, a gente já sabia que a estrada acabava ali. É o fim do mundo. Dentro do contexto daquela aldeia, ela não era muito pobre.
E toda a gente na aldeia não devia ser muito rica…
Sim, mas havia umas terras que pertenciam às pessoas. A minha mãe ainda tem uma terra qualquer que não sabe onde é que fica. Tem um papel das Finanças a dizer que é herdeira de um terreno que ela não sabe bem qual é: “Eu acho que é aquele bocado entre…”
Mas nessa região do país não costuma haver muitos ateus, como é que a sua mãe é?
Isso agora são outras questões. A minha acaba por ser ateia por causa do meu pai, mas acho que quando chegar o momento daquela confrontação final, vai chamar por Ele. Ela tem toda aquela espiritualidade da Beira Alta, do pedregulho e do espiritual, que não se consegue perceber muito bem. Ela tem lá isso tudo dentro dela. Eu digo que a família não era totalmente pobre porque, embora sem condições e casa de banho, era do adro da igreja, que é na zona central da aldeia, e o meu avô tinha um cavalo para o trabalho e não era toda a gente que tinha. Depois acabaram por perder tudo, eram muitos filhos e, às vezes, uma sardinha para todos, e pés descalços na neve a pastar o gado.
Ela sai da aldeia para ir para Lisboa?
Tinha nove anos, com a terceira classe, para ir servir para uma casa de família em Lisboa, numa cozinha. Não consigo conceber isto. Eu, aos nove anos, não andava sozinha de transportes públicos sequer. Mesmo quando tenho problemas de relacionamento com a minha mãe, porque é uma distância muito grande que nos separa, tento sempre pôr a perspetiva. Não sei o que aquela vida faz numa pessoa, os efeitos que tem. Depois viveu sozinha em Lisboa, durante toda a adolescência, e aos 17 anos dá o salto para França. Deu o pulo porque já a família toda estava lá.
Mas não nasce em França?
Não, porque o meu pai nunca deu o pulo para lado nenhum, era daqui. O meu pai veio do Baixo Alentejo, de um monte que também não vem no mapa, no concelho de Odemira, mas longe de Odemira. A freguesia é a do Adelino Amaro da Costa, agora é tudo com o nome dele: a Rua Direita é a Rua Adelino Amaro da Costa, a praça da igreja é o Largo Adelino Amaro da Costa. É São Martinho das Amoreiras. O meu pai veio com 12 anos para Lisboa, sozinho, e abria o café, que ainda existe na Defensores de Chaves, todos os dias às sete da manhã e, como digo, sozinho. Eu falo disso naquele texto [intervenção na Conferência Portugal Soberano], tudo o que eu digo no texto é verdade, ele achava mesmo que não ia durar e que ia morrer tuberculoso: comia uma sandes por dia e não estava em boas condições, e sempre foi franzino à boa maneira alentejana – tenho a quem sair -, sempre foi um pau de virar tripas, mas afinal durou. Depois, em Santos, conheceu a minha mãe antes de ela ir para França, continuaram a corresponder-se, e deu-se o 25 de Abril, e o meu pai pensou, “já posso constituir família”, e mandou vir a noiva.
Diz nessa intervenção que o seu pai nunca quis ter filhos em ditadura.
Ele dizia muito isso, que não fazia sentido, mas sempre teve a esperança de que as coisas mudariam a tempo de ele constituir família. Já não era nenhum miúdo, tinha 37 anos quando eu nasci. E porque são ateus? Porque o meu pai era comunista e a minha mãe foi atrás. Basicamente foi por isso.
E a sua mãe, depois da morte do seu pai, mantém-se comunista?
É, paga quotas e tem as suas ideias próprias. Pensei nisso quando o meu pai morreu, agora é que a gente vai perceber o que a minha mãe pensa, mas depois há uma ligação de classe que se estabeleceu e que ficou lá e que é sólida, mesmo dentro de todas as suas condições.
Profissionalmente, qual é o seu percurso?
Fiz um semestre do curso de Ciências de Comunicação da Nova. E entretanto tinha aulas de música numa escola de bairro e andava a fazer exames, como externa, para o Conservatório. Acho que apenas fui para a universidade para não me chatearem. “Agora que entrei, e foi uma das médias mais altas do país, vou fazer o que me apetece”, pensei. E vim–me embora antes de uma frequência, tive uma crise de choro, percebi que não era isso que queria fazer, e fui para o Conservatório. Cheguei a casa e disse: “Mãe, tomei uma decisão.” A minha mãe já tinha ficado muito triste por eu não ter ido para Economia, que era o que dava dinheiro. O meu pai já tinha ficado muito triste por eu não ter ido para Direito, que era o que, no fundo, ele sempre gostaria de ter feito, e tinha projetado um bocado em mim. Se calhar, pensaram: “Não foste para nenhuma das coisas que a gente queria, perdido por cem, perdido por mil, vai lá à tua vida.”
E quando entra para o Conservatório acha que estava no sítio certo?
Achei, e durante muito tempo estive no sítio certo. Também fiz o Conservatório ao mesmo tempo que fiz a escola do Hotclube, nunca me quis focar demasiado, se calhar por essa sensação, que era muito curta e não me quero especializar numa coisa só. Se calhar por essa sensação de que é tudo demasiado curto.
E começou primeiro pela música, antes da representação.
Entrei para o coro Gulbenkian, tornei–me efetiva, e lá conheci algumas pessoas que tinham um grupo que fazia cenas de teatro musical da Broadway e do East End. Cheguei ao teatro pela música. Mas, no fundo, desde miúda que sabia que era o que queria, não tinha era tomates para me atirar para aquilo. A música foi sempre o caminho mais natural. Quando comecei a fazer teatro, percebi que a música faz parte, mas a minha cena era o teatro.
Porquê?
Não sei explicar. É um bocado aquilo que disse, dá-nos a possibilidade de explorar e ser várias coisas, para mim acaba também por ter uma vertente de autoconhecimento. Quando comecei a fazer, tive uma psicóloga amiga que me dizia: “Andas a fazer psicodrama e ainda te pagam para isso.”
Não muito, mas pagam (risos).
Vão pagando. O teatro obrigou-me a enfrentar-me muito mais para lá dos quadrados em que me tinha enfiado. O meu pai tinha imensas qualidades, mas tinha imensos defeitos. Um deles foi que me ensinou muito bem a fazer quadrados, e o teatro desafiou-me a fazer outras figuras geométricas e a conhecer-me mais.
Como é que se conhece mais se está a fazer de outro?
Pois, sabe aquela frase do Orwell que diz que o homem é menos ele próprio quando fala na sua própria pessoa, deem-lhe uma máscara e ele dirá a verdade. Mas é um bocado isso, há dezenas de escolas de representação, mas gosto muito daquela frase do Meisner que diz “To live truthfully under given imaginary circumstances”. Isso significa que não estamos a construir um boneco, temos de partir de nós, temos de nos colocar naquela situação, numa outra história de vida, ou neutralizar-nos a nós, nós somos o nosso próprio material de trabalho.
Quando se coloca está a ver-se a representar ou está completamente imersa?
Há de tudo, os processos não são todos iguais, às vezes queremos ser muito profundos e acertamos completamente ao lado. Às vezes é através do nosso corpo e não temos um controlo tão racional. Há trabalhos que nos obrigam a fazer uma espécie de autoanálise a posteriori. Há uma coisa que sinto no teatro, é que posso estar seis meses sem trabalhar que, na verdade, estive a trabalhar na mesma. O material continua lá e nós continuamos a fermentar. Aquilo que liga de alguma forma à música, ao teatro, é o ato da performance. Temos muita dificuldade em saber viver o presente: ou vivemos no passado, sempre a pensar no que está pendurado ou que podia ter sido; ou estamos a projetar e a pensar: daqui a seis meses vou ter trabalho? Será que posso ter filhos? Qual vai ser o governo? E a performance não nos deixa fazer isso, temos de estar ali e naquele momento. E se houve uma coisa, em palco, que aconteceu mal, no segundo seguinte já não podemos estar a pensar nela, porque senão a seguinte também vai correr mal.
Desculpe uma pergunta de ignorante: quando no teatro chora ou está feliz, é um processo técnico ou tem de ir buscar qualquer coisa dentro de si?
Depende dos momentos, eu tenho muita dificuldade no choro técnico, não consigo fazer isso. Tenho de ir buscar qualquer coisa, podem ser memórias ou pode ser até o próprio texto que me leva lá. Pode ser até a frustração de não estar a conseguir chorar. Há coisas a que começamos a aceder de uma maneira intuitiva porque começamos a conhecer melhor o nosso corpo. Acho que é sempre o corpo e que não há mais nada. Não acho que habito dentro de um corpo, acho que sou isto. Conhece o “Animatrix”, aqueles desenhos animados feitos a partir do “Matrix”? Há um deles que fala de como se chegou ao domínio das máquinas, e vê-se um humano, preso, a quem vão mexendo no cérebro com uns instrumentos: quando mexem a pinça, ele ri; quando mexem mais um bocadinho, ele chora. Há algumas coisas que são fisiológicas.
Quando começa no teatro?
Não comecei muito cedo no teatro profissional, comecei com 24 anos a fazer de Bela n’“A Bela e o Monstro”.
Era muito mais giro fazer de monstro.
Esse fazia o meu namorado da altura. Era uma peça de teatro infantil e fui convidada porque fazia teatro musical, e depois nunca mais larguei. Comecei a trabalhar com o Fernando Gomes e depois fui fazer um trabalho com o Ricardo Pais a partir de temas do Stephen Sondheim – portanto, ligado à música. Depois continuei com o UBU, depois fiz o D. Juan, depois fiz Goldoni. Lá está, quando comecei a fazer não estava propriamente com 18 anos para fazer de ingenuazinha. Já caminhava para os 30.
Quando é que entra no Nacional?
O Sondheim foi em 2004. O último espetáculo que fiz foram “Os Tambores da Noite” do Brecht, em 2011.
E sempre a trabalhar a recibo verde?
Sempre a recibo verde. Só no último trabalho mudaram o sistema de contratação: baixaram-me o ordenado e fizeram um contrato de três meses, com descontos para a Segurança Social. Pensei na altura, que azar, estes três meses calham logo num ano em que tinha um contrato para dar aulas na Universidade de Évora, e que isso não me fazia diferença nenhuma. Em 2011 houve uma espécie de moralização da contratação que espero que se mantenha. Como não tenho trabalhado com eles, não sei.
E a primeira vez que fez televisão?
Coincidiu praticamente com a minha estreia no teatro. Foi para uma série na RTP 1, do Rui Mendes, e fiz de mim mesma.
Como é que é isso?
Os tipos da série iam ao teatro e lá estava eu a representar. Foi uma boa estreia. Não faço televisão habitualmente. Fiz seis meses de telenovela o ano passado e gostei imenso daquela sensação de não hiperventilar quando tinha de pagar as contas. Fiz uma participação na novela antes dessa, mas foi só uma participação. E depois fiz essa inspetora da PJ.
Mas gosta daquilo ou é só para pagar contas?
Confesso que durante dez anos fugi. Tenho uma agente que é supercompreensiva: é minha agente há dez anos e só ganhou comigo o ano passado. Ela não me cobra comissões sobre o teatro porque é um valor ridículo, se for preciso até vai negociar por mim sem levar dinheiro. Nunca julguei colega nenhum por fazer televisão e nunca achei que fosse vergonha fazer telenovelas.
Mas há coisas geniais em televisão.
Sim, mas em Portugal é difícil encontrá–las. Não tenho problema nenhum com televisão: gosto e vejo séries, e adorava fazer aquilo. Agora, a novela, por definição, parece um bocado uma linha de montagem. O que achei das novelas é que, às vezes, há uma certa incongruência devido ao volume de trabalho a que os guionistas são submetidos. Nem todos os diálogos são perfeitos, mas se soubermos lidar com a equipa há uma certa margem de manobra para tornarmos o texto mais nosso. Passei dez anos sem fazer televisão, o que me poupou a uma série de vícios que não ganhei e me fez ganhar uma certa estaleca. Além disso, com a televisão há a questão da imensa visibilidade, que me mete uma certa confusão, é assustadora.
Passaram a conhecê-la na rua?
Há uma farmácia que frequento há cinco anos, o tempo que eu vivo aqui, e a senhora da farmácia, estava eu para pagar, olha para mim e diz-me: “A menina é atriz? É que parece que a estou a conhecer de qualquer lado.” E eu: “Daqui. Venho cá há quatro anos.” Fiquei quase ofendida. Ela nunca tinha olhado para a minha cara. Mas, depois, ter as vizinhas velhotas a dizer, “então, já apanhou o malandro?”, isso tem alguma graça.
Mas há gerações distintas de atores, por exemplo os que vinham do teatro declamado e os chamados modelitos dos “Morangos com Açúcar”.
Sim, mas é muito fácil entrar em generalizações. Do chamado teatro declamado vinham muitos canastrões, e dos modelitos e dos “Morangos”, às vezes, há atores muito interessantes.
E experiência cinematográfica?
Fiz uma curta de escola e depois fiz um telefilme alemão. Nesse ano fui a Berlim e uma amiga alemã jurava que uma pessoa tinha ficado a olhar para mim na rua por me ter reconhecido do filme (risos). E fiz “Os Gatos Não Têm Vertigens”, do António-Pedro Vasconcelos.
Quando telefonei para marcar a entrevista respondeu: “Lá vou eu perder uma data de trabalhos.” Porquê?
Porque tenho o estigma de ser dirigente sindical. É óbvio que não falo mal dos trabalhos nas entrevistas. Ainda ontem estava a conversar sobre isto. Há um problema da visibilidade que é não ser usada nas lutas sociais: há pessoas com uma imensa visibilidade, que não é o meu caso, que ainda não perceberam que isso não é necessariamente uma fraqueza. É uma força. Enquanto outro trabalhador qualquer, que também pode estar a pôr em risco o seu trabalho futuro ao dar a cara nas lutas, tem menos proteção e capacidade de fazer uma pressão mediática até. Nós temos essa vantagem em relação a outros profissionais e, se calhar, valia a pena usá-la.
Como aparece na geração à rasca do 12 de Março?
Não vou parar à geração à rasca, sou mesmo da geração rasca, estive nas manifs em que se mostrou o rabo à ministra. Embora eu não o tenha feito (risos). A geração à rasca apanhou-nos num momento que parecia que o céu nos estava a cair em cima da cabeça. Durante uns momentos ainda estive à espera para perceber o que era aquilo, apareceram várias convocatórias, algumas muito duvidosas: “um milhão na Avenida da Liberdade contra a classe política”, etc., etc. Tinha as minhas reservas, e é uma luta antiga que tenho com amigos meus anarquistas sobre o papel das eleições e dos partidos: se temos um garfo e uma faca para comer, porque só usamos a faca? De alguma maneira fomos um bocado papados naquela manif, havia ali muitas coisas politiqueiras que se aproveitaram: quando penso nos meninos da JSD com recibos verdes gigantes na manif… Houve descontentamentos em várias direções que até foram capitalizados por gente errada. Mas acho que, à sua maneira, estas manifestações deram frutos e atraíram pessoas para o ativismo e a cidadania que até ali estavam alheadas.
Mas a sua participação ativista não começou aí?
O meu primeiro empenhamento a sério foi no segundo referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, mas já tinha feito coisas em relação à questão LGBT. Escrevo cartas ao diretor do “Público” sobre a homofobia desde os meus 14 anos (risos). Depois é que veio o ativismo formal.
Mas identifica-se hoje mais com as posições políticas do seu pai que anteriormente?
Sim e não. Essa questão da homofobia é relevante. Tinha discussões com o meu pai: o meu pai tinha muito orgulho em que houvesse homossexuais assumidos no PCP, e ele usava isso como uma bandeira de liberdade, mas à mesa de casa lá vinha aquele peso. Tinha um amigo mais velho que, quando lhe disseram para colocar o filho no ballet, ele opôs-se dizendo que não seria contra que o filho fosse homossexual, mas não ia trabalhar para isso. E isso era um bocado a posição do meu pai. “Eu vou trabalhar para que tu não sejas, mas depois aceito-te se fores.” E isso fazia-me muita confusão, não se perceber até que ponto era violência essa ideia de “trabalhar para que tu não sejas”. Tivemos discussões de caixão à cova. O que aconteceu quando saiu a minha primeira carta no “Público” sobre o assunto? O meu pai andou todo orgulhoso a mostrar o jornal a toda a gente.
E sobre a questão da prostituição, acha que é um trabalho como os outros?
Já tive mais certezas sobre o assunto. A minha frase habitual é que contra putas não tenho absolutamente nada, não curto é chulos.