“Durante a campanha disse que queria o meu país de volta, agora quero a minha vida de volta”. Foi desta forma que Nigel Farage, o homem que nunca tendo vencido uma votação se tornou uma das figuras mais mediáticas da política britânica, anunciou a sua saída do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP), formação que ajudou a fundar em 1993 com o objetivo de retirar o país da União Europeia.
“A vitória da saída no referendo significa que a minha ambição política foi alcançada. Juntei-me a esta luta vindo do mundo empresarial porque queria que voltássemos a ser uma nação que se governa, não para ser um político de carreira”, disse o homem que há pouco mais de um ano também anunciou a demissão na sequência de não ter conseguido ser eleito deputado nas eleições legislativas.
Farage, que apesar de ser creditado pelo renascimento do euroceticismo britânico na última década nunca foi uma hipótese credível para exercer funções institucionais no processo de saída, é a segunda grande baixa entre aqueles que cantaram vitória no dia 23, depois de Boris Johnson se ter visto afastado da corrida à liderança do Partido Conservador devido a uma ‘traição’ do também ‘brexiter’ Michael Gove.
Algo que não foi esquecido pela imprensa britânica, especialmente por aquela que defendia a permanência na comunidade europeia. No “Independent”, a colunista Holly Baxter acrescenta à lista David Cameron, que apesar de ter anunciado a saída da liderança do governo devido a uma votação que escolheu um destino diferente do que defendia, foi o homem que concluiu “que prometer o referendo era uma ideia brilhante para vencer umas legislativas sem consequências a longo prazo”.
“Agora é Nigel Farage, um homem que fez toda a carreira em volta da defesa da independência do Reino Unido”. Farage afasta-se depois de conquista o objetivo. “Porque haveria ele de ficar e sujar as mãos com praticidades? Afinal é o Partido pela Independência do Reino Unido, não o Partido do que o Reino Unido Deve Fazer Depois da Independência”.
Aos 52 anos, Farage sai convencido que “o UKIP está numa boa posição e vai continuar, com o meu total apoio para atrair votações significativas”. E tem números para sustentar a tese: depois de ajudar a fundar o partido em 1993 – antes desvinculara-se do Partido Conservador logo após o então PM John Major assinar o Tratado de Maastricht – Farage chegou à liderança em 2010. E se antes o UKIP tinha como melhor resultado os 2,2% alcançados nas legislativas de 2005, o homem que foi eleito eurodeputado quatro vezes desde 1999 levou os eurocéticos a conseguirem 12,6% dos votos nas legislativas de maio de 2015.
Antigo agente da City de Londres, onde trabalhou como corretor de bolsa depois de decidir não tirar um curso superior, Farage seguiu para Bruxelas por estar convencido que “a mudança se faz de dentro e não de fora”. Algo que lembrou ao discursar no Parlamento Europeu dois dias depois da vitória do Brexit: “Quando aqui cheguei há 17 anos e disse que queria liderar uma campanha para tirar o Reino Unido da UE, todos vocês se riram de mim. Agora não estão a rir”.
A sua entrega à causa – recheada de declarações polémicas como a de, em pleno plenário do PE, dizer ao então Presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, que este tinha “o carisma de uma esfregona húmida” – levou-o a ser acusado várias vezes de racismo. Algo que sempre refutou, normalmente lembrando que apesar de toda uma vida dedicada à causa da fuga à Europa, ele próprio se casou com uma germânica – e o matrimónio com Kirsten Mehr já dura desde 1999.
A ameaçar manchar o seu legado entre a franja extremista de britânicos está Douglas Carswell, outro dissidente torie que foi o único membro do UKIP a conseguir contornar o difícil sistema eleitoral britânico e capitalizar os 3,8 milhões de votos do partido ao ponto de conseguir ser eleito deputado. Ontem, logo após o anúncio de Farage, Carswell foi ao Twitter publicar apenas um rosto sorridente.
Não era razão para menos: há pouco mais de uma semana, Farage pedia a sua expulsão do partido. “Porque alguém se junta ao UKIP comigo na presidência, com as nossas políticas e manifesto, e desde o dia um se mostra em desacordo com tudo o que fazemos”, disse o ainda líder apelando ao comité nacional do partido para analisar uma possível expulsão do único deputado do partido.