Quem conhece a Baixa do Porto sabe que existem vários cafés, pastelarias e salões de chá que têm obrigatoriamente de ser visitados – um deles é o Aviz.
Aberto desde 1947, este deve o seu nome não só à rua onde se encontra (Rua de Avis), mas também ao rei de Portugal D. João i, mestre de Avis. Aliás, toda a área que circunda este estabelecimento é dedicada aos Descobrimentos: junto à Rua de Aviz existe a Rua de Ceuta (local estratégico para a navegação no norte de África, conquistado por D. João i) e a Praça D. Filipa de Lencastre, mulher do mestre de Avis.
Com 69 anos de história, o Aviz mantém alguns dos clientes mais antigos, mas recebe cada vez mais pessoas que por ali passam e entram apenas por curiosidade. “As pessoas já não são fiéis a um único café, gostam de variar e conhecer os novos espaços que vão abrindo na cidade. Mas continuamos a receber alguns dos clientes mais antigos. Principalmente de manhã; à tarde e à noite, a clientela é mais variada”, explicou ao i Paulo Almeida, gerente do espaço há 18 anos.
Tal como acontece com outros cafés com história, muita da documentação relacionada com este espaço perdeu-se ao longo do tempo – pouco se sabe sobre quem passou aqui, quem fazia deste café o seu local predileto para relaxar e conviver. No entanto, António Fortes, filho de José Fernandes Fortes, fundador do Aviz, lembra-se de alguns pormenores.
“O meu pai abriu o Café Estrela D’Ouro [também no Porto] em 1944. Na altura, este café fazia 90 contos por mês, o que representava uma generosa quantia. A certa altura, o dono de uma fábrica de móveis propõe ao meu pai abrir um novo café. Lembro-me que o estabelecimento custou 4700 contos. Quando estava pronto e prestes a abrir, o dono da fábrica ‘deu um pontapé’ ao meu pai e fez do Aviz o seu café. O meu pai regressou ao Estrela D’Ouro – um espaço que, antes deste investimento, fazia muito dinheiro e que, na altura, passou a faturar apenas 100 escudos por dia”, recorda.
“O Aviz teve uma inauguração pomposa, com governadores civis, presidentes da câmara e figuras da alta sociedade”, explica António Fortes. A partir daí, o espaço foi sempre frequentado por pessoas da alta burguesia. “Foi dos primeiros cafés do Porto onde as mulheres podiam ir sozinhas”, explica.
Mas o Aviz não conquistou o seu estatuto apenas graças às senhoras da alta sociedade: “Houve uma altura em que este espaço era muito frequentado por estudantes e por jornalistas – a redação da RDP [Radiodifusão Portuguesa] era aqui perto”, recorda Paulo Almeida.
O medo de fechar portas No ano passado, Rui Moreira disse estar preocupado com a lei do arrendamento, temendo que esta representasse um “profundo risco” para o comércio tradicional da cidade do Porto. Na altura, o autarca afirmou que a câmara sabe de “vários estabelecimentos comerciais que receberam cartas de senhorios a dizer que não vão estar interessados em renovar os contratos de arrendamento”, concluindo que os inquilinos “vão ser postos fora”. Este é um problema que ainda hoje Paulo Almeida enfrenta.
A verdade é que, após um período de transição previsto na lei em vigor (cinco anos), o senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento, colocando os inquilinos em situações impraticáveis. “Podem alterar o valor da renda e pedir valores exorbitantes. Não saberíamos como sobreviver perante uma situação dessas, teria de ir para tribunal”, explica o atual gerente.
Mas surgiram boas notícias nos últimos meses: em abril, o projeto de lei socialista que visa um regime de classificação e proteção de lojas históricas e entidades com interesse histórico e cultural, para efeitos de arrendamento, foi aprovado no parlamento. Este tem como objetivo garantir a estes estabelecimentos “uma proteção contra o aumento expressivo das rendas”, devido à aplicação do Novo Regime do Arrendamento Urbano, e “uma proteção em caso de obras de requalificação profunda ou de demolição”, impedindo o despejo.
Mesmo com boas notícias, o Aviz não pode descansar. Face aos constrangimentos que sentiu durante a crise financeira, o espaço foi obrigado a reinventar-se e a recorrer à ajuda dos milhares de turistas que visitam o Porto. Já sentem uma recuperação, mas não podem ficar parados – é essencial manter viva a história do Porto, quer nos grandes monumentos quer nos pequenos cafés