Little Britain: the remains of the day


A omnipresença do discurso emocional, imediatista e acrítico, quer na política quer na comunicação social, tem consequências dramáticas quando, esgotada a cornucópia das emoções, é preciso agir para moldar a realidade que resultou das emoções à solta


A omnipresença do discurso emocional, imediatista e acrítico, quer na política quer na comunicação social, tem consequências dramáticas quando, esgotada a cornucópia das emoções, é preciso agir para moldar a realidade que resultou das emoções à solta.

As reações ao Brexit, primeiro por parte dos líderes europeus e nacionais no Conselho Europeu em Bruxelas, depois, ao longo do dia de ontem, dos putativos vencedores e vencidos e nos declarados candidatos a líderes do Reino Unido deram prova de duas realidades assustadoras.

Em primeiro lugar, ninguém tinha, de facto, um plano, nem A, nem B, nem plano algum. Um plano digno desse nome prevê várias possibilidades e organiza as respostas a cada uma elas. Quer o plano inglês quer o plano europeu para o Brexit, veio a descobrir-se, baseavam–se no contributo dos portugueses para o planeamento, sintetizado com brilho na expressão “fia-te na Virgem e não corras!”, que é, como sabemos, a fórmula canónica da ausência de planeamento.

Em segundo lugar, o Brexit permitiu passar aos ajustes de contas vários a que a natureza humana se entrega quando descobre o pretexto certo e que o Código Penal português pune pela tipificação do “crime de participação em rixa”. Paris olha com gula para as empresas financeiras que fugirão da City, esquecendo–se de que Milão pretende vir a ser a sede do regulador financeiro europeu, que está atualmente nas margens do Tamisa, e que Frankfurt não deixará de fazer valer o argumento da presença da sede do BCE nas margens do Main. O MNE polaco, com a pontaria de quem acordou tarde e dormiu pouco, partiu para uma catilinária contra Juncker exigindo a sua substituição in articulo mortis. Renzi (e Costa e Tsipras) suspirou de alívio e agradeceu à Madonna di Pompei o aparecimento de um outro tema na agenda europeia que não o da economia anorética dos países do sul. Rajoy, que se fossilizou como primeiro-ministro em gestão, anunciou o veto a qualquer pretensão de adesão de uma Escócia independente à UE o que, traduzido para catalão, significa que, oh surpresa!, também não aceitará a adesão de uma Catalunha independente. A Irlanda sonha em reencarnar como nova capital do Império Britânico e prepara-se para vender 65 milhões de passaportes; só o primeiro milhão será gratuito e baseado no jus sanguinis. Populistas e demagogos das franjas nacionalistas sonham com a reprodução do Exit em França, na Holanda, na Dinamarca, na Suécia, na Hungria, na Eslováquia e na República Checa.

Pela Lusitânia seria bom criar um regime de vistos gold menos exigente, a pensar nos reformados, turistas, estudantes Erasmus e empresários britânicos que estão entre nós e nos que poderão querer por cá passar no futuro próximo.

Depois da ausência de planos, todos parecem ter um. O RU gostaria de elevar ao absurdo a possibilidade de “cherry picking”, ficando com o mercado interno mas sem a obrigação de permitir a liberdade de circulação de pessoas. Escócia, Irlanda do Norte e Gibraltar gostariam de se transformar em praças de portagem para as relações entre o RU e a UE. Muitos Estados-membros olham com gula para a deslocalização do tecido empresarial europeu e para a caça aos postos ocupados por britânicos na UE. Algumas almas pias gostariam de comboiar o RU de volta para uma sua invenção, a EFTA, atualmente a operar como EEA (Espaço Económico Europeu) mas onde vigora a liberdade de circulação de pessoas do EEA e… da UE.

As negociações em torno das consequências do Brexit vão ser como um divórcio em Las Vegas: aquilo que a bebedeira separou terá de ser reunido pela ressaca.


Little Britain: the remains of the day


A omnipresença do discurso emocional, imediatista e acrítico, quer na política quer na comunicação social, tem consequências dramáticas quando, esgotada a cornucópia das emoções, é preciso agir para moldar a realidade que resultou das emoções à solta


A omnipresença do discurso emocional, imediatista e acrítico, quer na política quer na comunicação social, tem consequências dramáticas quando, esgotada a cornucópia das emoções, é preciso agir para moldar a realidade que resultou das emoções à solta.

As reações ao Brexit, primeiro por parte dos líderes europeus e nacionais no Conselho Europeu em Bruxelas, depois, ao longo do dia de ontem, dos putativos vencedores e vencidos e nos declarados candidatos a líderes do Reino Unido deram prova de duas realidades assustadoras.

Em primeiro lugar, ninguém tinha, de facto, um plano, nem A, nem B, nem plano algum. Um plano digno desse nome prevê várias possibilidades e organiza as respostas a cada uma elas. Quer o plano inglês quer o plano europeu para o Brexit, veio a descobrir-se, baseavam–se no contributo dos portugueses para o planeamento, sintetizado com brilho na expressão “fia-te na Virgem e não corras!”, que é, como sabemos, a fórmula canónica da ausência de planeamento.

Em segundo lugar, o Brexit permitiu passar aos ajustes de contas vários a que a natureza humana se entrega quando descobre o pretexto certo e que o Código Penal português pune pela tipificação do “crime de participação em rixa”. Paris olha com gula para as empresas financeiras que fugirão da City, esquecendo–se de que Milão pretende vir a ser a sede do regulador financeiro europeu, que está atualmente nas margens do Tamisa, e que Frankfurt não deixará de fazer valer o argumento da presença da sede do BCE nas margens do Main. O MNE polaco, com a pontaria de quem acordou tarde e dormiu pouco, partiu para uma catilinária contra Juncker exigindo a sua substituição in articulo mortis. Renzi (e Costa e Tsipras) suspirou de alívio e agradeceu à Madonna di Pompei o aparecimento de um outro tema na agenda europeia que não o da economia anorética dos países do sul. Rajoy, que se fossilizou como primeiro-ministro em gestão, anunciou o veto a qualquer pretensão de adesão de uma Escócia independente à UE o que, traduzido para catalão, significa que, oh surpresa!, também não aceitará a adesão de uma Catalunha independente. A Irlanda sonha em reencarnar como nova capital do Império Britânico e prepara-se para vender 65 milhões de passaportes; só o primeiro milhão será gratuito e baseado no jus sanguinis. Populistas e demagogos das franjas nacionalistas sonham com a reprodução do Exit em França, na Holanda, na Dinamarca, na Suécia, na Hungria, na Eslováquia e na República Checa.

Pela Lusitânia seria bom criar um regime de vistos gold menos exigente, a pensar nos reformados, turistas, estudantes Erasmus e empresários britânicos que estão entre nós e nos que poderão querer por cá passar no futuro próximo.

Depois da ausência de planos, todos parecem ter um. O RU gostaria de elevar ao absurdo a possibilidade de “cherry picking”, ficando com o mercado interno mas sem a obrigação de permitir a liberdade de circulação de pessoas. Escócia, Irlanda do Norte e Gibraltar gostariam de se transformar em praças de portagem para as relações entre o RU e a UE. Muitos Estados-membros olham com gula para a deslocalização do tecido empresarial europeu e para a caça aos postos ocupados por britânicos na UE. Algumas almas pias gostariam de comboiar o RU de volta para uma sua invenção, a EFTA, atualmente a operar como EEA (Espaço Económico Europeu) mas onde vigora a liberdade de circulação de pessoas do EEA e… da UE.

As negociações em torno das consequências do Brexit vão ser como um divórcio em Las Vegas: aquilo que a bebedeira separou terá de ser reunido pela ressaca.