Desde que comecei a aventura Cancro com Humor que me desafiei a fazê-lo sem medo e diretamente para as pessoas. Não poderia ficar apenas atrás de um computador, salva pela escrita. Teria de estar ali, de olhos postos, a contar a minha história, a partilhar os meus devaneios, a rir e a fazer rir, sem tabus, sem meias-palavras. A partilha teria de ser também através da oralidade, do tato, do toque, da relação real que a internet não pode substituir. Ainda bem que os tive no sítio para me meter à estrada.
Não sei mesmo em quantos sítios já estive, desde associações, centros culturais, universidades, auditórios, teatros, escolas e em diferentes contextos – eventos, colóquios, ações de sensibilização, não interessa. Só preciso de pessoas. Tudo se faz com pessoas. No início foquei-me apenas nos doentes oncológicos, mas rapidamente percebi que isso não fazia sentido nenhum. O cancro nunca atinge apenas o doente. O cancro vem como um terramoto que abala e desconstrói a estrutura, mas não se faz sem réplicas, não atinge o centro sem magoar o que o rodeia, influenciando todos os que estão à volta. Teria então, de me “apresentar” a toda a gente. Carequinhas, sobreviventes, cuidadores, todos aqueles que, de qualquer forma, são atingidos pelo cancro e todos os que tiverem paciência para me ouvir com este excesso de pronúncia.
Estava um calor abrasador. O Golf velhinho mas ainda capaz levou-me até Évora e levou-me até gente que não poderei esquecer. Tinha a certeza de que esta palestra seria muito especial, talvez por ter sido organizada da forma que mais gosto – pela mão e vontade de uma única pessoa. A Elsa enviou-me mensagens a mostrar–me o seu trabalho enquanto voluntária. Percebi logo, pelas fotografias, pelas palavras, pelas histórias que a Elsa era diferente. Arrojada, divertida, louca, ela faz mais do que dar o seu tempo – a Elsa preenche, de facto, a vida das pessoas, daquela forma contagiante e alegre que sabe tão bem. “Quem me dera, no meu tempo, ter conhecido uma voluntária como a Elsa”, pensei.
Com um humor e uma energia peculiar, conquistou-me logo no primeiro telefonema. A Elsa queria agitar Évora, comigo a seu lado. Sem apoios oficiais, mas com amor de muitos amigos, a Elsa desejou proporcionar a todos os seus carequinhas um daqueles dias de que nos lembramos depois, em dias comuns, e nos rimos sozinhos porque “foi tão bom”.
“Vens, Marine?”
“Já lá estou.”
Quando cheguei a Évora, não queria acreditar no que estava a ver. Apesar de saber que seria um dia especial, nunca imaginei que a Elsa tivesse convocado o mundo para estar ali. Crianças, adultos, carequinhas, sobreviventes, cuidadores, pais orgulhosos, filhos comovidos, uma multidão de gente a emanar energia positiva e a arrepiar-me os pelos dos braços.
Fui até aos bastidores cumprimentar as modelos mais bonitas que já vi (fonte segura contou-me que até a Sara Sampaio se tentou infiltrar no desfile) para me apresentar e sentir a felicidade daquelas mulheres, cuja falta de cabelo era só um pormenor e que, não o tendo, o sorriso e o brilho nos olhos ainda mais se destacavam.
O evento começou. O auditório cheio, cheio de gente e de amor, aplaudia o desfile e as lágrimas caíam-nos a todos. Não por pena (pena de quê?!), mas de orgulho, de admiração, de estima. Depois desse momento extasiante fui com os olhos em lágrimas falar de cancro com humor. Assumi que mais parecia uma fraude – “então esta gaja está a chorar no palco? E o humor?” –, mas expliquei-lhes que rir não impede que choremos. Nem isso me faz sentido. Fui contando a minha história e fi-lo como faço em casa, com um à-vontade de quem está onde se sente bem, sendo verdadeira, mas também parva e espontânea numa partilha que teve tanto de humor como de emoção. Antes de sair do palco, um grupo encantador de crianças (desculpem meninas, de pré-adolescentes!) ofereceu-me um mimo: o bolo Cancro com Humor! Gulosa e vaidosa, prometi que o haveríamos de comer juntos porque, afinal, o cancro não se pega, mas come-se. E antes das despedidas, as modelos subiram ao palco novamente. Queriam chamar alguém muito especial.
“Vem cá, Helena!” E num abraço dissemos à companheira e Careca Power Helena, que será submetida nos próximos dias a uma intervenção cirúrgica delicada, que estávamos todos com ela, que éramos uma equipa. Mas alguém se destacou ali, naquele momento de união. A filha levantou-se, pediu para falar e, com uma coragem de quem se expõe mesmo quando o coração está tão pequenino, agradeceu-me o humor, agradeceu o amor e, mais uma vez, disse àquela mãe o quanto a amava. Mas agora à frente de todos nós – e, falando por todos, sentimo-nos um só.
A palestra acabou. Depois dos abraços, das despedidas, fui jantar com os sobreviventes e carequinhas (terei de contar noutro texto os épicos momentos que vivemos ali), mas posso dizer-vos que não me ria assim há algum tempo e que nunca, nunca tinha estado num convívio Cancro com Humor tão espetacular como este. Saí de lá com a certeza de que isto tudo faz tanto sentido. Rir é a melhor refeição do dia.
Portugal ganhou nessa noite. Mas nós ganhámos mais – porque marcámos a nossa história com momentos tão ímpares que, desconfio, ajudaram a aumentar ainda mais o nosso amor e gratidão pela vida.
Obrigada, Évora, por me arrebatares!
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