Um dos males do nosso tempo é a ansiedade. A inquietação pelo futuro, o temor ao incógnito, esse sufoco não nos deixa viver com plenitude o presente.
E, no entanto, faria mais sentido ter receio do mal conhecido que ficar sobressaltado pela expectativa do desconhecido.
Ponderando: essa pressão ansiosa caracterizou todo o século xx, período de tempo em que conviveram a destruição em larga escala, o horror recriado numa sofisticação inimaginável e um progresso tecnológico, material e científico impressionantes.
Uns não dormem por ansiedade de não terem as coisas que gostariam de ter e que imaginam que os colocaria no patamar de gente.
Coisas que fazem deles seres falsificados mas aceitáveis, para conviver com as sombras dos machos dominantes. Acumulam coisas, mentiras e dívidas, degraus por onde esperam trepar socialmente.
Outros não dormem por medo de perder as coisas que têm. Perderam a noção do essencial, mais preocupados em parecer do que efetivamente em ser, reduziram o conjunto de valores éticos ao mínimo moral; tudo o resto é possível e negociável na defesa dos seus interesses.
Não é que não tenham consciência, têm outra consciência que assenta num cínico pragmatismo do “eu contra a selva”. São o seu próprio templo e religião.
A ansiedade é, essencialmente, a incapacidade de assumir o que se tem e o que se é. A ansiedade é uma perda de energia, porque sabemos que o futuro é sempre uma incógnita.
Também em política, a ansiedade, principalmente a demagógica, é um sentimento inútil porque ilude e não resolve.
A proposta do Bloco de Esquerda de fazer um referendo à UE é sintoma de uma ansiedade que desagua no habitual desespero taticista e demagógico dos bloquistas.
Mas que defende Catarina Martins em concreto? A saída da União Europeia? Um referendo ao Tratado Orçamental? Uma resposta às possíveis sanções? O que propõem? Um referendo a quê?
Nem interessa nada a Catarina Martins que o referendo sugerido não seja possível de acordo com a Constituição Portuguesa.
O que interessa é o efeito. O Bloco é publicidade que se vende no espaço mediático. Aí projeta um imaginário e a convicção de uma ideia.
É frequente no Bloco, e nem me refiro à colagem ansiosa ao Syriza, com peregrinações gregas, com as televisões a reboque, de cumplicidade de Catarina Martins e Marisa Matias, e que hoje é recebido com assobios na convenção do Bloco. Segue-se o Podemos.
O único objetivo é marcar a agenda mediática, o que interessa é aparecer mesmo que, no fim, tudo esteja vazio de substância e aquilo que parecia algo seja, afinal, só ruído.
Traduzindo: para o Bloco, o que interessa é manter a posição alcançada no tabuleiro do poder a qualquer custo e, para isso, troca os interesses do país pelos da agremiação partidária. É a insegurança e a ansiedade a substituírem a análise política.
É no mínimo bizarro que Catarina Martins opte por criar dificuldades ao governo e à coligação que o sustenta exatamente neste momento. António Costa faz bem em não ceder a chantagens e o PCP fez bem em se afastar deste número de circo.
É infantil o Bloco imaginar que na sua desenfreada corrida para a frente, ansioso e malabarista, sem ideologia nem convicções, sem nada de substancial para propor, possa iludir os portugueses em qualquer circunstância, só porque sim. Só porque é Bloco.
O Brexit demonstrou que o populismo e a demagogia dão sempre mau resultado e podem abrir a caixa de Pandora. Que esperar de uma campanha que acentuou o centro do debate no medo da imigração?
A vitória do PP em Espanha e a derrota do Podemos que, mesmo em coligação, perde em seis meses mais de um milhão e 200 mil votos, e a pior votação de sempre do PSOE merecem reflexão sobre a dificuldade da esquerda de se apresentar com um projeto credível de poder, apesar da austeridade imposta e das políticas dos governos de direita.
Mas este pode também ser um tempo histórico, uma oportunidade política para reconstruir uma Europa dos povos, para promover de forma corajosa as mudanças profundas e adequadas a uma Europa social que reponham a esperança coletiva e reforcem o primado da democracia.
Este é um tempo de inteligência, serenidade e coragem contra a demagogia e os sentimentos de fragmentação que só beneficiam as correntes xenófobas e antidemocráticas.
Como não é possível que Catarina Martins não tenha refletido sobre a sua mudança de opinião em 24 horas, isso significa que, feita a avaliação, o Bloco, em consciência, optou pela labareda populista.
Esta Europa é a que sobreviveu à tempestade de fogo da ii Guerra Mundial e renasceu em 1945. Das cinzas.